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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Sede da próxima COP, Pará troca jagunços por milícias rurais na Amazônia

Dois homens armados expulsam quilombolas de área na Amazônia, no Pará - Reprodução
Dois homens armados expulsam quilombolas de área na Amazônia, no Pará Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

01/06/2023 11h30Atualizada em 01/06/2023 14h08

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A escalada da tensão na disputa por terra no sudeste do Pará tem sido marcada pela atuação de milícias rurais. Fortemente armadas, elas ocuparam o espaço dos jagunços e deram ainda mais força ao poder paralelo que amedronta comunidades tradicionais na Amazônia.

Na última sexta-feira, o presidente Lula anunciou que a próxima COP30, conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas, será realizada em Belém em 2025.

Problemas relatados pela comissão

Os detalhes do chamado "caos fundiário" constam em relatório da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns, entregue hoje ao ministro da Justiça, Flávio Dino. Uma comissão visitou cinco municípios do estado em abril.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; o dos Direitos Humanos, Silvio Almeida; e a presidente do STF, Rosa Weber; também vão receber o documento.

Segundo o relatório, crimes de ameaça a até homicídios não são investigados até o final. E isso gera impunidade.

A não presença do Estado gera temor de represálias, criando uma "lei do silêncio" que dificulta o esclarecimento dos crimes.

Como forma de ameaça, casas e instalações públicas são atacadas e queimadas por esses grupos armados.

Pistoleiros chegam a acompanhar inspeção judicial de áreas. Isso foi considerado uma afronta velada à autoridade constituída no local.

As forças começaram a se organizar longe do velho jaguncismo. Há um poder de fogo maior que pistolagem tradicional, quando um minerador, um fazendeiro contratava alguém [para ameaçar ou matar]. Essas milícias começam a se organizar como um 'player' naquela região."
Belisário dos Santos Jr., advogado e membro fundador da Comissão Arns que visitou o Pará

Escola na zona rural de Anapu (PA), destruída por ataque de milícia  - Reprodução/Repórter Brasil - Reprodução/Repórter Brasil
Escola na zona rural de Anapu (PA), destruída por ataque de milícia
Imagem: Reprodução/Repórter Brasil

Segundo o relatório, as milícias são grupos organizados e que atuam não só em defesa de empresas e fazendeiros, como muitos passaram a criar defender interesses próprios.

Elas se articulam para a prática de ilícitos ambientais, grilagem, desmatamento, garimpo ilegal e extração predatória de madeira em áreas protegidas, além de oprimir a população vulnerável.

Originalmente arregimentadas para exercer a segurança privada a mando de fazendeiros, hoje cresceram a ponto de defenderem seus próprios interesses econômicos, em geral associados a atividades ilegais.
Relatório da Comissão Arns

Belisário afirma que a falta de presença do Estado acaba fazendo com que os conflitos ganhem proporções maiores já que não há resolução de posse ou uso da terra —e isso gera a violência.

A ausência do estado leva à incerteza jurídica e ao uso da força --e, claro, não é uma força legal do estado. Esses grupos vêm se refinando, mais armados pelo forte incentivo que havia no governo Bolsonaro.
Belisário dos Santos Jr.

arm - Divulgação - Divulgação
Visita da comissão foi feita ao Pará entre 15 e 20 de abril
Imagem: Divulgação

O que diz o governo do Pará

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará informou que aguarda o relatório, mas afirmou que as forças de segurança "atuam nas regiões citadas há mais de 100 dias por meio da 'Operação Curupira', que combate a ilícitos ambientais e outros delitos que estão ligados aos conflitos nas regiões".

A ação, diz, resultou em 13 prisões, apreensões de 30 armas de fogo e 220 munições, além da fiscalização de mais de 30 garimpos.

A pasta diz ainda que implantou dois Batalhões Rurais da Policia Militar, em Marabá e Castanhal, para tentar coibir ações criminosas.

"No ano de 2022 o estado apresentou redução de 81,81% nos crimes envolvendo conflitos agrários, se comparado ao mesmo período de 2019."

Ataque de milícia

Um dos casos documentados ocorreu no dia 12 de abril, quando quilombolas do Alto-Acará foram atacados por seguranças de uma empresa que comprou uma fazenda em São José de Acará.

A coluna recebeu o vídeo do conflito, que mostra cinco homens com rostos cobertos e apontado pistolas e espingardas. Eles disparam várias vezes, "orientando" que os quilombolas saiam a área.

Sob condição de anonimato, uma quilombola contou que o grupo estava no local para uma colheita de frutos para doação visando ajudar a construção de uma igreja na comunidade.

"Eram mais de 50 pessoas, mas quando chegamos pela manhã eles já estavam armados com calibres pesados", conta.

Estamos sendo perseguidos e criminalizados. São seguranças que não têm identificação na farda. Isso deixou as pessoas em pânico, somos como uma família. Eu vi ali a hora de a gente morrer. Nuca tinha visto empresa contratar seguranças para matar pessoas. Me sinto ameaçada.
Moradora quilombola

Ainda segundo ela, desde que a empresa se instalou no local, a água e a terra foram contaminados. "Nem os peixes do igarapé comemos porque temos medo de passar mal. Nossas fontes de água potável secaram."

Seguranças armados apoiam ação contra quilombolas  - Reprodução - Reprodução
Seguranças armados apoiam ação contra quilombolas
Imagem: Reprodução

Recomendações do relatório a autoridades

Urgência na revitalização do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos.

Envolvimento do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado do MP do Pará na investigação de indícios de atuação de milícias rurais.

Traçar estratégia de retomada de terras públicas não destinadas. Isso seria o cumprimento à obrigação assumida pelo Estado brasileiro junto à Comissão de Direitos Humanos da OEA .

Criação e regularização de projetos de assentamento rural e desenvolvimento sustentável.

Graves violações foram relatadas por cidadãos que não mais confiam no poder público para proteger seus direitos elementares contra a violência privada que grassa na região. Eles se sentem inseguros e esquecidos. Vivem atemorizados, naquele estado terrível em que a vida é descrita, segundo célebre formulação, como pobre, cruel, brutal e curta."
Relatório da Comissão Arns