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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Os 4 obstáculos do governo federal à vacinação, segundo Dimas Covas

27.mai.2021 - O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, presta depoimento à CPI da Covid no Senado; ao lado dele, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o relator senador Renan Calheiros (MDB-AL) - Jefferson Rudy/Agência Senado
27.mai.2021 - O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, presta depoimento à CPI da Covid no Senado; ao lado dele, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o relator senador Renan Calheiros (MDB-AL) Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Colunista do UOL

27/05/2021 15h26

O depoimento de Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, à CPI da Covid no Senado é um tiro de misericórdia na versão de que o governo federal não atrapalhou ou atrasou a vacinação da população brasileira contra a covid-19.

De maneira muito objetiva, com números, datas e documentos, Covas deixou evidente que, se não fossem obstáculos criados por omissões e até mesmo por ações deliberadas do Ministério da Saúde e do presidente Jair Bolsonaro, a vacinação no país teria começado antes e atualmente o número de brasileiros imunizados seria muito maior.

Os principais obstáculos, pelo que se pode depreender do depoimento de Covas, foram os seguintes:

1) Demora do Ministério da Saúde em demonstrar interesse em adquirir a CoronaVac, o imunizante desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac, com o qual o Instituto Butantan firmou parceria em 8 de julho de 2020.

Dimas Covas apresentou à CPI um ofício enviado ao Ministério da Saúde, aos cuidados do então ministro Eduardo Pazuello, informando sobre a parceria e sobre o início dos estudos clínicos de fase 3, no Brasil, que já contava então com aprovação da Anvisa e da comissão de ética da pasta.

"O Instituto Butantan comunica a esse Ministério da Saúde a disponibilidade de fornecimento de 60 milhões de doses da vacina contra a covid-19 no último trimestre de 2020", informa o penúltimo parágrafo do ofício.

É isso mesmo: segundo a proposta feita em 30 de julho do ano passado, se o governo tivesse sido rápido em manifestar interesse pela oferta do Instituto Butantan, as doses e os insumos teriam sido encomendados à Sinovac e 60 milhões de brasileiros poderiam começar a ser vacinados ainda em 2020. Isso é o dobro dos cidadãos que receberam pelo menos a primeira dose até agora, maio de 2021, no país.

Mas o ministério foi lento. Só em outubro, portanto dois meses depois, houve uma "sinalização de que a vacina poderia ser considerada", nas palavras de Covas na CPI.

No dia 7 de outubro, o Instituto Butantan, segundo o depoente, fez nova proposta, dessa vez para 100 milhões de doses, mas com um novo cronograma.

Só no dia 19 de outubro o Ministério da Saúde produziu um documento manifestando a intenção de compra das doses da CoronaVac, para sua inclusão no Programa Nacional de Imunização (PNI).

2) O presidente Jair Bolsonaro congelou as negociações dois dias depois. No dia 20 de outubro, segundo o relato de Dimas Covas, o diretor do Butantan saiu "satisfeito" de um evento com Pazuello. Porém, "no outro dia de manhã, as conversações não prosseguiram", afirmou ele. "Houve uma inflexão" depois que Bolsonaro se manifestou publicamente contra a compra da CoronaVac.

"Voltamos ao Butantan e voltamos ao projeto, mas com algumas dificuldades", afirmou Dimas Covas.

O motivo era simples: o Ministério da Saúde, por meio do PNI, sempre foi o comprador e destinatário primordial dos produtos do Butantan. As vacinas do instituto são feitas para serem usadas pelo SUS, portanto via governo federal.

Sem a confirmação de compra pelo Ministério da Saúde, passou a existir "uma incerteza de financiamento", afirmou Covas. Ou seja, como o instituto poderia encomendar insumos para a vacina sem ter um comprador garantido?

Isso foi contornado de alguma forma com negociações com outros países e com os termos de aquisição assinados diretamente por dezessete estados da federação. Mas a incerteza permanecia.

"Nunca recebi um ofício dizendo que a intenção de compra não era mais válida. Mas, na prática, não avançou", disse Covas.

Só no início de janeiro deste ano, quando ficou evidente que a CoronaVac estaria disponível para os brasileiros antes da vacina de Oxford/AstraZeneca, distribuída pela Fiocruz (instituição do governo federal), o Ministério da Saúde entrou em contato com o Instituto Butantan para firmar um contrato de compra.

3) O governo federal negou-se a apoiar os testes de fase 3 da CoronaVac, solicitado, segundo Covas, em ofício enviado no dia 18 de agosto de 2020, que também reforçava a oferta de 60 milhões de doses até o fim do ano.

O estudo clínico custava caro, cerca de 100 milhões de reais, e o apoio do governo federal permitiria fazê-lo com maior rapidez, de maneira que fosse possível entrar com o pedido de autorização emergencial para uso da vacina junto à Anvisa mais cedo.

Sem o apoio do governo federal para acelerar os testes clínicos, a aprovação da Anvisa saiu apenas em 17 de janeiro.

Mas a falta de apoio financeiro não foi o único problema. Covas disse na CPI que a campanha que Bolsonaro e seus apoiadores vinham fazendo contra a CoronaVac dificultou inclusive o recrutamento de voluntários para os testes de fase 3: "Havia um embate contrário à vacina nas redes sociais, e isso dificultou a velocidade do estudo clínico."

4) A antidiplomacia do governo Bolsonaro em relação à China atrapalhou o acesso do Butantan aos insumos para a vacina. Dimas Covas contou que o embaixador chinês no Brasil deixou claro, em reunião com ministros de Bolsonaro e com o próprio diretor do Butantan, que as "posições contra a China causam desconforto".

Covas disse que outros países que importam a vacina chinesa não enfrentam a mesma dificuldade que o Brasil para desembaraçar o envio de insumos. "Dificuldades que antes resultavam em atrasos de 15 dias e agora chegam a 30 dias", afirmou Covas.

Segundo o diretor do Butantan, a Sinovac tem cumprido os acordos de produção de insumos, mas os atrasos são de ordem burocrática. As declarações ou insinuações ofensivas à China são veiculadas na imprensa estatal do país e abalam a boa vontade dos burocratas chineses com o Brasil. "Outros países não enfrentaram a mesma morosidade" na liberação dos insumos, avaliou Covas.

O quarto obstáculo, exposto acima, é o mais subjetivo e o mais difícil de comprovar. Mas os três primeiros são como pólvora na mão de um suspeito de assassinato.

O governo federal desperdiçou a oportunidade de disponibilizar ainda em 2020 não só vacinas da Pfizer, como já ficou evidente no depoimento do representante da farmacêutica à CPI, como do Instituto Butantan — o que poderia ter mitigado os impactos da segunda onda da pandemia.

Milhões de brasileiros deixaram de ser vacinados mais cedo, e muitos morreram e estão morrendo, apenas porque Jair Bolsonaro não quis dar ao governador de São Paulo, João Doria, o gostinho de uma vitória política.