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Diogo Schelp

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Senadores precisam melhorar trabalho técnico na CPI e fazer menos discursos

Eduardo Pazuello - Agência Senado
Eduardo Pazuello Imagem: Agência Senado

Colunista do UOL

20/05/2021 17h12

Há de se reconhecer que é muito tentador para uma senadora ou um senador da República aproveitar o holofote da CPI da Covid para fazer discursos grandiloquentes, seja para demonstrar sua indignação quanto à gestão governamental da pandemia, seja para defender com unhas e dentes a atuação do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros. Afinal, o sinal da TV Senado com a transmissão ao vivo dos depoimentos vem sendo retransmitido na íntegra e em tempo real por alguns dos principais veículos de comunicação do país.

Com mais de 440.000 mortos por covid-19 no Brasil, quase meio milhão de vidas de brasileiros perdidas, toda essa atenção em cima da CPI é justificável, pois os cidadãos querem saber o que nos levou a essa tragédia monumental.

Se o governo tivesse adotado políticas públicas diferentes, tal dimensão da crise na saúde pública poderia ter sido evitada? O número de mortes poderia ter sido menor?

Está claro que sim, e para isso não é preciso de CPI. Uma estratégia coordenada nacionalmente para restringir a circulação do vírus por meio de medidas inteligentes de isolamento, campanhas insistentes para difundir o uso de máscaras, um esforço para compra rápida de vacinas em detrimento da prioridade dada a medicamentos sem eficácia e um comportamento do presidente que fosse coerente com essas políticas — tudo isso teria ajudado a evitar o agravamento da pandemia.

O que a CPI da Covid precisa explicar é de quem foi a responsabilidade da não adoção de uma política consistente de enfrentamento preventivo à pandemia, além da incompetência no socorro ao Amazonas durante o colapso da oferta de oxigênio hospitalar e no fornecimento de medicamentos para intubação de pacientes em estado grave.

Pelo amplo escopo da investigação, os discursos e os desabafos dos senadores durante os depoimentos não contribuem para os trabalhos e para o esclarecimento dos fatos.

Essas intervenções de cunho mais político empolgam uma parte da audiência, mas irrita a outra e toma tempo dos depoimentos. Além disso, dão a depoentes como o ex-ministro Eduardo Pazuello a chance de tergiversar, de rebater com autoelogios e de apresentar informações desencontradas para confundir os trabalhos da CPI.

Alguns senadores têm-se notabilizado por inquirir os depoentes de maneira objetiva, de maneira a extrair informações úteis, e, quando pertinente, expor as contradições das testemunhas com base em dados e documentos. É o caso, entre outros, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, de Alessandro Vieira (Cidadania-SE), membro suplente, e de Eliziane Gama (Cidadania-MA), que não integra a comissão oficialmente.

O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), também tem feito perguntas cujo objetivo é obter informações concretas, mas por vezes as formula de maneira muito genérica ou confusa, o que dá chance aos depoentes de sair pela tangente.

Entre os senadores governistas que são membros da CPI, alguns, como Eduardo Girão (Podemos-CE) e Marcos Rogério (DEM-RO), usam uma parte de seus quinze minutos de arguição para reclamar do relator e das prioridades da CPI, e a outra parte para obter respostas concretas que contribuam para provar a tese de que o governo fez o que tinha que ter feito na gestão da pandemia. Esse contraponto é importante principalmente quando o depoente é alguém sabidamente crítico do governo, como é o caso do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

Para não servir apenas de palco político e de guerra de narrativas sobre temas como a eficácia ou não da hidroxicloroquina, a CPI precisará aprimorar seu trabalho técnico e concentrar-se em perguntas concretas, além de um acompanhamento constante de assessores parlamentares para não permitir que afirmações falsas dos depoentes passem em branco, despercebidas, sem que eles sejam confrontados com fatos documentados.

Nas próximas semanas, seria de grande utilidade a convocação de funcionários do segundo escalão do governo para confirmar ou desmentir o que disse, principalmente, o ex-ministro Pazuello, sobre negociações para compra de vacinas, promoção de kit covid e campanhas de conscientização.

Afinal, a memória de Pazuello falha quando lhe convém. Por exemplo, quando diz não se lembrar de reunião comandado por ele para expandir o uso da hidroxicloroquina em 2020, revelada na ocasião publicamente por deputada da base aliada. Ou quando diz não saber porque uma postagem do Ministério da Saúde sobre a intenção de compra da CoronaVac foi apagada da conta um dia depois de o presidente ter criticado as negociações.

Com bom embasamento, é muito fácil pegar contradições, omissões ou mentiras deslavadas como essas.

Menos discursos e mais objetividade, é o que se espera dos senadores na CPI da Covid.