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Absolvição no Pará aumenta tensão no campo e ameaça a familiares de extrativistas

Carlos Madeiro

Do UOL, em Marabá (PA)

05/04/2013 09h00

A absolvição do suposto mandante da morte do casal de extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados em maio de 2011, em um assentamento em Nova Ipixuna (a 582 km de Belém), deve aumentar ainda mais a tensão agrária na região sudeste do Pará. É o que afirmam unanimemente lideranças de movimentos sociais e agrários e autoridades do Pará ouvidas pelo UOL logo após o julgamento.

VEJA REPORTAGEM SOBRE O JÚRI

No júri popular, que durou dois dias e terminou na noite dessa quinta-feira (4), em Marabá (685 km de Belém), os sete jurados entenderam que não havia provas contra José Rodrigues Moreira, suposto mandante, mas condenaram os dois autores materiais do crime: Lindonjonson Silva Rocha foi condenado a 42 anos e oitos meses e Alberto Lopes do Nascimento a 45 anos de prisão.

“Esse resultado é um passe livre para que se continue a matar agricultores aqui no Pará. É um acerto dos poderosos no nosso Estado, que já faz parte da tradição política. O que estamos vendo é a mais pura impunidade”, integrante da direção nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e militante no Pará.

Para o advogado da CPT (Comissão Pastoral da Terra), José Batista, o julgamento do caso foi emblemático e teve um resultado inesperado e preocupante. “Esse caso é pior que em outros, pois o acusado volta para o local onde foi o conflito que gerou o crime. Esse julgamento mostra a dificuldade do Pará em condenar mandantes de crimes no campo”, disse.

Ameaçados

Segundo relatório da CPT, 38 agricultores estão ameaçadas de morte no sul e sudeste do Pará. Ao todo existe cerca de 500 assentamentos no Estado, além das dezenas de acampamentos, que ainda aguardam pela reforma agrária. Muitos deles vivem sob tensão pela disputa de terras com madeireiros e fazendeiros da região.

Uma das integrantes da lista de ameaçados é a irmã de Maria do Espírito Santo, Laísa Sampaio, que ainda vive no assentamento agroextrativista Praia Alta-Piranheira, onde o casal foi morto, supostamente por questionar a aquisição dos lotes por José Rodrigues e fazer críticas à criação de gado no local pelo pecuarista.

Laísa sofre com constantes ameaças e, para sair de casa, precisa informar a polícia.

Entenda o caso

  • Arte/UOL

    Os três réus estão presos preventivamente desde setembro de 2011, acusados do crime. Segundo as investigações, o casal foi morto na zona rural do município de Nova Ipixuna, quando passava de moto por uma ponte.

    Eles foram alvejados a tiros, vítimas de uma emboscada. Antes de ser assassinado, José Cláudio teve parte da orelha direita arrancada "como prêmio pela execução do delito", segundo a denúncia.

    Para o Ministério Público, "José Rodrigues planejou, organizou e financiou o duplo homicídio", objetivando, com as mortes, "afastar qualquer impedimento para adquirir a posse da terra".

    Os lotes em questão foram adquiridos por José Rodrigues no assentamento Praialta-Piranheira. No local, moravam três agricultores, que eram defendidos pelo casal. José Claudio e Maria denunciavam a ilegalidade na operação de compra das terras e afirmavam que Rodrigues não tinha perfil para reforma agrária e não seguia conceitos básicos para preservação da natureza.

    José Rodrigues negou a ilegalidade e disse que possuía autorização do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para ficar nos lotes.

  • Um ano e meio depois da morte do casal, o Incra  considerou a mulher do homem acusado de ordenar a morte do casal --que foi absolvido-- apta a ocupar a terra cuja disputa supostamente levou ao assassinato dos dois.

A situação dela está sendo acompanhada de perto pelo movimento Anistia Internacional, que vê a situação com receio após o júri. “O que nos preocupa agora são essas pessoas que estão no campo, como a Laísa. Com o julgamento, a situação de ameaças e dificuldades dela, que vive no assentamento onde a irmão foi morta, podem aumentar”, alegou Átila Roque, diretor da organização no Brasil.

O promotor Danyllo Pompeu Colares também acredita que o desfecho do julgamento torna os familiares das vítimas --que fizeram vigília para cobrar justiça durante o júri-- ainda mais vulneráveis. “O resto da família fica inteira ameaçada com essa decisão. Eles ficam jogados a sorte”, lamentou.

Tensão elevada

Para o líder sem terra Tito Moura, a absolvição de José Rodrigues terá um fator simbólico importante na vida dos agricultores daqui por diante. “Essa decisão agrava muito a tensão. Mais uma vez os que mandam matar ficam impunes. Esse é o lado podre de nosso Estado. A nossa organização agora tem que aumentar”, afirmou o diretor local do MST.

O arcebispo metropolitano de Marabá, Dom Vital Corbellini, também vê a situação do campo como preocupação, já que a violência pode crescer com a sensação de impunidade. “Foi feita justiça parcial. Ao mesmo tempo em que as duas condenações aliviam, a não condenação de um mandante nos preocupa pelo reflexo que ele pode trazer. Essa paz no campo precisa ser buscada por todos”, alegou.

Maior violência do mundo

Na terça-feira (2), véspera do início do julgamento, a Fundação Right Livelihood Award (RLA) disse que a disputa pela posse da terra no Pará é um dos casos mais preocupantes de violações de direitos humanos em todo o mundo e será denunciada a instituições de todo o mundo.

A chefe da comissão, Marianne Andersson - que foi integrante do parlamento sueco por 17 anos -, afirmou que a violência na região sudeste do Pará é a maior verificada no mundo. “Existem disputas de terras similares em outras partes do mundo. Mas um caso como esse, com tanta violência, é o pior que já ouvi falar", disse.

"O país com mais gente assassinada em questões ambientais e da terra, entre 2002 e 2011, foi o Brasil, com 365 mortes. Para se ter ideia, o segundo colocado é o Peru, que teve 123 pessoas mortas. E dentro do Brasil, essa região da Amazônia é a que registra maior quantidade de assassinatos", complementou o biólogo argentino Raúl Montenegro, também integrante da RLA e que integrou a comissão que veio a Marabá conhecer a situação dos agricultores.