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Polícia errou ao cravar só uma tese para chacina, dizem especialistas

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

17/08/2013 06h00

A Polícia Civil de São Paulo errou ao cravar uma tese praticamente única para a chacina de cinco pessoas de uma mesma família, na Brasilândia, semana passada, a despeito de provas técnicas que sequer foram entregues ainda à equipe que investiga o caso no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).

A análise foi feita ao UOL por dois especialistas na temática da violência: o sociólogo Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e a escritora e pesquisadora Ilana Casoy, criminóloga que há mais de uma década se dedica ao estudo de serial killers.

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Ambos apontaram a falta de elementos de perícia que fossem capazes de respaldar a versão da polícia para a chacina: a de que o estudante Marcelo Bovo Pesseghini, 13, se matou depois de assassinar, cada um com um tiro na cabeça, o pai, o sargento da Rota (tropa de elite da Polícia Militar paulista) Luís Marcelo Pesseghini, 40, a mãe, a cabo da PM Andreia Pesseghini, 36, a avó, Benedita Oliveira, 65, e a tia-avó, Bernadete Oliveira, 55. Os corpos foram encontrados na noite do dia 5.

As primeiras declarações sobre as suspeitas que recaíam sobre o menino foram dadas pelo comandante da PM, coronel Benedito Roberto Meira, menos de 24 horas após a localização dos corpos. Para isso, o policial citou imagens de câmeras de segurança da rua do colégio onde Marcelo estudava e na qual foi encontrado o carro da policial.

Chacina da Brasilândia é esclarecida, diz polícia

No mesmo dia, o delegado da divisão de Homicídios do DHPP, Itagiba Franco, citou trecho do depoimento de um suposto amigo de Marcelo relatando que o filho dos PMs teria manifestado a ele o desejo de ser um matador de aluguel, de matar os pais e fugir de carro.

Conforme participantes das investigações, Marcelo havia avisado sobre a intenção de matar os pais --ainda que, logo nos primeiros depoimentos, tenha sido retratado como um filho exemplar e bom aluno.

"Polícia tinha de ter mais três ou quatro hipóteses"

Para os especualistas, a polícia paulista deveria ter considerado mais hipóteses, logo de início, e aguardado o resultado de exames dos peritos nos corpos e no local antes de definir a provável autoria da chacina.

“Em um caso como esse, pode-se até dizer que a hipótese forte seja essa [a de que Marcelo cometeu os crimes], mas a polícia tinha de ter na mão outras três ou quatro e hipóteses e investigar todas”, disse Mingardi. “Não se pode divulgar rápido, como foi feito, dando essa autoria quase que como certa --isso condiciona as coisas”, completou.

“Ainda não há prova técnica, tudo é muito suposição. Cadê os laudos dos corpos para dizer quem morreu primeiro, e da forma como é dito que morreram? Não há, de fato, resquício de pólvora nas mãos do garoto? Há uma série de questões a serem respondidas. A polícia não poderia ter falado, muito menos a PM, que não é quem investiga. E a Polícia Civil tem que revelar, agora, o mínimo possível”, disse.

A pesquisadora Ilana Casoy destacou uma lista de perguntas ainda não respondidas pela polícia –ao menos, não em público – e que, na opinião da estudiosa, não esclarecem um “aspecto fundamental” como o horário das mortes.

“A polícia trabalha pressionada a passar informações em conta-gotas, mas, para se reconstruir esse crime, precisa no mínimo determinar quando ele aconteceu. E um detalhe que me saltou aos olhos: a família morreu com a roupa que estava no tal churrasco que houve na casa, no domingo? Por que os PMs tinham um colchão na sala? O tal amigo que depôs vem de uma família estável, estruturada? O trabalho investigativo precisa, antes de mais nada, ser técnico”, afirmou.

    Pesquisadora escreveu sobre caso Richthofen

    Autora de quatro livros (“Serial Killer, Louco ou Cruel”, “Serial Killer Made in Brazil”, “O Quinto Mandamento”, sobre o assassinato do casal Richthofen, e “A Prova é a testemunha”, sobre o caso Nardoni), a criminóloga destacou que a chacina da família paulistana tem autoria cravada sobretudo a partir de depoimentos de testemunhas da idade do suposto assassino, 13 anos.

    “Falar sobre depoimentos é frágil, não é suficiente. Principalmente quando se trata de um caso onde as testemunhas são crianças e completamente influenciadas por todo o noticiário que acontece há quase duas semanas”, declarou, para completar: “Se até em um júri se tem o cuidado de não deixar que os sete jurados, adultos, não sejam influenciados pela mídia [eles ficam incomunicáveis], o que dizer do testemunho de uma criança de 13 anos que há duas semanas escuta a polícia dizer que tem certeza que é o menino? É confiável esse tipo de prova?”, questionou.

    Indagada sobre as opiniões de cidadãos que, seja no próprio noticiário, ou nas redes sociais, critica a hipótese da polícia de que Marcelo é o autor da chacina, Ilana definiu: “É porque o suposto autor não tem e nem pertence a algum grupo que tenha o estereótipo criminoso. Se tivesse antecedentes criminais, ou se fosse um menor desfavorecido e criado em uma periferia violenta, por exemplo, as pessoas aceitariam mais facilmente que foi ele. Aí o clamor da sociedade pela prova científica, e não de inferência, é muito maior”, explicou.

    Em duas semanas, 31 pessoas foram ouvidas

    Até esta sexta-feira (16), delegados do DHPP que atuam no caso ouviram 31 testemunhas –entre familiares e vizinhos das vítimas, policiais que trabalhavam com o sargento, na Rota, e com a cabo, no 18º Batalhão da 1ª Companhia, além de colegas de escola de Marcelo e professores do menino. Para a polícia, a motivação está praticamente esclarecida: os alunos disseram que o filho dos PMs queria organizar um grupo criminoso chamado “Os mercenários” do qual, para fazer parte, teriam de matar alguém próximo.

    Em nota, a assessoria de imprensa do DHPP preferiu não comentar as críticas dos entrevistados. “O DHPP respeita a posição de cada um deles, mas não se manifestará para preservar o processo investigatório e os depoimentos da testemunhas”, diz o órgão.

    Segundo o DHPP, no entanto, as investigações são acompanhadas pela Comissão de Segurança Pública da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e por dois representantes do Ministério Público (MP). Procurada, a Promotoria informou que “aguarda a vinda dos laudos e a conclusão do inquérito” para se manifestar. Já o representante da OAB, Arles Gonçalves Junior, não quis falar com a reportagem sobre o assunto.