No RJ, índios temem virar caricatura em prédio do Minha Casa, Minha Vida
Para 22 índios que faziam parte da Aldeia Maracanã --como ficou conhecida a ocupação do prédio do antigo Museu do Índio, no Maracanã, ao lado do estádio que será palco da final da Copa do Mundo--, os rituais, danças, tradições e vida ao ar livre estarão mais distantes a partir desta segunda-feira (30).
Às 17h30, eles receberão, provavelmente das mãos da presidente Dilma Rousseff, as chaves de apartamentos erguidos no Estácio, bairro da na zona norte do Rio de Janeiro, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida.
O líder do grupo, cacique Tukano, disse ao UOL que as novas moradias são mais confortáveis e melhor localizadas em comparação com o terreno da antiga colônia Curupaiti, em Jacarepaguá, na zona oeste da capital fluminense, onde os indígenas moraram por um ano e três meses após serem retirados à força da Aldeia Maracanã, em março do ano passado.
No entanto, Tukano afirmou temer a relação com os mais de três mil vizinhos --pessoas oriundas de diferentes classes sociais, perspectivas culturais e crenças religiosas, também beneficiadas pelo Minha Casa, Minha Vida. Seu maior receio é o da "caricaturização" dos indígenas em um espaço totalmente urbano, fechado, ocupado majoritariamente pelo "homem branco".
"Nunca imaginei que colocariam índios em apartamentos, mas essa foi a solução que nos coube aceitar. A reação é imprevisível. Vamos ter que andar camuflados, pois, se você não anda pintado, você não é índio. Não queremos ser piada. Se estivermos caracterizados, vamos acabar virando personagens, caricaturas. (...) A sociedade, como um todo, pensa que o índio tem que estar no mato", declarou o cacique.
Já na visão da escritora Vãngri Kaingáng, que também vai se mudar para um apartamento do MCMV, o processo de transição e de adaptação à sociedade dita civilizada traz, de fato, o distanciamento em relação às culturas étnicas, porém proporciona uma oportunidade de inserção da representação indígena no mundo moderno. "Se a sociedade ainda não consegue compreender o índio, nós temos que mostrar que o índio consegue compreender a sociedade", disse.
"Vai ser muito difícil. Eu mesmo me vejo em conflito, pois tenho um bebê [o pequeno Siratan Katir, de três meses] e não vou deixar de passar para ele a cultura do meu povo. Se a convivência no apartamento prejudicar a criação e a formação dele, eu o mando de volta para a aldeia [da tribo Kaingáng, situada em Ronda Alta, no interior do Rio Grande do Sul]. Não vou deixar de falar com o meu filho na minha língua e nem abandonar os nossos rituais", completou ela.
Patxia Patashó, que vai morar no complexo residencial junto com os filhos --uma jovem de 19 anos e um adolescente de 15--, diz ver com bons olhos a oportunidade desfrutar de uma moradia mais confortável. Para a indígena, que, na colônia Curupaiti, dividia um contêiner com outras quatro pessoas (dois dormiam no chão e os demais em beliches), o novo lar pode até mesmo proporcionar a reaproximação do ex-marido. "Vai ser difícil, pois ele não quer sair da aldeia [na Bahia], mas isso faz com que a tenha uma esperança, né?", disse.
O paradigma do choque cultural temido pelos indígenas revelou-se de forma mais objetiva quando Patxia foi questionada pela reportagem do UOL sobre qual seria a sua reação ao ver a filha, uma índia Pataxó de 19 anos, relacionando-se com um "jovem branco" da mesma idade, vizinho no condomínio do Minha Casa, Minha Vida. "Não quero nem pensar nisso. Ela pode até namorar um homem branco, mas casar jamais", disse ela, sorrindo.
Obras do Minha Casa custaram mais de R$ 31 milhões
A construção do complexo residencial formado por dois condomínios, batizados com os nomes dos sambistas Zé Keti e Ismael Silva, ocorreu no terreno do antigo presídio Frei Caneca, na rua Frei Caneca, e custou quase R$ 31,5 milhões. As obras tiveram início em dezembro de 2011 e foram concluídas no dia 30 de abril desse ano.
Os 998 apartamentos são iguais: dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Os imóveis estão situados próximos à estação de metrô do Estácio.
Além dos indígenas, que pediram para ocupar o mesmo prédio a fim de manter a união do grupo, também vão morar nos apartamentos do MCMV pessoas que habitavam áreas de risco no Rio, a exemplo de moradias localizadas em favelas, regiões de encosta, entre outras, ou que estavam desabrigadas.
Prédio do antigo Museu do Índio foi tombado após manifestações
Em agosto do ano passado, a Prefeitura do Rio tombou de forma definitiva o antigo prédio do Museu do Índio, que fica ao lado do Maracanã e integra o complexo esportivo. O governo previa demolir o local.
Em janeiro de 2013, o ex-governador do Estado, Sérgio Cabral (PMDB), desistiu de realizar a demolição, mas previa transformar o imóvel em um museu olímpico, como parte das obras para a Copa e os Jogos Olímpicos de 2016. O Executivo estadual voltou atrás após ser pressionado por manifestações em favor dos índios.
O tombamento era uma das reivindicações do grupo de indígenas que ocupava o local. Eles foram retirados de lá em março, depois de uma polêmica reintegração de posse.
Na ocasião, a PM utilizou balas de borracha e bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo para dispersar uma manifestação em favor do índios, e teve que retirá-los à força.
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