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Há 2 meses em contêineres no Rio, índios que deixaram Maracanã estão sem água potável

Julia Affonso

Do UOL, no Rio

22/05/2013 06h00Atualizada em 22/05/2013 06h12

"Estamos bebendo água da torneira e ficamos sem luz durante quase três dias, na semana passada", conta o Cacique Doethyró, da etnia Tukano, líder do grupo indígena que trocou a Aldeia Maracanã, na zona norte do Rio de Janeiro, pela Colônia Curupaiti, em Jacarepaguá, na zona oeste, em março deste ano, há quase dois meses. Segundo ele, os 15 índios de 12 etnias que vivem no local sofrem com as más condições do alojamento provisório.

A polêmica disputa pelo terreno no qual está situado o antigo Museu do Índio, no entorno do Maracanã --que será o principal estádio da Copa do Mundo no Brasil, em 2014--, no Rio de Janeiro, começou em outubro de 2012. Os indígenas ocupavam o local desde 2006. Os ocupantes queriam que o local se transformasse em um centro cultural. A polícia foi para o local para cumprir um mandado de desocupação expedido pela Justiça Federal e, após confronto entre o Batalhão de Choque, índios e simpatizantes da causa, os índios que aceitaram um acordo com o governo foram levados para Jacarepaguá.

"No início estava tudo bem. Mas, de uns tempos para cá, ninguém mais do governo apareceu aqui. Toda vez que chove, o alojamento fica alagado", diz o cacique, que chegou à Aldeia Maracanã, em 2006. "Quando chegamos, tínhamos dois geradores, mas trocaram o fornecedor e agora só resta um. Toda hora falta luz, o teto do contêiner da cozinha caiu há algumas semanas, sem motivo nenhum, não tinha chovido. Parece que, para o governo, nós ficamos caros."

Diante do relato dos índios, a Defensoria Pública da União resolveu visitar o local. O defensor público federal André Ordacgy fez uma vistoria no local no dia 15 de abril, e elaborou um documento com 15 itens que precisavam ser regularizados pelo Estado.

Segundo Ordacgy, do 1° Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, o relatório foi entregue à Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos no dia 22 de abril, e desde então nada foi feito. Procurado, o órgão do Estado informou, em nota, que desde a construção do alojamento tem trabalhando para atender a todas as necessidades e direitos dos indígenas.

"O atendimento da SEASDH é feito aos 14 índios que aceitaram a proposta feita pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro e deixaram pacificamente o prédio do antigo Museu do Índio. Sobre os pertences, a SEASDH informa que novas buscas poderão ser feitas pelos índios que procurarem a secretaria", diz o texto da secretaria.

"Temos família fora do Estado, pessoas que vêm nos visitar. Lá na Aldeia Maracanã, cada um tinha seu espaço, todo mundo recebia visitas, o pessoal ficava hospedado com a gente. Aqui, os contêineres estão lotados, não tem lugar para receber a nossa família", explica o cacique.

Nesta quarta-feira (22), a Defensoria deve entrar com uma petição na Justiça Federal pedindo uma multa diária de R$ 1.000 para o governo do Estado e para o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira, cada um.

Ordacgy afirmou que "há indícios de que a dignidade dos índios não está sendo preservada". De acordo com o documento, a secretaria tinha 24 horas para solucionar três dos 15 itens:  entregar bens e pertences pessoais dos índios que ainda estão sob custódia do Estado, fornecer alimentação necessária ao bom funcionamento do organismo humano e ventiladores para cada um dos contêineres onde estão alojados os índios.

"Não há boa vontade da secretaria de tentar resolver de forma amigável, sem levar para o Poder Judiciário. Alguns itens são facílimos de serem solucionados. Se você recolocar a lona, você resolve a questão da inundação”, afirmou o defensor. “Em meia hora, a Emop [Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro] chega lá e resolve."

Na lista do que foi pedido, um dos itens colocados pela Defensoria Pública é a necessidade de reposicionamento do botijão de gás, em espaço distante da cozinha e do fogão. Atualmente, ele encontra-se posicionado ao lado do fogão, colocando a segurança de todos em risco e contrariando normas do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil.

Foi reivindicado também o fornecimento de água, material de limpeza, botijão de gás, uma antena de TV para captação de sinal, um cartão Bilhete Único com recarga mensal para cada índio, serviços de saúde (médico, dentista e psicólogo) e mais três contêineres --um dormitório masculino e dois femininos.

Para o defensor, no entanto, a questão mais grave, ao lado da falta de água potável, é referente às proteínas. Ordacgy afirma que há um descumprimento de uma ordem judicial dada na semana em que os índios foram para Jacarepaguá e que estipula que eles devem receber proteínas na alimentação.

"O governo entrega apenas latas de sardinha e carne-seca, em quantidade suficiente apenas para os três primeiros dias, e os índios recebem nova remessa de cesta básica com proteína de 15 em 15 dias. O Estado não cumprir a questão das proteínas é um desafio à autoridade judiciária. A multa que estamos pedindo é para incidir no contracheque do secretario e no Estado", disse o defensor.

"Estamos preocupados. Saímos do Maracanã há quase dois meses e não temos visto nada ser feito. Nós cumprimos o que foi acordado, deixamos a aldeia e viemos para cá [Jacarepaguá]”, disse o cacique. “Não estou desacreditando do governo, mas queremos alguma atitude,  ver o projeto andar. Há muita lentidão."

Longe do centro da cidade, os índios reclamam que têm tido dificuldades de trabalhar. Segundo o cacique, a renda dos indígenas caiu muito desde a mudança para a Colônia Curupaiti. "Lá na Aldeia, as pessoas visitavam o Maracanã e passavam lá para comprar nossos artesanatos. Tínhamos a facilidade de trem, metrô e ônibus para outras partes da cidade. Aqui [em Jacarepaguá], nós ficamos isolados", afirma. "Para comprar botijão de gás, material de limpeza e os alimentos que faltam, a gente faz vaquinha, cada um dá um pouco."

"Estamos preocupados. Saímos do Maracanã há quase dois meses e não temos visto nada ser feito. Nós cumprimos o que foi acordado, deixamos a aldeia e viemos para cá [Jacarepaguá]", diz o cacique. "Não estou desacreditando do governo, mas queremos alguma atitude,  ver o projeto andar. Há muita lentidão. Só o governo sabe o nosso destino. Estamos esperando."