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Cara de Trump 'caiu' quando contei que publicaria bastidores da Casa Branca, diz autor

Evan Vucci/AP Photo
Imagem: Evan Vucci/AP Photo

James Cimino

Colaboração para o UOL, na Filadélfia (EUA)

17/01/2018 09h28

O livro que enfureceu o presidente Donald Trump não poderia ter nome mais apropriado. Escrito pelo jornalista Michael Wolff, "Fogo e Fúria: por Dentro da Casa Branca de Trump" saiu há menos de duas semanas e já está em sua 11ª edição. Houve um pequeno atraso no lançamento, no entanto, porque seu conteúdo levou o 45º presidente americano ao ponto de processar o autor da obra por “invasão de privacidade e calúnia”

“Imagina... Não tem como esse processo ir a lugar algum... Ele é completamente sem noção... Nenhuma corte vai aceitar a premissa de invasão de privacidade de um presidente. É um cargo público! Mas ok, os ataques dele me fazem vender mais livros", ponderou um perplexo Wolff para uma plateia de cerca de 500 pessoas que lotaram o salão subterrâneo da Biblioteca Livre da Filadélfia na noite dessa terça-feira (16), o primeiro evento público de divulgação do livro, que a reportagem do UOL acompanhou com exclusividade.

A obra tem como objetivo retratar os bastidores dos primeiros meses do governo de um dos presidentes americanos que mais polariza opiniões nos Estados Unidos e no mundo, seja por seu populismo seja por sua falta de respeito à liturgia do poder. A maioria dos presentes, no entanto, eram “convertidos”, homens e mulheres entre 40 e 70 anos, independentes e democratas (a reportagem não encontrou nenhum eleitor de Trump no local).

Jornalista Michael Wolff (esq.) no lançamento de "Fogo e Fúria"; colunista Dick Polman mediou conversa - James Cimino/UOL - James Cimino/UOL
Jornalista Michael Wolff (esq.) no lançamento de "Fogo e Fúria"; colunista político Dick Polman mediou conversa
Imagem: James Cimino/UOL

'Trump não sabia o que eu estava fazendo lá'

Wolff falou por uma hora e a primeira coisa que teve de explicar foi como um presidente que aparentemente odeia tanto a imprensa permitiu que um jornalista ficasse tanto tempo (cerca de 11 meses) dentro da Casa Branca. Ironicamente, a resposta é que Trump ama mais a mídia que a política e, segundo o autor, ambos tinham uma certa relação de proximidade.

“Eu era o cara para quem ele ligava na 'New York Magazine' para reclamar sobre algo que havia sido publicado sobre ele — ou para reclamar quando nada havia sido publicado sobre ele. Mas o fato é que ele e seu staff não se deram conta do que eu estava fazendo lá. Tanto que quando eu falei para ele que iria publicar um livro, eu vi como a cara dele caiu”, relatou Wolff fazendo um gesto como que se tirasse uma máscara invisível do próprio rosto.

Neste primeiro momento, nem Trump nem sua equipe tentaram impedir a publicação, conta o autor. Limitaram-se apenas a perguntar quando o livro sairia. “Eu disse que em algum momento de 2018, mas aquelas pessoas todas trabalhavam para Donald Trump... Decerto eles pensaram que o mundo iria acabar antes de eu conseguir lançar o livro", ironizou, arrancando gargalhadas da plateia.

Para chegar ao produto final, Wolff conta que entrevistou cerca de 200 pessoas da campanha e da equipe “sênior” da Casa Branca, cuja maioria só topava falar sob condição de anonimato.  “Este livro não é o meu ponto de vista sobre Donald Trump, mas é o ponto de vista de sua equipe sobre ele”, ressaltou o autor. 

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O excesso de sigilo da fonte talvez tenha sido o motivo que levou muitos veículos de imprensa, inclusive aqueles odiados por Donald Trump, como a rede de TV “CNN” e o jornal “The New York Times”, a questionar a veracidade dos fatos relatados no livro.

Fire and Fury - Henry Holt and Company via AFP - Henry Holt and Company via AFP
Capa de "Fogo e Fúria: por Dentro da Casa Branca de Trump", de Michael Wolff
Imagem: Henry Holt and Company via AFP

Mas Wolff diz que o fato de não ser um repórter de política, “mas aquele cara que descreve a cena” foi o que lhe ajudou a ter acesso tão privilegiado à asa oeste da Casa Branca (isso e o excesso de desorganização do local, principal característica retratada na obra). 

“Eu sempre fui muito cuidadoso em não me misturar aos repórteres que estão na Casa Branca diariamente. Todo dia eu ia para lá com uma lista de entrevistas marcadas. Então, meu primeiro entrevistado era quem me colocava para dentro da recepção, onde tem dois sofás em que eu ficava a maior parte do tempo sentado. Mas como ninguém naquela equipe respeita compromissos, não era raro que uma entrevista marcada para as 10h fosse acontecer às 15h...”

Nesta hora um “ohhhh” sonoro tomou conta do auditório da biblioteca. Cinco horas de atraso é algo inconcebível no mundo corporativo americano, imagine na Casa Branca.

O jornalista continuou: “Durante esse tempo eu ficava ali, pedia para ir ao banheiro, aí dava uma espiada para dentro do salão oval. Acabei virando uma peça da mobília. Apesar de toda a humilhação de não ser atendido na hora combinada, isso me proporcionou uma invisibilidade que me ajudou muito, porque eu me tornei o ombro amigo com quem todo mundo acabava desabafando...”

Ao contrário do que possa parecer, no entanto, Michael Wolff quis ressaltar que nem todas as pessoas ao redor do presidente era completamente incapazes, mas que acabavam sendo aniquiladas pelo excesso de desorganização, desinteresse e incompetência do alto escalão do governo. 

“Eles estavam ali preocupados com suas carreiras ou com seu partido e queriam acreditar que, afinal, se aquele homem foi eleito para o cargo mais importante do mundo ocidental, aquilo deveria significar alguma coisa, mas esta é a primeira vez que TODA A EQUIPE SÊNIOR da Casa Branca acha que há algo errado com um presidente. Até o Sean Spicer, cuja reputação é uma das piores naquela equipe, quando houve o caso da maquiagem da multidão presente à posse, olhou para aquilo e disse: ‘Você não pode manipular essa merda...’”

Líder da extrema direita era 'fonte excepcional'

E ninguém desabafou mais com Michael Wolff que o líder de extrema direita e ex-chefe estratégico do governo Trump, Steve Bannon (hoje indiciado a depor na investigação sobre a suposta interferência da Rússia no processo eleitoral americano).

O autor classificou Bannon como “uma fonte excepcional”. Primeiramente porque ele é, de acordo com a conversa e com um trecho do livro, uma pessoa extremamente desorganizada. Segundo porque o autor afirma ter tido o privilégio de acompanhar o processo de deterioração da relação entre Bannon e Trump.

“Conforme os meses foram passando, ele percebeu que Trump não era quem ele pensava, que ele não iria colocar em prática sua agenda e que o presidente, na verdade, é um idiota que está sempre em busca de satisfação imediata. Steve Bannon estava claramente sofrendo conforme ele via que seu rompimento com o presidente se aproximava.”

Adjetivos como desequilibrado, louco e mentiroso foram alguns que Michael Wolff repetiu algumas vezes para descrever o presidente. Por isso o mediador do encontro, o colunista político Dick Polman, questionou se Trump seria apenas um louco ou se ele era “louco de esperto”.

Neste momento o autor mudou a expressão e falou com uma risível serenidade: “Ele definitivamente não é louco de esperto. Ele é incrivelmente estúpido, tanto que é muito difícil julgá-lo por irresponsabilidade, porque para isso é necessário provar dolo [intenção], e o que acontece lá é que é um bando de gente idiota fazendo idiotice.”

Quando questionado se acreditava em um possível impeachment do presidente, o escritor deu o seguinte prospecto: “Há 33% de chance de ele sofrer impeachment, 33% de chance de ele renunciar com base na 25ª Emenda Constitucional [quando o vice-presidente assume ao declarar o presidente incapacitado] e 33% de chance que ele se arraste até o fim do mandato. Mas há 0% de chance de que ele se reeleja.” A plateia foi ao delírio...

Confirmando as suspeitas

Assim como a resenha da reportagem do UOL sobre o livro, o público presente ao evento afirmou que “Fogo e Fúria”, além da conversa com o autor, apenas ajudou a consolidar uma certeza que já tinham: “Donald Trump é um imbecil”.

Foi isso que disseram os estudantes Alex Mark (economia) e Peter Banks (ciência política), ambos com 20 anos. “Eu não sabia o quanto acreditar, porque li que o tom do livro é sensacionalista, mas depois de vê-lo falar com tanta convicção e batendo com o que sai no noticiário, não tem como duvidar.”

A enfermeira Diane Ellingsworth, 55, também afirmou que o livro apenas confirmou o que ela já sabia: “Ele é um louco narcisista que só pensa em si mesmo.” Questionada se ela achava que o livro mudaria a opinião do eleitor de Trump, respondeu que não. “Eles não vão ler e só vão acreditar naquilo que a Fox News disser. E a Fox News não veio cobrir esse evento nem vai cobrir outros...”