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Obama não vai interferir no direito ao porte de armas mesmo após o massacre do Colorado

O presidente dos EUA, Brack Obama, pede um minuto de silêncio durante discurso em Fort Myers, na Flórida, em homenagem aos 12 mortos no massacre em um cinema de Aurora, no Colorado - 20.jul.2012 - Alan Diaz/AP
O presidente dos EUA, Brack Obama, pede um minuto de silêncio durante discurso em Fort Myers, na Flórida, em homenagem aos 12 mortos no massacre em um cinema de Aurora, no Colorado Imagem: 20.jul.2012 - Alan Diaz/AP

Ross Douthat

26/07/2012 06h00

O presidente Barack Obama tem exibido algumas posições surpreendentemente liberais durante esta campanha. Do casamento entre homossexuais à imigração ilegal, a Casa Branca criou deliberadamente contrastes fortes em relação ao Partido Republicano no que se refere a questões sobre as quais os políticos democratas tradicionalmente ficam na defensiva.

Mas isso não se aplica ao controle de armas de fogo. Assim como em tragédias anteriores, o massacre da última sexta-feira em Aurora, no Estado do Colorado, inspirou uma multidão de colunistas e blogueiros a defender legislações mais duras para o controle da aquisição e do porte de armas.

Mas o presidente deixou bem claro que não apoiaria essa argumentação. A declaração oficial da Casa Branca sobre essa questão, apresentada por Jay Carney, o secretário de imprensa de Barack Obama, reafirmou o apoio do presidente aos “direitos do povo norte-americano estipulados pela Segunda Emenda à Constituição” e, ao mesmo tempo, defendeu um cumprimento mais estrito das legislações já existentes sobre armas de fogo.

Essa cautela não é motivo de surpresa, já que a população é nitidamente contrária ao controle de armas. Porém, essa posição popular não tem sido adequadamente explicada. O amor dos norte-americanos pela cultura das armas de fogo é profundo e duradouro, mas, há 20 anos, esse sentimento coexistia com um amplo apoio a mais restrições às maneiras e às ocasiões em que as armas de fogo podem ser compradas e vendidas.

Em 1990, o Gallup anunciou que quase 80% da população apoiava a ideia de que as leis de controle de armas de fogo deveriam tornar-se “mais rigorosas”. No entanto, em 2010, apenas 44% dos norte-americanos desejavam leis de armamentos mais estritas, contra 54% que se opunham a tais leis. Isso é uma mudança de posição extraordinária em um período tão curto.

Alguns analistas atribuíram essa mudança à timidez dos políticos democratas, que ficaram assustados com a capacidade da Associação Nacional do Rifle de fazer com que os proprietários de armas apoiassem os republicanos na eleição de 1994 e simplesmente desistiram de lutar por essa causa. Sendo assim, ainda existiria uma potencial maioria favorável ao controle de armas de fogo, visível nas pesquisas que fazem perguntas específicas sobre restrições à aquisição e ao porte de armas. Essa maioria estaria apenas aguardando para ser mobilizada por uma geração de políticos liberais mais corajosos que a de hoje em dia.

Uma outra possibilidade, levantada na CNN.com pelo colunista conservador David Frum, é a de que, apesar dos vários anos de redução dos índices de criminalidade, a abordagem “sangue é notícia” adotada pelas redes de televisão persuadiu os norte-americanos de que o país deles está na verdade de tornando mais perigoso e de que eles necessitam de armas para se proteger de uma (falsa) onda de criminalidade que varre as ruas dos Estados Unidos.

Esses argumentos são interessantes, mas o primeiro provavelmente dá pouco crédito aos instintos políticos dos parlamentares democratas, e o segundo provavelmente exagera a influência do noticiário televisivo das 23h. Se os programas de notícia realmente tivessem enganado os norte-americanos de forma tão completa, seria de se esperar que a questão do crime fosse muito mais importante na politica norte-americana do que tem sido nas últimas duas décadas.

Eu gostaria de sugerir dois outros fatores que poderiam ter contribuído para a queda do apoio ao controle de armas de fogo. O primeiro é a queda real dos índices de criminalidade desde 1990. Conforme sugere Frum, para certos norte-americanos o medo do crime provoca o apoio à posse e ao porte de armas. Mas, para outros, é de se supor que isso provoque apoio à restrição à posse de armas de fogo: em um momento no qual a ordem pública parece ser tão precária, tal restrição se constitui em uma medida de “combate ao crime” que é apoiada até mesmo pelos liberais.

Segundo essa linha de raciocínio, não é de se surpreender que o apoio do Partido Democrata ao controle de armas de fogo tenha sido maior quando o índice de criminalidade se encontrava no auge. Basta lembrar que a proibição de armas de assalto automáticas foi parte de uma ampla legislação anticrime do presidente Bill Clinton, em 1994, que deveria imunizar o seu partido contra os ataques dos republicanos referentes à questão da lei e da ordem. E não é de surpreender também que o apoio às restrições às armas de fogo tenha diminuído quando outros métodos de combate ao crime --mais policiais, um policiamento melhor e encarceramento em massa-- provocaram uma queda substancial dos índices de criminalidade.

E também não surpreende o fato de episódios chocantes como o de Aurora, no Colorado (ou o da universidade Virginia Tech, em 2007, ou o da escola Columbine, em 1999) não terem revertido essa tendência. Independentemente das suas opiniões quanto ao direito de possuir armas, a maioria dos norte-americanos é suficientemente sensata para perceber que, se as leis de restrição às armas de fogo reduzissem de fato a criminalidade --e as evidências quanto a isso são, na melhor das hipóteses, nebulosas--, elas seriam provavelmente menos efetivas no que se refere a impedir assassinatos em massa perpetrados por indivíduos que, assim como James Holmes com as suas bombas de fabricação caseira, tendem a ser altamente adaptáveis no que se refere à escolha de armas.

Um segundo fator que contribui para o declínio do apoio ao controle de armamentos é a tendência presenciada na nossa politica, que é inerente à vida norte-americana, mas que se tornou particularmente forte após as revoluções da década de 60, de os argumentos baseados nos direitos individuais serem mais convincentes do que os apelos de natureza comunitária.

Essa tendência não é afetada pela divisão entre direita e esquerda. Nós tendemos a associar o controle de armamentos com o liberalismo social, mas as mesmas tendências que estimularam o apoio público ao casamento entre homossexuais e à legalização da maconha também encorajaram uma interpretação mais ampla da Segunda Emenda.

O fato subjacente é o nosso individualismo cada vez maior, e o triunfo do discurso referente aos direitos individuais sobre outras formas de argumentação moral e política. O movimento pelos direitos à posse de armas fala a respeito dos direitos de “cidadãos respeitadores da lei” da mesma forma que o movimento de luta pelos direitos dos homossexuais menciona as liberdades de “adultos que consentem em participar de uma relação”. E, embora esses argumentos atraiam plateias diferentes, eles têm em comum uma mesma premissa bastante norte-americana.

Sob esse aspecto, o debate sobre o controle de armamentos proporciona aos liberais uma oportunidade de experimentar algo que os conservadores muitas vezes sentem: o misto de confusão e alienação derivado da sensação de que, de alguma maneira, eles perderam o controle sobre o país e de que as convicções deles não têm um lugar na evolução do ideal norte-americano.


(Ross Douthat é colunista do “New York Times”)