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Ir ao cinema no dia do aniversário era tradição para jovem morto no massacre do Colorado

Kevin Vaughan

Do "The Denver Post"

27/07/2012 06h00

Para o mundo, Alex Sullivan era um homem corpulento e gentil que morreu em um cinema em seu 27º aniversário.

Para mim e minha família, ele era algo mais --um amigo. Ele era um bebê no meu casamento, o sorridente menino de 3 anos acariciando meu cachorro, o astro do hóquei de 10 anos batendo nas minhas canelas quando jogávamos na rua, o adolescente educado, o recém-casado cujo abraço tirava meu fôlego.

Há um distanciamento frio que vem de ser um jornalista. Nós entramos nos mundos dos outros e esperamos vê-los em momentos em que baixam a guarda, momentos que dão ressonância às nossas histórias. Nós passamos a nos importar com as pessoas sobre as quais escrevemos --eu permaneço em contato regular com várias das famílias que perderam filhos em Columbine--, mas ainda há um muro entre nós, pois somos meros observadores. Esse muro ruiu na manhã de sexta-feira.

Toda foto é uma lembrança. As fotos de Alex --como bebê em uma cadeirinha de carro, como o irmão mais velho em uma represa, como adolescente nos Jogos Olímpicos-- falam como em um divã. “Cada foto tem uma história por trás dela”, diz Megan Sullivan, a irmã mais nova de Alex, enquanto olha para elas. Ela e o pai de Alex, Tom Sullivan, estão contando algumas dessas histórias.

Há a foto tirada em 20 de julho de 1991 --o 6º aniversário de Alex. Na imagem, há um bolo, velas e grandes sorrisos em Tom, Alex e Megan e uma faixa de “Feliz Aniversário” feita à mão na parede atrás deles. Ela foi tirada no dia em que Tom e sua mulher, Terry, iniciaram uma tradição com Alex --levá-lo ao cinema em seu aniversário. Eles assistiram “Rocketeer” naquele dia --e tantos anos depois, não mais importa que quando foram ao Pizza Hut depois do filme o lanche infantil especial com copos exibindo imagens do filme tinha esgotado.

É o primeiro filme que Megan recorda de ter assistido em um cinema. “Muitas das minhas lembranças ao crescer são de estarmos nos divertindo juntos, brincando e subindo em árvores, e eu estava lá com ele em tudo”, ela diz.

Há uma foto de Alex e Megan na represa Aurora em um dia ensolarado --uma das fotos favoritas dela dos dois juntos-- com seus rostos congelados em deslumbramento infantil. E outra deles se abraçando já adultos. Há uma foto de Tom e Alex no uniforme do time amado deles, o New York Mets --com cartazes de beisebol caseiros na parede.

Foi a resposta deles ao Dia dos Broncos na escola de Alex. “Eu disse, ‘Alex, eles têm um Dia dos Mets?’” lembra Tom. “E ele olhou para mim e disse: ‘Eu acho que não, pai’. E eu disse: ‘Ora, então daqui em diante, nós teremos um Dia dos Mets!’”

Enquanto Tom e Megan falam, eles riem das coisas bobas, como da vez em que Alex atravessou uma porta com a cabeça durante uma briga com sua irmã --estrago que os dois conspiraram para esconder com um pôster (Terry descobriu imediatamente). Ou as inúmeras vezes que Alex aparecia bebendo um copo gigante de café do Starbucks (Megan trabalhava no Caribou Coffee).

E eles expressam orgulho de tudo o que Alex era. Um marido cujo amor por sua esposa, Cassie, era óbvio e que parecia natural no casamento. Um pacificador que dizia para Tom se acalmar quando se exaltava. Um fã de quadrinhos e cinema que fazia amigos em toda parte e podia citar “Clube dos Pilantras” da primeira cena até os créditos finais. Um irmão que telefonava para sua irmã e a fazia ganhar o dia toda vez que se encontravam. “Ele me dava um grande abraço”, ela diz, “e, eu não sei, simplesmente fazia tudo ficar melhor”.

Amigos desde a faculdade

Eu era um calouro na faculdade quando conheci Tom Sullivan. Nós dois estudamos jornalismo. Ele era alguns poucos anos mais velho; eu era recém-saído do colégio. Ele vinha do interior de Nova York; eu era da Costa Oeste.

Mas alguma coisa clicou. A conversa se transformou em café e almoço, e quando chegou o Natal, ele e Terry passaram a ser uma presença regular na minha vida.

Nos últimos 30 anos, a amizade deles cresceu por meio de churrascos e jogos de beisebol, festas do dia das bruxas e formaturas de colégio. Houve até mesmo um encontro casual nas Olimpíadas de Inverno de Salt Lake City, em 2002.

“Alex foi baleado”

Às 3h da manhã de sexta-feira, Tom estava acordado, se preparando para seu turno nos Correios. Ele clicou o noticiário e viu as primeiras reportagens do massacre no cinema --e ele sabia que Alex planejava assistir ao novo filme do Batman. Mas, assim que viu uma imagem do Century Aurora 16, ele teve uma sensação de alívio. Aquele não era o cinema ao qual Alex costumava ir.

Após chegar ao trabalho, Tom tentou várias vezes entrar em contato com Alex, apenas para se certificar, mas suas chamadas caiam direto na caixa postal. Então, por volta das 6h30, Terry ligou, desesperada. “Tom, Tom, Alex foi baleado”, ela disse.

A ligação caiu. Um momento depois, eles conseguiram falar de novo, e as horas que se seguiram na Gateway High School foram um turbilhão para Tom e Terry, Megan e Cassie, e para os amigos que se juntaram a eles. Houve uma busca agonizante, infrutífera, pelos hospitais.

Às 10h da manhã, Tom se resignou com a ideia de que Alex tinha partido. Passaram-se dez horas até as autoridades confirmarem isso, mas, enquanto esperavam, desesperados por notícias, eles contavam histórias de Alex. “Pode soar difícil de acreditar, mas nós já ríamos na sexta-feira, na Gateway High School”, diz Tom.

Essa celebração prosseguiu nos dias de entorpecimento desde então. Como a história do dia em que Alex, ainda menino, ganhou US$ 40 no bilhete de raspadinha presente em sua meia de Natal. Ele ainda nem estava na escola, mas suspeitava que os US$ 2 que Tom lhe dera para uma guloseima e refrigerante eram uma ninharia. “Pai”, ele protestou, “cadê os 40?”

Nos últimos dias, a família viu uma enxurrada degentileza demonstrada por amigos e estranhos, sem distinção --uma enorme cesta de frutas da loja de cookies onde Alex trabalhou por três semanas na adolescência, os amigos de todas as fases de sua vida que passaram por sua casa em Aurora, a chamada do cassino Arizona Charlie’s em Las Vegas, que nos últimos anos era parada anual de Tom durante o passeio de dia dois, só de rapazes,do Super Bowl --uma viagem que passou a incluir Alex desde que ele fez21 anos.

“Nós vamos continuar fazendo isso”, diz Tom. “Nós vamos falar sobre o Alex para sempre. Não há motivo para parar --e é assim que será (...) Quando eu ouvir uma nova história, será como uma nova aventura. Eu me encontrarei de novo com ele naquele dia.”

Completamente feliz

Minha esposa e eu vimos Alex pela última vez em seu casamento há um ano. Ele tinha apenas duas semanas de idade em nosso casamento; agora ele era um homem adulto, cujo amor por sua esposa era contagioso. Durante a recepção, ele parou para nos visitar, fazendo com que nos sentíssemos como se fôssemos responsáveis por tornar o evento especial, agradecendo nossa presença.

“Bem”, eu brinquei, “eu achei que como você foi ao nosso casamento, nós precisávamos vir ao seu”. Alex riu.

Mas minha principal lembrança não será minha tentativa boba de humor. Será o abraço de urso que nos deixava com dificuldade de respirar por um instante. Será o sorriso no rosto dele --o sorriso que deixava claro que ele estava profundamente apaixonado. E completamente feliz com sua vida.