Revisor muda voto na véspera, segue relator e condena ex-diretor do BB por 3º crime
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão, endossou o voto do relator Joaquim Barbosa e votou pela condenação do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por corrupção passiva, peculato (uso de cargo público para desvio de recursos) e lavagem de dinheiro, em sessão no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (22).
Pizzolato era diretor de marketing do Banco do Brasil na época do suposto esquema, além de sindicalista e petista desde a década de 80. Ele é acusado de ter recebido R$ 326,6 mil a título de propina de Marcos Valério, apontado como o operador do mensalão. Ele também é acusado de ter antecipado, ilegalmente, pagamentos a uma das agências do empresário. Ainda segundo a Procuradoria Geral da República, a agência de Valério teria se apropriado ilegalmente de R$ 2,9 milhões durante a execução do contrato com o Banco do Brasil usando o chamado "bônus de volume" (prêmio de incentivo pago por veículos de comunicação a agências de publicidade para estimular a propaganda), com anuência de Pizzolato.
Lewandowski, que mais cedo já havia votado pela condenação de Pizzolato por corrupção passiva e por peculato, decidiu votar pela condenação do réu por um segundo peculato. Segundo o ministro, até ontem à noite ele não iria condená-lo pela segunda acusação, mas mudou de opinião ao reexaminar os autos após o voto do relator. "Vou dar uma guinada de 180º e votar pela condenação [do segundo peculato]", disse. "Estava convencido até ontem à noite. Veja como é importante examinar as provas."
No seu voto, Lewandowski dava a entender que absolveria o réu, ao aparentemente concordar com a tese da defesa de que o bônus de volume é uma premiação que deve ficar com a agência, e não com a contratante --no caso, o Banco do Brasil. O revisor afirmou que decidiu mudar seu voto ao perceber que a DNA propaganda "extrapolou" o bônus de volume, ao receber recursos de uma empresa não caracterizada como veículo de comunicação.
"A DNA Propaganda desvirtuou a natureza do citado plano de incentivo ao emitir inúmeras notas fiscais a título de bônus de incentivo para empresas que não são veículo de comunicação", disse o ministro.
Segundo os laudos, apenas a quantia de R$ 419 mil se refere à comissão paga pelos veículos de comunicação. O ministro alega, então, que cerca de R$ 2,5 milhões, portanto, deveriam ter sido repassados ao anunciante, que era o Banco do Brasil --de acordo com contrato firmado entre as partes.
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O revisor cita o caso de um serviço feito por uma gráfica que confecionou agendas a pedido da agência, mas foi computado na nota fiscal como sendo bônus de volume. Segundo o ministro, a agência recebeu, então, pela mesma nota, "uma comissão que é natural pelo serviço de uma gráfica, mas sobre esta mesma nota lançou um valor que chamou de bônus de volume."
Para o advogado criminalista e professor da Escola de Direito do Brasil Gustavo Neves Forte, que acompanha na redação do UOL o julgamento do mensalão desta quarta-feira (22), o voto do revisor se mostra independente em relação ao do relator. “Se dizia muito que ele seria um contraponto a Joaquim Barbosa, mas ele mostrou que essa previsão não está absolutamente certa. Lewandowski mostrou que sua decisão é independente, já que ele usou argumentos diferentes ao apresentar seu voto”, avalia.
Corrupção passiva
Lewandowski apresentou o que considera inconsistências na defesa e em depoimentos de Pizzolato à Justiça. Segundo o ministro, o objetivo do pagamento ilícito de R$ 326,6 mil a Pizzolato era a autorização de antecipação do pagamento à agência DNA referente a um contrato firmado com o Banco do Brasil no valor de R$ 73,85 milhões.
"Apesar de ter negado o recebimento de R$ 326,6 mil, afirmando que não tinha conhecimento do numerário, trazido do Banco Rural por um funcionário da Previ, e que havia feito apenas um 'favor' ao corréu Marcos Valério, a verdade é que a sua versão não condiz com as provas constantes nos autos", afirmou Lewandowski.
O ministro cita depoimento de Pizzolato à Justiça sobre o pedido que a secretária de Marcos Valério teria feito a ele para pegar um embrulho, onde estava o montante.
Lewandowski afirma que, segundo o depoimento de Pizzolato, ele próprio pediu a um contínuo (office-boy) da Previ --órgão do Banco do Brasil no qual Pizzolato presidia o conselho deliberativo-- para que buscasse documentos em um prédio no centro do Rio de Janeiro.
Segundo Pizzolato, os volumes vieram em dois envelopes pardos, dobrados em forma de pacote, mas ele não abriu. Depois, uma pessoa do PT apareceu em seu prédio para buscar os documentos. "Eu fiz uma gentileza, ninguém me informou o que era", disse Pizzolato, dizendo que não sabia para quem entregou o envelope.
A defesa de Pizzolato alega que ele não tinha conhecimento do conteúdo do envelope que recebeu, que foi trazido do Banco Rural. "Essa narrativa mostra as inconsistências da defesa", diz Lewandowski.
Uma das inconsistências, segundo o ministro é que, no documento de recibo do Banco Rural, já constava o nome e o número do RG do contínuo que Pizzolato disse que enviara de última hora para retirar os envelopes no banco. O magistrado afirma que, portanto, o nome da pessoa que retiraria os envelopes no banco no Rio de Janeiro foi enviado com antecedência pela agência em Minas Gerais.
Lewandowski ressalta ainda que documentos prestados em juízo tiveram a data falsificada para "compatibilizar" com os depoimentos de Pizzolato e do office-boy que retirou os envelopes. Segundo o ministro, as evidências são suficientes para concluir que a "dita encomenda" estava preparada e tinha destino certo.
O ministro ainda acrescentou que a tese de corrupção foi reforçada após auditorias internas do Banco do Brasil e, posteriormente, da Polícia Federal, terem concluído que o adiantamento liberado por Pizzolato ao grupo de Valério era ilegal.
Em sua defesa, apresentada no último dia 9, o advogado de Pizzolato disse que seu cliente não sabia nada a respeito do conteúdo dos envelopes e afirmou que os repasses a Valério eram legais, classificando a denúncia como "ilusionismo".
Procurado pela reportagem do UOL durante o intervalo da sessão, o advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato, que defende Pizzolato, disse que as decisões de seu cliente não eram tomadas de maneira solitária. "Espero que os outros ministros façam uma análise mais geral, principalmente da relação do poder do sistema diretivo. No Banco do Brasil, as decisões são colegiadas. Ele [Pizzolato] nunca assinou sozinho. E os planos foram aprovados. Atribuir uma responsabilidade a um único diretor cuja decisão é colegiada é desmerecer a estrutura que o Banco do Brasil tem. Se a decisão é colegiada, todos devem ser responsabilizados. O problema é que eles deveriam, se fosse o caso, estar aqui nestes autos", disse ele, referindo-se a mais três diretores do BB.
Outro peculato
Segundo o ministro, Pizzolato recebeu os R$ 326,6 mil para que autorizasse antecipações de pagamento à agência DNA referente a um contrato firmado com o Banco do Brasil no valor de R$ 73,85 milhões. O magistrado disse que essas antecipações foram consideradas irregulares.
Segundo a denúncia da Procuradoria Geral da República, ao menos três notas fiscais da agência de Marcos Valério foram falsificadas para justificar as antecipações.
Uma das antecipações à DNA Propaganda, autorizada por Pizzolato e o ex-ministro Luiz Gushiken, foi no valor de R$ 23 milhões, quando o contrato com a agência foi prorrogado.
O dinheiro foi antecipado pelo Fundo Visanet, do qual o Banco do Brasil é o acionário, sem que houvesse comprovação de que os serviços tivessem sido prestados e com notas inidôneas. Lewandowski afirma que Pizzolato feriu o regimento do Fundo Visanet, que não permitia que fossem feitos pagamentos adiantados.
A defesa de Pizzolato argumenta que o Fundo Visanet é composto por recursos privados e que, portanto, não houve desvio de dinheiro público. Outro argumento usado pela defesa é que as antecipações só podiam ser liberadas por decisão de um comitê gestor e não unicamente por Pizzolato.
Com relação ao crime de peculato, o revisor destacou o fato de Pizzolato ter assinado três das quatro “antecipações delituosas” do contrato da empresa DNA Propaganda com o Banco do Brasil.
Para Lewandowski, a natureza dos recursos não é determinante para o crime de peculato. "Como visto, a defesa trouxe à baila a discussão sobre a natureza jurídica da Visanet [se o dinheiro era público ou privado], mas que se mostra irrelevante. A elementar do crime de peculato é a condição que o sujeito ativo seja funcionário público, mostrando-se irrelevante a natureza do bem imóvel", afirmou.
O magistrado afirmou que os recursos do Visanet são de interesse do Banco do Brasil, um dos seus acionistas, e que estes saíram dos cofres do próprio banco.
Para o magistrado, ficou evidenciado que Pizzolato autorizou que fossem feitas quatro antecipações para a DNA nos valores de cerca de R$ 23 milhões, R$ 6 milhões, R$ 35 milhões e R$ 9 milhões.
As antecipações foram decididas em instância que não teria alçada para tal, segundo o ministro. "As notas técnicas foram autorizadas pela diretoria de marketing e não faz referência de normativo que amparasse a decisão."
Lewandowski citou auditoria interna do banco que mostrou que em 33 ações analisadas foi constatada a ausência total de nota fiscal e em 20 constatou-se apenas a presença de documentação parcial.
Segundo Lewandowski, não havia sistemática prévia para a autorização do pagamento de antecipações, que ocorria por carta, e-mail ou telefone, o que mostra "a total balbúrdia que reinava nesse setor."
Segundo o revisor, as irregularidades no marketing do Banco do Brasil foram corroboradas por laudo da Polícia Federal. "As irregularidades, a meu ver, assumem contornos de crime", disse Lewandowski.
O ministro citou depoimento da gerente de mídia do banco que notou que as antecipações dos pagamentos haviam sido realizadas em função de um serviço inexistente e que depois ela ficou sabendo por um diretor da DNA que o serviço nunca seria prestado.
Lavagem de dinheiro
Henrique Pizzolato também foi considerado culpado pelo crime de lavagem de dinheiro. Para Lewandowski, o ex-diretor do Banco do Brasil tinha a "nítida intenção de dissimular a origem do dinheiro. […] O modo pelo qual foi efetuado o saque que beneficiou Pizzolato permite que se conclua pelo delito de branqueamento de capitais”, sustentou.
Assim como nos outros crimes, o revisor acompanhou o relator, Joaquim Barbosa, que alegou que o crime de lavagem ocorreu quando Pizzolato recebeu a quantia de R$ 326 mil de Marcos Valério.
Barbosa argumentou que o pagamento foi feito pela DNA Propaganda, e que o dinheiro foi sacado em espécie, por um emissário de Pizzolato, na boca do caixa de uma agência do Banco Rural. Segundo Lewandowski, “o saque em dinheiro de quantia tão elevada, efetuado diretamente em agência bancária, leva à conclusão de crime de lavagem de dinheiro”.
Análise
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Voto do relator
Na última sessão sobre a ação penal 470, realizada na segunda-feira (20), Joaquim Barbosa concluiu a apresentação de seu voto referente a um dos oito itens analisados. O voto, chamado de “fatiado”, segue o formato de capítulos usado na denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República. Cada capítulo contém blocos de crimes referentes aos 37 réus do caso.
Lewandowski anunciou que seguiria o voto fatiado e começou seu voto acerca das condutas dos réus Henrique Pizzolato, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz (ex-sócios de Valério), todos já condenados por Barbosa por corrupção e peculato.
O relator votou pela condenação do deputado federal e candidato à Prefeitura de Osasco (SP) João Paulo Cunha (PT) pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Barbosa também votou pela condenação de Valério e seus ex-sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, pelos crimes de corrupção ativa e peculato.
O relator pediu depois a condenação de Henrique Pizzolato pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ministro também voltou a pedir a condenação de Valério, Paz e Hollerbach pelos crimes de peculato e corrupção ativa.
Com o voto "fatiado" –que já foi adotado em outros julgamentos, portanto, não é inédito–, depois que Barbosa der seu voto para determinadas pessoas e grupos, votará o revisor e, em seguida, cada um dos ministros, até esgotar o capítulo.
Depois de Lewandowski, os votos serão lidos de acordo com a ordem crescente da entrada dos ministros na Suprema Corte, da seguinte forma: Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto –que, como presidente do STF, é sempre o último a votar.
Os ministros não têm limite de tempo para falar, sendo assim, não há previsão para o fim do julgamento, que é o maior da história do Supremo.
Uma das principais dúvidas é se o ministro Cezar Peluso, que se aposenta compulsoriamente no dia 3 de setembro, ao completar 70 anos, vai conseguir apresentar seu voto integral sobre todos os réus.
Entenda o dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo; com informações da Agência Brasil
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