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De volta para o passado? Conservadorismo pautou votações polêmicas no Congresso

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

28/12/2015 06h00

Redução da maioridade penal, lei antiterror, estatuto da família, terceirização trabalhista... Muitos projetos polêmicos e questionados por entidades civis ligadas a direitos humanos e trabalhistas avançaram no Congresso em 2015 e devem chegar a votações finais no próximo ano. Eles marcam uma onda de conservadorismo que tomou conta do Congresso na atual legislatura.

O UOL listou ao menos dez projetos que tiveram votações este ano e foram alvo de críticas. Para especialistas ouvidos pela reportagem, o ano foi de mais retrocessos desde a redemocratização, o que ameaçaria conquistas dos direitos individuais e coletivos.

Veja dez projetos polêmicos que avançaram em 2015:

Terceirização

Em abril, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que autoriza a terceirização para atividades-fim. O projeto foi desengavetado após 11 anos e agora está no Senado à espera de votação. O texto foi duramente criticado por várias entidades de classe, pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) e pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Para Átila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, nem mesmo o governo militar (1964-1985) avançou com mudanças significativas como as aprovadas neste ano: “A gente está experimentando um ataque organizado à democracia e ao Estado de Direito”.

Trabalho escravo

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento Desenvolvimento Rural da Câmara aprovou, em abril, proposta que muda a definição de trabalho escravo no Brasil. A proposta altera o Código Penal e retira os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” da definição do crime. O projeto vai a plenário.

“A gente corre um risco de um retrocesso, e pior que isso, de um aprofundamento de uma institucionalidade conservadora e retrógrada contra liberdades individuais sem precedentes na história recente”, comentou Átila Roque.

Pena maior para adolescentes

Em julho, o plenário do Senado aprovou projeto do senador José Serra (PSDB-SP) que altera o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e aumenta o tempo de internação de menores infratores que cometem crimes hediondos e homicídio doloso de três para oito anos. O texto segue agora para a apreciação na Câmara dos Deputados. Apesar de a proposta ter sido apoiada pelo governo federal, que viu na ideia um contraponto à redução maioridade penal, as entidades ligadas a direitos humanos e juvenis criticaram a medida e afirmam que ela cria ainda mais exclusão social.

Natália Damázio, da ONG Justiça Global, concorda que o ano foi marcado por retrocessos, especialmente em garantia de direitos juvenis. “Sem sombras de dúvida, retrocedemos muito, principalmente em matéria criminal ou matérias em relação à juventude. Mesmo que não tenham sido aprovados em fase final, é preocupante que esses projetos vão ganhando força”, afirmou.

Redução da maioridade penal

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em agosto, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 nos casos de crimes hediondos – como estupro e latrocínio – e também para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. A proposta prevê que os jovens de 16 e 17 anos cumpram pena em estabelecimento separado. A PEC ainda terá votação do Senado.

Para Natália, a decisão demonstra o perfil de um Congresso extremamente conservador: “Em matéria penal, nosso Congresso tende a ser conservador, acredita no encarceramento como melhor medida --é um norte político do poder público.”

Família é “só” homem e mulher

Em setembro, a Comissão Especial sobre o Estatuto da Família aprovou o parecer do relator Diego Garcia (PHS-PR) sobre o estatuto, que prevê o reconhecimento do conceito de família como sendo exclusivamente a união entre homem e mulher, deixando de fora outros arranjos, como os casais homossexuais. Com isso, ficariam proibidas, por exemplo, adoções de crianças por casais do mesmo sexo ou mulheres e homens separados. O texto seguiu para votação no plenário da Câmara. “Nem a ditadura ousou tanto do ponto de visto legislativo –eles agiam por uma legislação de exceção”, disse Átila Roque, da Anistia Internacional.

Lei antiaborto

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, em outubro, um projeto de lei que dificulta o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro. De autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a proposta condiciona a permissão da retirada do feto à comprovação de um exame de corpo de delito e um comunicado à autoridade policial. O projeto ainda vai a votação no plenário.

Para Roque, apesar de o Congresso ter maioria tida como conservadora, as decisões de 2015 não teriam respaldo das ruas. “Um exemplo foram as grandes manifestações de defesa dos direitos das mulheres, que claramente expressam uma posição diferente daquela que está no Congresso”, pontuou.

Revogação do Estatuto do Desarmamento

Uma comissão especial da Câmara aprovou, em outubro, o texto-base de proposta que revoga o Estatuto do Desarmamento. Ao flexibilizar as regras, entre outras mudanças, o Estatuto de Controle de Arma de Fogo reduz de 25 para 21 anos a idade mínima permitida para quem quiser comprar armas, além de autorizar deputados e senadores a portar o objeto. A proposta ainda será votada em plenário.

“Estamos em um momento em que a sociedade tem se manifestando por diversos parâmetros contra esse retrocesso. Existe um déficit de representação, o que está expresso na posição de debate no Congresso, mas não reflete o sentimento das ruas”, afirmou Átila Roque. O diretor diz acreditar que 2016 será de disputa política para tentar impedir que os projetos que avançaram este ano sejam concluídos com aprovação.

Demarcação de terras indígenas

Sob protesto de índios de todo o país, a comissão especial da PEC 215/2000 aprovou, também em outubro, emenda que dará ao Congresso o poder de decisão final sobre demarcação de terras indígenas, tirando assim o poder da União. O projeto ainda precisa de votação nos plenários da Câmara e do Senado. A questão pode parar no STF (Supremo Tribunal Federal) porque deputados contrários alegam que a PEC fere a separação dos Poderes da União e os direitos dos povos tradicionais.

"A Constituição de 1988 é um marco na garantia dos direitos e na relação do Estado com os povos indígenas, e os ruralistas e evangélicos defendem a PEC 215 para impedir a demarcação dos territórios, colocando em risco a sobrevivência de 305 grupos indígenas no Brasil", disse o filósofo e cientista social Jorge Vieira.

Flagrante provado

Ainda em outubro, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara aprovou acréscimo de uma nova modalidade de flagrante delito: o “flagrante provado”. O projeto de lei que ainda irá a plenário acrescenta a figura jurídica no Código de Processo Penal para permitir a prisão em flagrante pelo reconhecimento do autor por testemunhas, fotos ou vídeos. O texto aprovado diz que a prisão só pode ocorrer "logo após" o crime. Para entidades, o projeto pode gerar ainda mais abusos de autoridade policial.

 "Acredito que é um momento de grande disputa por valores, no qual a sociedade vai ter que tomar decisões importantes: se a lei será garantidora dos direitos da democracia ou se vamos abrir uma brecha perigosíssima das conquistas, que são conquistas recentes, mas muito importantes na construção de um estado democrático", afirmou o diretor da Anistia Internacional, Átila Roque.

Punição a atos terroristas

Em novembro, o Senado aprovou projeto de lei que tipifica o crime de terrorismo no Brasil e estabelece a pena de até 24 anos de prisão em regime fechado. O projeto define como terrorismo atos que atentem contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo, com o objetivo de provocar pânico generalizado. A proposta foi criticada até pela ONU e ainda vai à Câmara.

"Existe um movimento de piora profunda nesse próprio conservadorismo. E existe um nível de autoritarismo hoje que não é comum, diferente do que mapeamos em anos anteriores. Não foi um ano típico em termos de retrocesso", disse Natália Damázio, da Justiça Global.