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Esquema de Temer envolve nomeações, propinas milionárias e fraude, diz MPF

O ex-presidente Michel Temer é conduzido por policiais até o carro em frete à sua residência em São Paulo na manhã de quinta-feira (21) - Reprodução/TV Globo
O ex-presidente Michel Temer é conduzido por policiais até o carro em frete à sua residência em São Paulo na manhã de quinta-feira (21)
Imagem: Reprodução/TV Globo

Sérgio Ramalho

Colaboração para o UOL, no Rio

31/03/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Documentação do Coaf detalha transações milionárias de grupo ligado a Temer
  • Dinheiro ia para empresas do coronel Lima, amigo do ex-presidente
  • MPF: esquema tinha aliados em postos-chave para fechar contratos vultosos
  • Defesa nega que Temer tenha integrado organização criminosa ou praticado crimes

Suspeitas do MPF (Ministério Público Federal) apontam para um bilionário esquema de corrupção chefiado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) que teria operado até o fim de seu governo. Dão base à investigação documentos, delações premiadas e relatórios de inteligência financeira do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontam movimentações bancárias realizadas por empresas e pessoas ligadas à organização criminosa até o fim de 2018.

Nesta sexta (29), a força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro) ofereceu duas denúncias contra Temer e outros investigados pelo esquema de corrupção envolvendo a Eletronuclear e as obras na usina nuclear de Angra 3.

Segundo a defesa de Temer, o ex-presidente "nunca integrou organização criminosa nem praticou outras modalidades de crime, muito menos constitui ameaça à ordem pública". O ex-presidente ficou preso por quatro dias. A defesa dele afirmou que a soltura dele demonstrou que o pedido de prisão preventiva foi "abusivo".

As investigações do MPF e da PF (Polícia Federal) apontam que o esquema capitaneado por Temer mantinha tentáculos nas áreas de infraestrutura (portos e aeroportos) e energia (Eletronuclear). A estratégia consistia na indicação de aliados para cargos de comando em estatais ou empresas de capital misto.

A partir das nomeações, entrava em cena o coronel reformado da Polícia Militar João Baptista Lima Filho, apontado pelo MPF como principal operador de Temer na organização criminosa.

Com aliados em postos chaves, o coronel Lima não tinha dificuldades para fechar contratos vultosos de prestação de serviços em benefício de suas empresas. Na prática, segundo o MPF, esses negócios serviam para encobrir repasse de propinas milionárias à organização criminosa.

25.mar.2019 - Ex-presidente Michel Temer (MDB) sorri enquanto aguarda para deixar a Superintendência da PF no Rio. Ele ficou preso por quatro dias e foi liberado por ordem do TRF-2 - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
25.mar.2019 - Ex-presidente Michel Temer (MDB) sorri enquanto aguarda para deixar a Superintendência da PF no Rio.
Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

Há indícios de que o esquema liderado por Temer existia havia décadas, mas teria se intensificado no período em que o emedebista ocupava a Vice-Presidência no governo de Dilma Rousseff.

Esquema envolveu Eletronuclear

Foi a partir da Operação Radioatividade, o 16º desdobramento da Lava Jato, que as suspeitas ligando o ex-presidente da Eletronuclear [uma subsidiária da Eletrobras], Othon Luiz Pinheiro da Silva à rede de corrupção chefiada pelo ex-presidente Temer vieram à tona. Othon foi um dos presos na ação realizada pela Polícia Federal em julho de 2015. Na ocasião, computadores e smartphones dos suspeitos foram apreendidos.

A análise da troca de mensagens e de telefonemas entre Othon e pessoas vinculadas a Temer revelou que o então vice-presidente teria sido o responsável pela manutenção de Othon na presidência da Eletronuclear. Em troca da indicação, Othon teria que "encaixar" as empresas Engevix e Argeplan, ligadas ao esquema de licitações fraudulentas para obras de Angra 3.

O engenheiro nuclear e almirante Othon Pinheiro havia sido nomeado pela primeira vez à presidência da Eletronuclear ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005.

Com base nas provas reunidas na Operação Radioatividade, Othon Pinheiro foi condenado a 43 anos de prisão pelos crimes de corrupção lavagem de dinheiro, organização criminosa e evasão de divisas. O ex-presidente da Eletronuclear foi preso em outras duas operações da PF, a última delas (Operação Descontaminação) também levou à prisão Temer e o coronel Lima.

O UOL entrou em contato por telefone com o escritório do advogado Fernando Fernandes, que representa Othon Pinheiro, para ouvir sua versão, mas não obteve resposta.

A relação entre o coronel Lima e Ohton é descrita na delação de José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix Engenharia, que passou a integrar um consórcio internacional para a construção de Angra 3. Em depoimentos ao MPF e à PF, o empresário afirma:

Que o coronel Lima possuía ascendência muito forte sobre Othon Pinheiro, que em certa oportunidade o empreendimento precisava de aditivo para se adequar à realidade econômica, mas o contrato não havia sido assinado no tempo devido, o que levou o coronel Lima a dizer que se Othon não resolvesse a questão ele (Lima) faria gestões para retirá-lo da presidência da Eletronuclear, que Othon sabia a quem devia o cargo, referindo-se ao então vice-presidente Michel Temer.

Fraude em licitação internacional

Além de relatos detalhados como o de Sobrinho, a investigação reuniu evidências de que a organização fraudou uma licitação internacional para garantir a vitória do consórcio integrado pelas empresas Argeplan Arquitetura, AF Consult Internacional e Engevix para a execução do contrato de engenharia eletromecânica 1 da Usina Angra 3, no Rio de Janeiro.

Foi um negócio de R$ 163 milhões, que acabou anulado devido às investigações. Segundo a ação cautelar elaborada pelo MPF, ao menos sete empresas integravam a rede criada pela organização criminosa com a finalidade de dissimular a origem ilícita do dinheiro desviado.

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Cifras incompatíveis

As movimentações nas contas do coronel Lima e de sua mulher, Maria Rita Fratezi, bem como em contas das empresas em que eles detêm sociedade, chegaram a cifras consideradas incompatíveis com a realidade financeira das empresas. De acordo com o Coaf, a PDA Projeto, empresa aberta com capital social de R$ 500 e sem funcionários, movimentou R$ 26 milhões em apenas seis anos, entre 2009 e 2015.

O coronel Lima sempre negou as acusações. Recentemente, no episódio da prisão do ex-policial, o advogado Maurício Silva Leite, defensor de Lima, declarou estar "perplexo" com a detenção. Lima foi liberado, assim como o ex-presidente Temer, após decisão judicial.

Entre outubro de 2012 e junho de 2016, a AF Consult do Brasil, que tem entre os sócios a Argeplan Arquitetura e Engenharia Ltda., remeteu R$ 2,2 milhões de sua conta no Kirton Bank S/A para as contas da Argeplan, e outros R$ 502 mil para as contas de Carlos Alberto Costa Filho, sócio-administrador da empresa.

Em apenas um dia (29/05/2015) foi feita uma transferência de R$ 900 mil da conta da AF Consult do Brasil para a Argeplan.

Outra empresa que tem o coronel como sócio é a PDA Administração e Participação Ltda, que chegou a manter aplicações na ordem de R$ 10 milhões.

Na rede de empresas usadas no esquema figura ainda a Dot GS Digitação SS Ltda-Me, cujo capital social é de R$ 1 mil. Ela tem como sócio Carlos Alberto Costa Filho, que também é sócio do coronel Lima na Argeplan. A Dot GS movimentou R$ 2 milhões, segundo o Coaf. Carlos Alberto foi um dos presos na Operação Descontaminação. Em depoimento à PF, ele negou envolvimento nos crimes atribuídos pelo MPF.

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MPF vê esquema de empresas de fachada

De acordo com os procuradores, as análises das movimentações financeiras revelam um intrincado esquema envolvendo empresas de fachada, emissão de notas falsas e fraudes para encobrir as altas somas movimentadas nas contas de sócios e das empresas listadas na investigação.

Um dos relatórios do Coaf cita ainda a empresa Alumi Publicidades Ltda como integrante da rede de lavagem de dinheiro do ex-presidente Temer -- um esquema que movimentou R$ 1,8 bilhão, segundo a força-tarefa da Lava Jato.

A reportagem procurou, por telefone e email, as empresas Engevix Engenharia, Argeplan Arquitetura, AF Consult do Brasil, AF Consult Internacional, PDA Projetos, PDA Administração, Alumi Publicidades, Concrejato Serviços Técnicos e Dot GS para comentarem as acusações do MPF.

A Engevix, que tem como sócio o delator José Antunes Sobrinho, informou que vem colaborando com as investigações. Argeplan, PDA Projetos, PDA Administração, que têm entre os sócios o coronel Lima, também afirmaram que seus representantes estão colaborando com a Justiça. AF Consult do Brasil e AF Internacional não responderam aos emails.

O representante da Alumi Publicidades afirma estar colaborando nas investigações. Em meio às investigações, representantes das empresas AF Consult Internacional E AF Consult do Brasil negaram em depoimentos irregularidades na concorrência para a construção de Angra 3 e nas transações financeiras sob escrutínio do MPF e da Polícia Federal.

Óculos, boné e R$ 20 milhões em dinheiro

Um dos relatórios do Coaf revela ainda que em 23 de outubro passado uma pessoa tentou depositar o "impressionante valor de R$ 20 milhões em espécie" na conta da Argeplan Arquitetura e Engenharia Ltda, cujo sócio é o coronel João Batista Lima Filho.

A transação financeira só não foi concretizada porque o gerente da agência do Santander, na Vila Madalena, em São Paulo, exigiu a identificação do depositante e a origem do dinheiro. Para a surpresa do funcionário, o portador da quantia levantou-se e foi embora carregando a fortuna.

A PF tentou localizar o autor do pedido de depósito, sem sucesso.