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Governo de SP atribui ataques a Uip a ação coordenada do 'gabinete do ódio'

David Uip, sobre cobrança de Bolsonaro: "Tomarei as providências legais adequadas para a invasão da minha privacidade" - MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO
David Uip, sobre cobrança de Bolsonaro: "Tomarei as providências legais adequadas para a invasão da minha privacidade" Imagem: MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

09/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Atacado por apoiadores do presidente desde segunda-feira, o infectologista David Uip viu uso político sobre a doença que teve
  • Monitoramento do governo de São Paulo aponta uma ação coordenada pelo "gabinete do ódio" contra o médico
  • Uip cobrou respeito por parte de Bolsonaro e alegou que não é obrigado a revelar que medicamentos usou no tratamento

A cobrança pública de Jair Bolsonaro (sem partido) sobre David Uip, para que ele revele se tomou ou não o medicamento cloroquina para se curar da covid-19, irritou o infectologista. Aliado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o médico acredita que houve invasão de privacidade por parte do presidente e uso político da doença que teve.

A contrariedade de Uip, que é coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, aumentou porque rastreamento realizado pelo governo estadual apontou uma ofensiva coordenada nas redes sociais, disparada a partir de segunda-feira à noite.

As postagens partiram de perfis de direita e incluíram xingamentos e memes depreciativos. Por isso, membros do governo de São Paulo atribuíram as hostilidades ao "gabinete do ódio" — nome dado pela oposição à unidade que trabalha, na estrutura do Palácio do Planalto, para atacar opositores de Jair Bolsonaro, mas que, para aliados do governo federal, é apenas um departamento de divulgação digital e redes sociais da Secretaria de Comunicação da Presidência.

"Lamento que, enquanto a maioria dos brasileiros foi solidária à minha saúde e vida, alguns poucos se preocupam com meu tratamento pessoal, que não tem nenhum valor", disse o infectologista, referência na sua área de atuação.

Na tarde de terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro publicou um post no Twitter questionando Uip. O General Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete da Segurança Institucional), repetiu o gesto. O infectologista não revelou que medicamentos ingeriu para combater o novo coronavírus.

Ontem à noite, durante pronunciamento em rede nacional de televisão e rádio, Jair Bolsonaro elogiou o médico Roberto Kalil, por ter revelado o uso da cloroquina durante o tratamento contra a covid-19.

"Cumprimentei-o pela honestidade e pelo compromisso com o juramento de Hipócrates ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos", elogiou o presidente.

Uip: "Tomarei as providências legais adequadas"

Uip apresentou sintomas da covid-19 em 22 de março, e um teste no dia seguinte confirmou a contaminação. Ele ficou afastado do trabalho até a última segunda-feira, quando retornou curado.

Pesa nesse cenário o fato de Uip trabalhar com Doria, um dos principais opositores de Bolsonaro no enfrentamento à crise do novo coronavírus. Foi por esse motivo que o infectologista começou sua fala, na entrevista coletiva de ontem, pedindo respeito por parte de Bolsonaro.

"Presidente, eu respeitei o seu direito de não revelar seu diagnóstico. Respeite o direito de eu não revelar o meu tratamento. A minha privacidade foi invadida. A privacidade da minha clínica foi invadida. Tomarei as providências legais adequadas para a invasão da minha privacidade e dos meus pacientes", declarou.

Uip - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
O tom do discurso foi acertado com o governador de São Paulo. Todos os dias, antes da coletiva, é realizada uma reunião de preparação dos representantes do governo, e a cobrança em torno do uso da cloroquina ocupou parte desse encontro no dia de ontem.

A dupla alinhou discursos, e Doria abriu seu pronunciamento mencionando o chamado "gabinete do ódio" — grupo formado por assessores ligados a Carlos Bolsonaro, filho do mandatário e vereador pelo PSC no Rio de Janeiro.

Outra situação que alimentou as discussões nas redes sociais foi a imagem de uma receita (foto), pela qual Uip teria recomendado cloroquina a ele mesmo.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, o infectologista admitiu a existência da receita, mas não explicou se tomou o medicamento ou se houve manipulação da imagem. A assessoria do médico informou que uma nota sobre o assunto seria divulgada, mas isso não ocorreu.