Obama e Romney ignoram temas como o desastre ambiental e a ameaça de uma guerra nuclear
Com o espetáculo da eleição presidencial quadrienal atingindo o seu ápice, é útil perguntar como as duas campanhas eleitorais estão lidando com as questões mais cruciais que temos enfrentado. A resposta é simples: elas lidam mal com esses temas – ou não lidam com eles de jeito nenhum. Sendo assim, algumas questões importantes emergem: por que e o que podemos fazer a respeito disso?
Há duas questões muitíssimo significativas no momento, uma vez que o destino da espécie está em jogo: o desastre ambiental e a iminência de uma guerra nuclear.
A primeira questão tem aparecido regularmente nas primeiras páginas dos jornais. Em 19 de setembro passado, por exemplo, Justin Gillis informou no "New York Times" que o derretimento do gelo do Mar Ártico havia se encerrado este ano, "mas não antes de bater seu recorde anterior – e de disparar novos alarmes em relação ao ritmo acelerado das mudanças que estão ocorrendo na região".
O derretimento está muito mais rápido do previam os sofisticados modelos de computador e o mais recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o aquecimento global. Novos dados indicam que o gelo de verão no Ártico poderá desaparecer até 2020, o que trará graves consequências. Estimativas anteriores calculavam que o gelo de verão desapareceria apenas em 2050.
Eleições 2012 nos EUA
"Mas os governos não responderam a essas mudanças com mais urgência do que aquela empregada para reduzir as emissões de efeito estufa", escreve Gillis. "Ao contrário, sua reação principal tem sido planejar a exploração de minérios que recentemente se tornaram acessíveis no Ártico, incluindo a realização de perfurações para encontrar mais petróleo" – ou seja, para acelerar a catástrofe.
Essa reação demonstra uma vontade extraordinária de sacrificar as vidas de nossos filhos e netos para obter ganhos de curto prazo. Ou, talvez, uma vontade igualmente notável para fechar os olhos e não ver o perigo iminente.
E isso não é tudo. Um novo estudo do Monitor de Vulnerabilidade Climática descobriu que "as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global estão provocando a desaceleração da produção econômica mundial em 1,6% ao ano, e provocarão a duplicação dos custos nas próximas duas décadas". O estudo foi amplamente divulgado em vários países, mas os norte-americanos foram poupados dessa notícia perturbadora.
As plataformas políticas oficiais de democratas e republicanos relacionadas às questões climáticas foram analisadas na edição de 14 de setembro da revista "Science". Em um raro exemplo de bipartidarismo, ambos os partidos exigem que tornemos esse problema ainda pior.
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Em 2008, as plataformas de ambos os partidos dedicaram alguma atenção à forma como o governo dos Estados Unidos deveria lidar com a questão das mudanças climáticas. Hoje, essa questão quase desapareceu da plataforma republicana – que, no entanto, exige que o Congresso norte-americano "aja rapidamente" para evitar que a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos – criada pelo ex-presidente republicano Richard Nixon em uma época de maior sanidade mental – fixe uma regulamentação para os gases do efeito estufa. E nós temos de liberar o refúgio ártico do Alasca às perfurações com a intenção de "aproveitar todos os recursos concedidos por Deus aos norte-americanos". Afinal, nós não podemos desobedecer ao Senhor.
A plataforma republicana também afirma que "temos de restaurar a integridade científica de nossas instituições públicas de pesquisa e eliminar os incentivos políticos das pesquisas financiadas pelo governo" – por “pesquisas financiadas pelo governo” entenda-se ciência do clima.
O candidato republicano Mitt Romney, na tentativa de escapar do estigma sobre o que ele havia compreendido, há alguns anos, a respeito das mudanças climáticas, declarou que não há consenso científico a respeito do tema, de modo que deveríamos apoiar a realização de mais debates e investigações – mas não a adoção de nenhuma medida, a não ser aquelas que agravarão ainda mais o problema.
Os democratas mencionaram em sua plataforma que há um problema, e recomendaram que devemos trabalhar "em uníssono com outras potências emergentes no sentido de fechar um acordo para definir os limites das emissões". Mas isso é tudo.
O presidente Barack Obama tem enfatizado que devemos ganhar 100 anos de independência energética por meio da exploração do “fracking”* e de outras novas tecnologias – sem perguntar como o mundo ficará depois de um século da adoção de tais práticas.
Portanto, há diferenças entre os dois partidos: a diferença reside no nível de entusiasmo com que os lemingues devem marchar em direção ao penhasco.
A segunda grande questão, a guerra nuclear, também está nas primeiras páginas dos jornais todos os dias, mas de uma forma que surpreenderia um marciano que observasse as coisas estranhas que se passam na Terra.
Ao contrário do Irã, Israel se recusa a permitir inspeções em suas instalações nucleares e a assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. O país tem centenas de armas nucleares e sistemas de distribuição avançados, além de um longo histórico de violência, agressões e ilegalidades graças ao incansável apoio norte-americano. Se o Irã está tentando desenvolver armas nucleares, a inteligência dos Estados Unidos não está sabendo.
Novamente, a ameaça atual é o Oriente Médio, especificamente o Irã – isto é, pelo menos de acordo com o Ocidente. No Oriente Médio, os EUA e Israel são considerados ameaças muito maiores.
Em seu último relatório, a Agência Internacional de Energia Atômica diz que não pode demonstrar "a ausência de material nuclear não declarado e atividades nucleares no Irã" – uma forma indireta de condenar o Irã, como exigem os EUA, embora admitindo que a agência não é capaz de acrescentar nada às conclusões dos órgãos de inteligência dos EUA.
Portanto, o Irã não deve ter o direito de enriquecer urânio, que é garantido pelo Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e respaldado pela maior parte dos países, incluindo os países não-alinhados, que acabaram de se reunir em Teerã.
A possibilidade de o Irã vir a desenvolver armas nucleares surgiu na atual campanha eleitoral dos EUA. (O fato de Israel já possuir armas nucleares não foi citado) Duas posições se contrapõem: será que os EUA deveriam declarar que atacarão o Irã caso o país se torne capaz de desenvolver armas nucleares – armas que dezenas de países já possuem? Ou será que Washington deve deixar esse limite mais indefinido?
Esta última é posição defendida pela Casa Branca; a primeira é defendida pelos falcões israelenses – e aceita pelo Congresso dos EUA. O Senado norte-americano acabou de aprovar, por 90 votos a 1,o apoio à posição israelense.
Ausente do debate está a maneira mais óbvia de mitigar ou acabar com qualquer ameaça que o Irã possa representar: estabelecer uma zona livre de armas nucleares na região. A oportunidade está prontamente disponível: uma conferência internacional se reunirá dentro de alguns meses para levar adiante esse objetivo, apoiado por quase todo o mundo, incluindo a maioria dos israelenses.
O governo de Israel, no entanto, anunciou que não vai participar dessa conferência até que haja um acordo geral de paz na região, que não poderá se fechado enquanto Israel mantiver suas atividades ilegais nos territórios palestinos ocupados. Washington mantém a mesma posição, e insiste que Israel deve ser excluído de qualquer acordo regional.
Nós podemos estar caminhando para uma guerra devastadora, possivelmente até para uma guerra nuclear. Existem maneiras simples de superar essa ameaça, mas elas não serão adotadas a menos que ocorram manifestações públicas em larga escala para exigir que essa oportunidade seja aproveitada. É altamente improvável que isso ocorra enquanto essas questões permanecerem de fora da agenda – e não apenas de fora do circo eleitoral, mas também da mídia e de debates nacionais mais amplos.
Eleições são comandadas pela indústria de relações públicas. Sua tarefa principal é a publicidade comercial, que é produzida para minar os mercados, criando consumidores desinformados que farão escolhas irracionais – exatamente o oposto de como os mercados devem funcionar, mas essa tática certamente é familiar a qualquer um que tenha visto televisão.
É natural que, após se candidatar para comandar as eleições, essa indústria adotaria os mesmos procedimentos em prol dos interesses dos patrões, que certamente não querem ver cidadãos informados fazendo escolhas racionais.
As vítimas, no entanto, não têm de obedecer, em ambos os casos. A passividade pode ser o caminho mais fácil, mas não é o caminho mais honroso.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
Noam Chomsky
Noam Chomsky é um dos mais importantes linguistas do século 20 e escreve sobre questões internacionais.