Amanda Cotrim

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Milei quer mudar idade de punição de adolescentes de 16 para 12 ou 14 anos

O governo Milei prepara uma iniciativa para mudar o regime de punição para os adolescentes. O ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, defende a redução da idade mínima para 14 anos. Já a ministra de Segurança, Patricia Bullrich, chegou a citar em uma diminuição para 12 anos. No Brasil, a idade mínima de punição também é de 12 anos, mas pessoas nessa faixa etária são punidas à luz do Estatuto da Criança e Adolescente, com penas diferentes da dos adultos.

O UOL apurou com fontes do Ministério de Justiça da Argentina que o projeto "está finalizado há uma semana e em processo de revisão junto a outras pastas, como o da Segurança, para que seja incontestável e supere projetos de redução da idade apresentados em anos anteriores", disse a fonte.

A iniciativa de reduzir a idade de punição de adolescentes ganhou força desde que o governo Milei atribuiu o assassinato de um frentista, durante a onda de violência em Rosário, a um adolescente de 15 anos. A Argentina já teve outras propostas de reduzir a idade de punição de adolescentes no passado, sem sucesso. O país considera que uma pessoa entre 13 e 18 anos é adolescente.

Em coletiva de imprensa, no dia 3 de abril, o ministro Libarona criticou a lei de 1980 do país e afirmou que "os garotos de 14 a 16 anos dos anos 1980 (data da lei) não são os mesmos de hoje". Sem apresentar detalhes do projeto, ele afirmou que o mesmo vai priorizar um sistema que penalize os adolescentes "mas que também possibilite sua ressocialização".

Não há dados que justifiquem a redução, diz especialista

Um dos pontos defendidos pelo governo é que os crimes graves, como homicídio doloso cometidos por menores de 16 anos, são crimes de adultos e que, portanto, devem ter penas de adulto. Essa teoria, no entanto, é combatida por especialistas.

Para a advogada, professora e integrante do Centro de Estudos em Política Criminal e Direitos Humanos, Claudia Cesaroni, o governo Milei tenta emplacar um projeto que não tem consistência em dados reais. "É uma ficção. Não há nenhum dado oficial que prove que os crimes graves são cometidos por adolescentes menores de 16", ressaltou. Ela defende que a idade mínima de responsabilidade deve seguir sendo de 16 anos, como recomendam os tratados internacionais de direitos humanos.

A especialista propõe um trabalho de acolhimento e cuidado social e não de descarte. "Não [quer dizer] que o adolescente que comete um assassinato volte para casa, como se nada tivesse acontecido. Mas a abordagem que defendemos em homicídios cometidos por menores de 16 anos — que são a minoria — é uma equipe interdisciplinar, que envolva uma real vontade do Estado de cuidar esse adolescente, e não 'se livrar' dele."

O debate lembra a divisão do Brasil quando o assunto é criminalidade de menores de idade. "Se o governo estivesse interessado em educar as crianças e os adolescentes, que mande-os para a escola, não a um presidio", afirmou Claudia, que é autora de diversos livros sobre o tema.

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Os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informação Criminal, do Ministério da Segurança, são de 2022. Naquele ano, a Argentina registrou 2.431 homicídios dolosos. A maioria dos acusados desses crimes era maior de 18 anos, com mais incidência entre pessoas da faixa etária de 20 a 24 anos, com 339 casos e de 25 a 29 anos com 318 casos. O terceiro grupo etário acusado de homicídio é composto por pessoas de 15 a 19 anos, com 272 registros. Crimes cometidos por adolescentes de 10 a 14 anos são a minoria, com 12 registros.

Dados da Secretaria da Criança e do Adolescente da Unicef (Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância), de 2015) mostram que 7.200 adolescentes cometeram alguma infração. Desse número, 1.300 estavam presos em centros especializados, privados de liberdade, sendo a maioria (43%) com 17 anos e 3,8% eram menores de 16 anos, diz o estudo.

Na Argentina, a idade mínima para que uma pessoa possa ser punida é de 16 anos. No entanto, o adolescente de 16 a 18 anos não será julgado pelo sistema penal dos adultos. Os menores ficam privados de liberdade em centros especializados. Quando um adolescente comete um crime grave, como homicídio doloso, ele segue o cumprimento da pena em um presídio de adulto depois dos 18 anos.

Em comparação com outros países da América Latina, a Argentina tem uma das menores taxas de homicídios da região, com 4,2 para cada 100 mil habitantes. O Brasil tem 22,4 e o México 28, 2.

Pobreza cresce, principalmente entre adolescentes e crianças

A Argentina vive uma crise econômica que se acentuou com o governo de Javier Milei, o qual imprime um ajuste fiscal "dolorido", como o próprio presidente disse inúmeras vezes, referindo-se à necessidade de se alcançar déficit zero, seu maior objetivo.

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Enquanto isso, o país acumula 57% de pobreza, de acordo com dados de janeiro divulgados pela Universidade Católica da Argentina e uma inflação anual de 257%.

A ONU projeta que o investimento destinado à infância na Argentina cairá a 75% em termos reais em 2024 e que a pobreza infantil vai crescer até 70,8%. A pobreza extrema entre crianças e adolescentes, por sua vez, pode subir até 34,4% no primeiro semestre do ano "se as condições gerais não mudarem no país".

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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