Crise econômica aumenta número de pessoas morando no metrô de Buenos Aires
O número de pessoas dormindo nas ruas, metrôs e dentro de caixas eletrônicos de Buenos Aires aumentou 14% entre abril de 2023 e abril de 2024 e cresceu 56% em três anos, de acordo com dados oficiais da prefeitura da capital da Argentina. São mais de 4 mil pessoas vivendo nas ruas da maior cidade do país, muitas delas nas estações do metrô.
De acordo com o levantamento, em 2021 eram 2.573 pessoas em situação de rua em Buenos Aires. Em 2022, subiu para 2.611; em 2023, para 3.511; e, em abril de 2024, para 4.009 pessoas.
Esses dados, no entanto, são questionados por organizações sociais, que afirmam que a quantidade de pessoas em situação de rua na capital portenha é muito maior e passa de oito mil.
Dados do metrô de Buenos Aires divulgados pelo jornal Clarín apontam que pelo menos 1.200 pessoas se refugiaram nos vagões e estações no último mês.
A reportagem percorreu estações da capital e flagrou dezenas de pessoas aglomeradas em vagões e nas entradas das estações da região da avenida Corrientes - uma das principais da cidade - em horários variados.
Nova realidade
Essa realidade, comum nas grandes cidades brasileiras, não era habitual na capital da Argentina. O cenário que começou a mudar desde a pandemia e vem se intensificando, em um contexto de forte ajuste econômico e crise social, com 50% de pobreza e 19% de indigência, segundo o Instituto de Estatísticas e Censo da Argentina.
Além da crise econômica e social, o frio tem lançado a população de rua às estações de metrô e caixas eletrônicos, lugares onde elas estão mais protegidas. As madrugadas em Bueno Aires têm registrado temperaturas negativas desde o começo de julho. Na última semana, quatro pessoas entre 35 e 50 anos morreram por hipotermia, nos bairros de classe média de Recoleta, Almagro e Retiro.
Segundo levantamento do censo de Buenos Aires, o número de pessoas nas ruas tem maior concentração no microcentro, seguido dos bairros de Balvanera e São Cristóvão, Pompeya, Parque Patricios, Barracas, La Boca e Palermo.
O governo portenho informou que criou uma operação especial para que pessoas que estão dormindo nas ruas aceitem voluntariamente irem aos abrigos, conhecidos como Centro de Inclusão Social (CIS), bem como saberem sobre as políticas públicas que podem recorrer por direito.
Em dez anos que moro na Argentina, nunca tivemos um inverno tão severo e a quantidade pessoas nas ruas aumentou muito Carolina Freitas, médica brasileira
A médica brasileira Carolina Freitas, 42, que mora em Buenos Aires há mais de 10 anos, afirma que essa é a primeira vez que percebe a cidade mais empobrecida e insegura. "Em dez anos que moro na Argentina, nunca tivemos um inverno tão severo e a quantidade pessoas nas ruas aumentou muito", considerou a médica. Carolina afirma que o país tem passado por "meses difíceis" devido ao aumento do custo de vida, fim de subsídios sociais, e congelamento de salários.
Críticas ao prefeito
Por meio da Rede de Atenção, a prefeitura de Buenos Aires divulgou que até agosto aumentará em 120% o número de funcionários e vans circulando nas ruas da capital, com o objetivo de levar as pessoas que estão nas ruas aos abrigos. O atendimento é feito por equipes de psicólogos e assistentes sociais.
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Quero receberO prefeito de Buenos Aires, Jorge Macri, primo do ex-presidente argentino Mauricio Macri (2015-2019), gerou indignação há dois meses por lançar um vídeo institucional com um "antes e depois", no qual mostrava orgulhoso a remoção de pessoas nas ruas. A administração chamou na época a operação de "ordem e limpeza". A vídeo mostrava a prefeitura "removendo" as pessoas das ruas. A campanha foi criticada por parte da população por promover uma espécie de 'higienização" na cidade.
Horácio Ávila, do Projeto Sete, que trabalha com a população de rua, considera que algumas pessoas não vão aos abrigos por medo de brigas e de serem roubadas.
"Não sei se dormir no metrô é melhor, mas é o único que há para essas pessoas. Escolhem ficar ali porque a temperatura é muito diferente, está abaixo da terra e não estão expostas ao frio", avaliou Ávila.
O Ministro de Desenvolvimento Humano da cidade de Buenos Aires, Gabriel Mraida, disse ao jornal Clarín que a maioria das pessoas em situação de rua "padece de saúde mental ou atravessa situações de vícios, o que dificulta que elas possam tomar decisões sobre o que é melhor para elas, além de se exporem a riscos".
Não se pode culpar esse governo. A pobreza aumentou por culpa dos outros governantes que não colocaram o dinheiro onde tinham que colocar. Alejandro Ferdeguide, morador de Buenos Aires
Para o portenho Alejandro Ferdeguide, 45, no inverno a população de rua sempre se refugiou em estações do metrô e caixas eletrônicos, mas que esse ano se vê um aumento. Para ele, a responsabilidade é dos governos anteriores que "não investiram". "Não se pode culpar esse governo. A pobreza aumentou por culpa dos outros governantes que não colocaram o dinheiro onde tinham que colocar", considerou.
Um funcionário do metrô de Buenos Aires, que não quis se identificar, disse estar "chocado" com o número de pessoas que estão vivendo nas estações. "Aumento exponencial", contou enquanto fazia um gesto com as mãos mostrando a subida do gráfico. " Me assunto todos os dias", disse.
A crise social e econômica foi herdada pelo governo de Javier Milei, e suas reformas intensificaram a crise, como o próprio presidente previu ao dizer que iria "piorar para depois melhorar". Apesar disso, a popularidade do argentino segue alta, de acordo com pesquisas recentes.
As pessoas que votaram em Milei justificam que os índices de pobreza e desigualdade social é uma espécie de efeito colateral das gestões anteriores. E acreditam que com o tempo a situação vai melhorar.
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