'Na favela, fé não é abstrata': o papel de Francisco nos bairros pobres
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À época em que era padre, Jorge Mario Bergoglio — o papa Francisco — construiu seu sacerdócio juntamente à população das favelas de Buenos Aires. De linha jesuítica, ele ia semanalmente, de transporte público, à favela 21-24, uma das mais vulneráveis da capital portenha, onde celebrava missas e visitava enfermos.
Tamara Noga, moradora do bairro, se recorda de Bergoglio caminhando pelas vielas do bairro. "Ver alguém que chega a um lugar tão importante e que não se encheu de privilégios, foi uma forma de dizer aos favelados e faveladas: 'Sou como vocês'."
Nas favelas de Buenos Aires, em especial na 21-24, tornou-se amigo dos moradores. Flor Florinda, 72, diz ter orgulho de tê-lo conhecido, época em que chegou a cozinhar para ele. Ela é moradora da Villa 15, em Lugano, também zona sul de Buenos Aires.
"Ele foi em casa nos visitar, porque sempre estive muito doente e, graças às suas orações, fui melhorando. Até que teve um dia que cozinhei para o papa. Estava eu e meu esposo, e fizemos frango assado. Foi um dia de festa e muita alegria para mim. Ele comeu tudo e disse que tinha sido um dos melhores frangos que comeu na vida'', relembra, enquanto mostra a foto desse dia.
"Aqui na favela, os padres saem pelo bairro, escutam sem julgar. A paróquia de Caacupé é um refúgio quando faz frio, quando há fome e dor. Eu estive aí muitas vezes, onde me sentei em silêncio e falei com Deus como se fosse um vizinho [...] Na favela, a fé não é abstrata. Ela é o que nos mantém vivos, sendo nossa força para seguir quando tudo parece impossível", escreveu Tamara na rede social da revista Garganta Poderosa, página popular de comunicação social nas favelas.
Francisco criticou o consumismo, o capitalismo, a estrutura social de desigualdade, que produz uma vida de indiferença frente às injustiças sociais. Por isso, sua forma de olhar o mundo, descortinando as injustiças, devolveu a esperança a muitos argentinos que vivem à margem do Estado.
"Francisco nos batizou a muitos favelados. Não com água, mas com dignidade", afirmou Tamara.
Uma missa em homenagem ao papa foi celebrada ontem na Villa 21-24 na paróquia Caacupé — ela é a padroeira do Paraguai, um símbolo dos fiéis que habitam o bairro. A maioria dos moradores é composta por imigrantes e filhos de imigrantes, principalmente do Paraguai e Bolívia.
No bairro, atuou o padre José Maria di Paola, o cura villero (padre que celebra missas e mora em favelas) mais próximo a Bergoglio.
Os curas villeros na Argentina são conhecidos por atuarem com a Bíblia em uma mão e com a bandeira da justiça social na outra. São religiosos que não se limitam às atividades de evangelização e são engajados em projetos sociais dentro das comunidades.
A vida dos curas villeros foi retratada no filme Elefante Branco, estrelado por Ricardo Darín, que narra os conflitos nas maiores favelas da Argentina e o papel da Igreja Católica na mediação desses conflitos.
Um dos curas villeros mais conhecidos da Argentina foi Carlos Mujica, que morreu em 1974, dois anos antes do início da última ditadura argentina (1976-1983). Ele foi assassinado pela tríplice A, o esquadrão da morte anticomunista, de extrema-direita. Mujica, assim como Francisco, optou pelos mais pobres.
6 comentários
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Jorge Luiz Penariol
Bergoglio foi um grande homem que virou Francisco para mostrar ao mundo o quão possível é enxercer o evangelho atraves do do próximo.
Sandra Regina Zarpelon
Francisco colocou o catolicismo de volta à vida; há muito não se comentava sobre a Igreja Católica, era considerada uma religião em decadência. Com o olhar para os mais pobres, tendo a compaixão e a misericórdia como guias, Papa Francisco trouxe olhar do mundo de novo para o catolicismo, sempre muito respeitoso com todas as religiões
Maria Maria
CENSURA?porque?