Topo

André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Nocaute' no Hilton: Qual a resposta ideal à violência do racismo?

Colunista do UOL

07/01/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O murro dado pelo produtor cultural norte-americano H. L. Thompson em um turista alemão (cuja identidade ainda não foi divulgada) no saguão do Hotel Hilton, em Copacabana, expressa bem a reação de quem não tolera mais sofrer as violências do racismo.

Depois de leis, diálogos, protestos, campanhas e todos os esforços no combate ao crime de racismo não dá para perder tempo oferecendo flores a quem insiste em ofender e agredir pessoas por conta da sua cor de pele ou traços físicos.

Racismo é crime no Brasil desde a Constituição de 1988. A Lei Caó, de 1989, regulamentou o dispositivo constitucional tornando o racismo um crime inafiançável e imprescritível.

Em 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) equiparou a injúria por conotação racial ao crime de racismo, sob pena de detenção ou multa.

Tudo fruto de um longo entendimento da sociedade para as graves consequências do racismo, uma violência hedionda que causa males físicos, emocionais e psíquicos às vítimas. Além dos danos coletivos causados à comunidade negra e à toda população do país, já que a democracia e o desenvolvimento econômico são afetados diretamente pelas desigualdades raciais.

'Fogo nos racistas!'

Cada vez mais pessoas pretas têm reagido de forma imediata e enérgica a comentários, piadas e tentativas de impedimentos de acesso ou violações de direitos motivados pela discriminação racial.

Tem se tornado comum o questionamento ao comportamento invasivo de seguranças e atendentes em lojas e o enfrentamento a olhares tortos e desconfiados pela presença de negros em ambientes que o racismo estruturou como exclusivos para brancos.

Em dezembro, viralizou nas redes sociais um vídeo em que o rapper Djonga dá um soco em um segurança do estádio Mineirão durante a final do Campeonato Brasileiro.

O rapper mineiro, que popularizou a expressão "Fogo nos Racistas", refrão da música Olho de Tigre, de 2017, afirmou que a imagem do vídeo tratava-se de uma reação a uma situação de racismo sofrida por ele no camarote do estádio, para o qual fora convidado.

Na maioria das vezes, eu não reajo. Se eu reagisse todas as vezes que alguém me trata com discriminação, todo dia vazaria vídeo meu, tá ligado? Dessa vez eu reagi e está feito."
Djonga, rapper

Assim como no caso do nocaute ocorrido no Hotel Hilton, houve críticas à ação de Djonga, considerada violenta. É preciso lembrar que lesão corporal também é crime que pode levar à cadeia a depender da natureza da agressão e agravantes —com penas de três meses a mais de 12 anos, se resultar em morte—, e os racistas logo se vitimizam registrando boletins de ocorrência.

Foi o que fez o casal do hotel, que procurou a polícia, mesmo com as imagens que evidenciam as injúrias raciais e o descontrole da companheira do turista que avança contra o produtor cultural.

Até reagir, vítimas acumulam agressões

Em relato nas redes sociais com a sua versão sobre o ocorrido, H. L. Thompson se defendeu, afirmando que o racismo não será tolerado.

O comportamento racista não será tolerado em nenhum nível."
H. L. Thompson, produtor cultural

Somente quem é negro e sofre com violências cotidianas pode imaginar o acúmulo de agressões vividas por ele para chegar àquela reação extrema.

O produtor recebeu muitos apoios de quem se sentiu vingado com aquele murro. Sim, porque nem todo mundo consegue reagir em situações de discriminação racial. Na maioria das vezes, a pessoa ofendida se sente humilhada e paralisada diante do agressor.

As estruturas racistas da sociedade, a cultura de subordinação de pessoas pretas e a impunidade diante de casos de racismo levam o agressor a se sentir confortável em seu crime e a vítima incapaz de qualquer reação.

Por isso, atitudes como a do produtor norte-americano ou do rapper Djonga se tornam pedagógicas para ambas as partes envolvidas.

Seria bom que todos que assistirem ao vídeo do nocaute, ou pelo menos os envolvidos, passem a pensar duas vezes antes de agredirem alguém com ofensas raciais.

Aquela reação pode barrar o racista e impedir que outras pessoas sofram atitudes de discriminação.

Nenhum murro desferido contra um racista se compara aos danos individuais e coletivos gerados pela violência do racismo.