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PT tem na base muitas 'Francias Márquez' preteridas em candidaturas
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Enquanto a Colômbia, que tem menos de 10% da população autodeclarada afrodescendente, acaba de eleger Francia Márquez vice-presidente da República, no Brasil, os negros, que formam mais de 50% dos brasileiros, ainda estão longe de serem representados de forma equânime na política.
A vitória de Gustavo Petro nas eleições presidenciais na Colômbia animou grupos de esquerda que torcem por uma guinada progressista na América Latina. A esperança ainda maior de que o ativismo social e a defesa dos direitos humanos sejam prioritários no novo governo colombiano é depositada em Francia Márquez —mulher negra, ambientalista e ativista pelos direitos das mulheres, populações negras, indígenas e comunidade LGBTQIA+.
Aos 40 anos, Francia é formada em Direito pela Universidade Santiago de Cali e mãe de dois filhos. Foi trabalhadora doméstica e garimpeira, tornando-se uma das principais vozes contra a exploração da mineração em territórios dos povos tradicionais. Sua militância foi reconhecida internacionalmente com o prêmio Goldman, considerado o Nobel do Meio Ambiente, que Francia recebeu em 2018.
Ela chegou à chapa vencedora, após se lançar pré-candidata à presidência, feito inédito para uma mulher negra, ainda mais vindo do Valle del Cauca, região oeste do país, no pacífico colombiano, área empobrecida e de muita violência. Francia trazia o slogan "Eu sou porque nós somos", da filosofia ubuntu africana, que inspira homens e mulheres negras pelo mundo, inclusive no Brasil.
Chapa uniu anseios populares
Francia Márquez assumirá o maior cargo já ocupado por uma pessoa negra no governo da Colômbia.
O país, segundo informam os dados oficiais, possui mais de 4 milhões de afrocolombianos. Contudo, os movimentos negros organizados no país questionam as formas de contagem e estimam que esse número seja três vezes maior. Ou seja, seriam mais de 12 milhões de negros na Colômbia, o que faz do país a segunda maior população afrodescendente da América do Sul, atrás apenas do Brasil.
Grupos negros colombianos tiveram um papel importante nas manifestações que ocuparam as ruas das principais cidades em 2019 e se intensificaram em 2021. A população cobrava por mudanças políticas para enfrentar problemas como pobreza, desemprego e violência.
A chapa de centro-esquerda formada por Gustavo Petro e Francia Márquez, intitulada Pacto Histórico, conseguiu agregar as reivindicações populares, tendo a vice-candidata um papel importante na atração dos votos, especialmente das mulheres e dos mais jovens.
O resultado é que a dupla derrotou com 50,5% dos votos o empresário milionário Rodolfo Hernández, que obteve 47,3%. Será o primeiro governo de esquerda na história da Colômbia, desde a independência da Espanha, há mais de 200 anos.
Quilombo nos Parlamentos
Bolsonaro e seus apoiadores demonstraram preocupação com o êxito da esquerda nas urnas do país vizinho.
De acordo com a colunista da Folha de S.Paulo Mônica Bergamo, o presidente enviou mensagem para uma lista de transmissão no Whatsapp, compartilhando uma reportagem sobre o resultado eleitoral na Colômbia e alertando: "Cuba... Venezuela... Argentina... Chile... Colômbia... Brasil?", teria questionado Bolsonaro, listando países da América Latina que possuem governos de esquerda e, temendo que o Brasil seja o próximo a seguir esse caminho.
Em declarações para apoiadores, Bolsonaro comparou o discurso de Gustavo Petro ao do seu principal adversário nas eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Neste momento de celebração pela conquista popular na Colômbia, o que salta aos olhos é a diferença na composição da chapa entre os dois líderes da esquerda.
Em vez de uma liderança dos movimentos sociais, como Francia Márquez, com trajetória de resistência e enfrentamento aos poderes estabelecidos, no Brasil, a chapa mais forte da esquerda, liderada por Lula, aposta no ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) como a ponte de aproximação e recebimento de apoio de grupos políticos tradicionais, do setor financeiro e de eleitores conservadores.
Já abordamos aqui na coluna a dificuldade que as esquerdas brasileiras, em especial o Partido dos Trabalhadores, têm de incluir lideranças negras nas disputas majoritárias no país —atualmente seus principais quadros são ocupados por homens brancos.
O PT, apesar de incorporar bandeiras históricas dos movimentos negros, como o combate ao racismo e políticas afirmativas de acesso dos negros às universidades e ao mercado de trabalho, não se empenha em evidenciar a trajetória política de mulheres negras como Benedita da Silva e Vilma Reis, para citar apenas dois nomes que refletem a história e a continuidade da presença da comunidade negra na construção das organizações partidárias.
Nas bases do partido, realizando as mobilizações populares fundamentais que sustentam o projeto político da esquerda, estão muitas 'Francias', preteridas na hora das fotos para os santinhos e da formação das chapas majoritárias.
Baseada no lema "enquanto houver racismo, não haverá democracia", a Coalizão Negra por Direitos lançou recentemente a iniciativa Quilombo nos Parlamentos, que apresentou mais de cem pré-candidaturas de lideranças negras em partidos alinhados ao campo progressista como PT, PSOL, PCdoB, PSB, PDT e Rede. São ao menos 30 pré-candidaturas à Câmara dos Deputados e o restante às assembleias legislativas.
Um dos objetivos é cobrar maior empenho das estruturas partidárias na visibilidade e suporte a essas candidaturas.
Brasil e Colômbia precisam proteger ativistas
Além das semelhanças históricas no passado colonial e na formação étnica da população, que passa pelo combate ao racismo e pela valorização das heranças africanas e indígenas, Brasil e Colômbia têm um mesmo desafio: defender a vida e a atuação de ativistas ambientais e pelos direitos humanos.
Os dois países são lugares muito perigosos para quem defende a vida de mulheres, negros, trabalhadores, camponeses e povos originários e a preservação do planeta, "a Mãe Terra, a Casa Grande", como se refere em seus discursos a futura vice-presidente colombiana.
Na Colômbia, a resposta aos ataques aos movimentos sociais foi a eleição de Gustavo Petro e Francia Márquez, que também foi alvo de atentado e perseguições em sua caminhada.
No Brasil, os ativistas e, especialmente, as mulheres negras, lutam para que o país pare de assassinar trajetórias como as de Marielle Franco, Dom Phillips e Bruno Pereira, entre outros.
A presença na política e no poder institucional é um caminho importante para estancar essas violências.
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