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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Simular escravidão é jogar contra representatividade no universo dos games

Marvel"s Spider Man: Miles Morales - Reprodução
Marvel's Spider Man: Miles Morales Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

27/05/2023 04h00

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O desserviço do game Simulador de Escravidão vai na contramão do que a sociedade busca no sentido de reparar os resquícios danosos do escravismo que ainda se mantém nos dias atuais.

A existência de um game como esse e a quantidade de pessoas interessadas em interagir com essa experiência demonstram que a história da escravidão ainda não foi assimilada com todas as dores e violências que realmente causou e que ainda hoje compromete a vida digna dos descendentes dos escravizados.

O jogo estava disponível na Play Store, a loja de aplicativo do Google, até quarta-feira passada (24). Desenvolvido pela empresa Magnus Games, do ucraniano Andrej Kardashov, o game estimulava os jogadores a comprar, vender e praticar castigos físicos com pessoas escravizadas, além também de se enriquecer e ter o prazer saciado em cima dos corpos negros.

O jogo estava sendo consumido e apoiado por usuários, que celebravam a possibilidade de ter uma noção de como os antepassados escravocratas administravam os negócios, gerando a renda que ainda beneficia muita gente.

Depois de denúncias e de mais de um mês sendo oferecido, o game foi retirado das ofertas de aplicativos do Google.

Games podem contar histórias de resistência por direitos

Faz-se necessário que, além de denunciar o Simulador de Escravidão, sejam amplamente divulgadas iniciativas que utilizam a linguagem dos jogos, de tanto apelo, sobretudo entre os mais jovens, para trazer narrativas ainda invisibilizadas no país.

Há um movimento crescente entre realizadores de jogos para evidenciar narrativas que valorizam mulheres, negros, LGBTQIA+ e outros grupos ainda discriminados.

São diversas as produções de jogos internacionais e nacionais que exploram os nossos cenários locais, as identidades regionais e até as nossas músicas em suas narrativas e despontam como grandes sucessos.

Isso, em causa e efeito, tem um grande valor social, sobretudo no sentido de colocar em evidência a luta de grupos marginalizados e desmistificar estereótipos da cultura brasileira no mundo afora.

Jogo racista contou com conivência da Big Tech

Chama atenção o fato do jogo criminoso, por incitar o ódio e a violência contra um grupo que representa a maioria da população brasileira, ser disponibilizado pela empresa de tecnologia. A mesma que se opõe ao projeto de lei que tem como um dos objetivos justamente o controle na difusão de notícias falsas e discursos de ódio no ambiente virtual.

Até que uma série de denúncias de parlamentares e ativistas do movimento negro forçaram a retirada do jogo, o Google foi permissivo com esse produto violento, cruel e racista.

Simulador Escravidão - Reprodução - Reprodução
O jogo permitia comprar, vender e punir pessoas escravizadas
Imagem: Reprodução

A empresa anunciou por nota a retirada do jogo da Play Store e ressaltou que tem um conjunto de políticas para manter os usuários seguros.

"Não permitimos apps que promovam violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça ou origem étnica, ou que retratem ou promovam violência gratuita ou outras atividades perigosas", diz o texto.

A Big Tech informa, ainda, que qualquer pessoa que acredite ter encontrado um aplicativo que esteja em desacordo pode fazer uma denúncia.

Games dão espaços à representatividade

Na contramão de toda essa polêmica, a coluna separou bons jogos para serem consumidos, sem risco de incitar racismo ou qualquer tipo de preconceito.

O game Valorant, que foi desenvolvido pelo mesmo estúdio por trás de League of Legends, a Riot Games, um dos mais jogados do mundo, está entre os jogos que utilizam referências importantes do Brasil em sua narrativa. Uma das personagens do jogo é a agente baiana Raze, mulher negra e lésbica que sempre coloca em evidência a cultura da Bahia.

No ano passado, em um clipe lançado pela Riot Games, a representante da Bahia apresentou Salvador para o mundo.

No projeto audiovisual, a personagem anda pelas ruas da capital baiana e por pontos turísticos locais ao som de uma versão remix da música "Banho de Folhas", da artista Luedji Luna, e interage com pessoas reais, como baianas e percussionistas. O intuito dessa ação foi pedir ajuda para os baianos que sofriam com as fortes chuvas na época.

Veja o clipe abaixo.

Nesse contexto, percebe-se que os jogos digitais vão além do entretenimento e instigam atos de responsabilidade social, além do sentimento de pertencimento. Tudo isso, de forma clara, demarca a importância da diversidade e da assimilação cultural nas histórias, dois pontos muito bem explorados pelos estúdios independentes do Brasil.

Podemos citar alguns games nacionais que trazem diversidade e representatividade e ganham destaque na indústria de jogos. Um nome de peso é Dandara, título desenvolvido pelo estúdio Long Hat House, que traz como protagonista uma mulher preta inspirada em umas das líderes da resistência negra no Quilombo dos Palmares, Dandara.

O jogo, embora não conte a saga do mais importante quilombo do Brasil, coloca em evidência um capítulo importante da história ao trazer como personagem principal uma figura tão importante para as narrativas sobre resistência ao escravismo no país.

Outro jogo que vale a pena conhecer é Aritana e a Pena da Harpia, um videogame baseado nas tradições indígenas, desenvolvido pelo estúdio independente Duaik Entretenimento. Tendo como personagens principais os povos originários, o game é mais uma narrativa que contempla a representatividade e coloca em destaque um mercado cada vez mais político e simbólico.

Jax Briggs da franquia Mortal Kombat 2 - Reprodução - Reprodução
O majorJax Briggs que integra a franquia Mortal Kombat 2 desde 1993 é uma representação de liderança negra na narrativa dos games)
Imagem: Reprodução

Essa tendência da indústria de games mundial é percebida pelo coordenador do curso superior de tecnologia em jogos digitais da Fatec São Caetano do Sul e da Faculdade Impacta, Alan Henrique Pardo de Carvalho, que também é professor no Bacharelado em Jogos Digitais do Centro Universitário Senac (SP).

Para a coluna, Alan explica que, no Brasil, mulheres e afrodescendentes são maioria da população e buscam se identificar nos jogos digitais, bem como pessoas LGBTQIA+.

Por isso, tem havido uma maior percepção e mais ações, principalmente por parte dos desenvolvedores independentes (indies), no sentido do aumento da presença de minorias representativas nos jogos digitais sem que seja em papéis estereotipados e que tenham protagonismo.

Origem dos personagens importa para jogadores negros

O estudante Marcus Senghor Guena, 18, em entrevista à coluna, conta que desde os três anos de idade tem interesse em jogos digitais. A partir dos 10 anos, passou a buscar representatividade nos games que disputava.

A partir dessa idade, eu comecei a ter uma visão mais crítica e perceber que eu não era como os personagens que eu amava, tipo o Goku, Naruto ou o Kratos. Depois que conheci o Pantera Negra e o Miles, me despertou essa vontade de me sentir dentro dos universos dos jogos através desses personagens.

Marcus Senghor em cosplay de Miles Morales - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Marcus Senghor Guena em cosplay de Miles Morales
Imagem: Acervo pessoal

Senghor concluiu o curso técnico em informática no Instituto Federal do Sertão Pernambucano, em Petrolina, e agora se prepara para entrar na universidade, onde pretende cursar Jogos Digitais.

Ele diz que, atualmente, quando procura um jogo novo, o que chama a atenção é a origem do personagem principal.

Quando o personagem é negro, minha motivação para jogar aumenta na hora. Foi assim com o Marvel's Spider-man: Miles Morales. Comprei o jogo na pré-venda quando ele lançou. Fiquei todo ansioso.

Para a coluna, Marcus Senghor fez uma lista dos principais personagens com representatividade nos games. Confira essas dicas que podem garantir uma diversão, com imersão em culturas e diversidades, e sem perpetuar preconceitos:

Miles Morales (Marvel's Spider Man: Miles Morales)

Marvel’s Spider Man: Miles Morales - Reprodução - Reprodução
Marvel's Spider Man: Miles Morales
Imagem: Reprodução

Miles Morales é um personagem criado por Brian Bendis e Sara Pichelli que apareceu pela primeira vez na HQ Ultimate Fallout#4 de 2011. Com o passar do tempo, ele foi inserido nos universos maiores da Marvel, sendo um destaque no universo Ultimate.

Miles recebeu muito destaque após o lançamento do filme "Homem-Aranha no Aranhaverso" de 2018 e foi protagonista do jogo "Marvel 's Spider-Man: Miles Morales", ganhando mais uma versão.

Eu acredito que o Miles seja um personagem muito importante para a representatividade negra porque ele é um homem-aranha, o super-herói mais conhecido do mundo. Então, o fato de existir um homem-aranha negro que protagoniza filmes e um jogo muito vendido é algo muito importante para a luta antirracista dentro dos jogos digitais.
Marcus Senghor, ao indicar o game

Além disso tudo, o Miles também vai ser um dos protagonistas no próximo jogo do homem-aranha que vai ser lançado ainda esse ano: Marvel 's Spider-Man 2.

League of Legends: Ekko, o rapaz que estilhaçou o tempo

League of Legends: Ekko - Reprodução - Reprodução
League of Legends: Ekko
Imagem: Reprodução

Ekko é um dos campeões do MOBA League Of Legends da Riot Games, mesma criadora do Valorant. Ele é um garoto que cresceu numa cidade extremamente pobre e violenta, mas é muito inteligente e descobriu um dispositivo que dá a ele o poder de voltar no tempo. Foi lançado no jogo em 2015 e é um dos magos mais complexos de se utilizar no jogo.

Ekko é um símbolo de representatividade negra muito importante, pois desmistifica o padrão criado pela sociedade branca de que todo negro nasceu para estar numa posição ruim educacionalmente e financeiramente. O Ekko ultrapassa os limites da inteligência e é um espelho muito importante para os jovens negros que jogam o jogo.
Marcus Senghor, ao indicar o game

Ekko True Damage

Ekko True Damage - Reprodução - Reprodução
Ekko True Damage
Imagem: Reprodução

Em 2019, o LOL lançou a linha de skins True Damage. Nessa linha, os personagens são parte do grupo musical do mesmo nome, composto por Akali, Senna, Yasuo, Qyiana e Ekko.

Na história, Ekko é um cantor de rap que ficou muito famoso e move multidões com suas músicas, algo que mostra o empoderamento das pessoas negras no meio artístico.
Marcus Senghor, ao indicar o game

No Brasil, Ekko True Damage é dublado pelo rapper Emicida, o que aumentou a visibilidade dessa skin e hoje é uma das favoritas dos jogadores de Ekko.

K'Sante, O orgulho de Nazumah

K’Sante, O orgulho de Nazumah - Reprodução - Reprodução
K?Sante, O orgulho de Nazumah
Imagem: Reprodução

K'Sante foi lançado em 2022 e é um dos campeões que também traz a representatividade negra e LGBTQIAP+ para o jogo.

Inspirado na cultura do oeste africano, este homem traz um novo olhar para o que é ser negro em Runeterra. É um lendário caçador de monstros cujo desejo de corresponder às próprias expectativas faz com que machuque o homem que mais ama.

K'Sante é mais um dos campeões negros que trazem o poder e a força da negritude. Ele quebra mais estereótipos e preconceitos por ter sido criado como um personagem gay.
Marcus Senghor, ao indicar o game

O jogador ainda reforça que K'Sante tem um visual muito bonito que lembra muito o Pantera Negra da Marvel.

Marcus Holloway (Watch Dogs 2)

Marcus Holloway (Watch Dogs 2) - Reprodução - Reprodução
Marcus Holloway (Watch Dogs 2)
Imagem: Reprodução

Watch Dogs 2 é um jogo de 2016 desenvolvido pela Ubisoft. Marcus é o protagonista do jogo, um jovem negro, habilidoso hacker, capaz de penetrar até mesmo em carros e em sistemas de barcos rapidamente.

Ele protagoniza o jogo de uma das franquias mais famosas da Ubisoft e também mostra a relevância das pessoas negras no mundo da tecnologia e desenvolvimento digital.
Marcus Senghor, ao indicar o game

Bayek de Siwa (Assassin's creed Origins)

Bayek de Siwa (Assassin's creed Origins) - Reprodução - Reprodução
Bayek de Siwa (Assassin's creed Origins)
Imagem: Reprodução

Bayek de Siwa é o protagonista do jogo Assassin's creed Origins, da franquia Assassin's Creed da Ubisoft. O jogo foi lançado em 2017.

"A história conta a origem da disputa entre os Assassinos, que lutam pela paz, promovendo a liberdade, e a Ordem dos Anciãos — precursores dos Templários — que desejam a paz impondo a ordem."

Tal como os jogos anteriores, Origins inclui elementos da história nos tempos modernos, que se contam durante o curso do jogo.

O jogo se passa no Egito, em 49-43 AC. Bayek é o último Mejai e tem o dever de lutar pelo bem-estar das pessoas e proteger o povo.

Ele também é um personagem que representa a liderança negra na história e a importância da luta contra a imposição dos dominadores opressores.
Marcus Senghor, ao indicar o game