'O Estado só garante a morte', diz Muniz Sodré sobre crime contra Bernadete
O jornalista e sociólogo Muniz Sodré, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comentou sobre o bárbaro assassinato da líder quilombola Maria Bernadete Pacífico, morta a tiros no dia 18 de agosto, na comunidade Pitanga de Palmares, na Região Metropolitana de Salvador.
"No que diz respeito à vida dos outros, o Estado só garante mesmo a morte, não garante preservação, não garante vida. Quando a Polícia entra aqui no morro está garantido que negros vão morrer, que pobres vão morrer", afirmou Muniz Sodré.
Na avaliação de Sodré, a principal causa do assassinato de Maria Bernadete está relacionada à questão da terra.
"Nessa questão aí [da terra], os estados não se diferenciam muito. Morre-se pela terra no Pará, na Amazônia, na Bahia, em Pernambuco, na Paraíba. Ela era uma liderança inconteste, ela era na verdade alguém que trabalhava e viveu na linha de Chico Mendes, Dorothy Stang, Bruno Pereira, Dom Phillips", comparou o sociólogo, citando outros defensores mortos no país.
"Mãe Bernadete morreu porque contrariou interesses fortes ligados à terra, que são os donos das riquezas na Bahia. Sabemos como as riquezas da Bahia se constituiu e se constitui pelo açambarcamento de terras. É o poder da terra, todos, inclusive os urbanos", afirmou Muniz Sodré.
"Crime tão bárbaro como o de Marielle Franco"
Uma das mais importas vozes na defesa dos direitos das comunidades quilombolas do Brasil, Maria Bernadete Pacífico integrava a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e teve seu filho, outra liderança social, também assassinado em 2017, na mesma comunidade.
Em julho deste ano, durante visita da presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Rosa Weber, a líder quilombola denunciou ameaças sofridas por parte de grileiros e madeireiros, e o clima de insegurança em que vivia.
Bernadete integrava o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que na Bahia é executado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Após o assassinato, familiares de Mãe Bernadete foram retirados do quilombo Pitanga do Palmares como medida de proteção.
"É um crime bárbaro, tão bárbaro quanto o da Marielle [Franco]", comparou Muniz Sodré. O sociólogo cobrou do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), uma resposta à sociedade.
Nesta segunda-feira, 21, Jerônimo Rodrigues deu uma declaração sobre o caso que contraria a opinião de especialistas que acompanham o caso, como Muniz Sodré, e também dos advogados que defendem a família de Dona Bernadete.
O governador afirmou que a Polícia Civil da Bahia trabalha com três teses para o crime: briga por território, intolerância religiosa, já que Bernadete era yalorixá do Candomblé, e ainda disputa de facções criminosas pelo tráfico de drogas, sendo esta, a mais premente, para o chefe do executivo baiano.
O crime também está sendo investigado pela Polícia Federal.
Em entrevista à rádio Metrópole, o filho de Maria Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico, revelou que o irmão, Flávio Gabriel Pacífico, conhecido como Binho do Quilombo, foi assassinado após se opor à construção de um empreendimento milionário no quilombo.
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Quero receberUma das lutas de Mãe Bernadete era por justiça pelo assassinato do filho, ainda sem identificação dos culpados.
O quilombo Pitanga de Palmares, apesar de ser reconhecido pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e de possuir certificação da Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, ainda não é titulado.
Racismo Estrutural ou forma social
As declarações de Muniz Sodré sobre a morte de Mãe Bernadete Pacífico foram feitas durante a live "Estrutura ou forma escravista: o racismo na comunicação", realizada nesta terça-feira (22), pelo grupo de pesquisa Rhecados - Hierarquizações Étnico-raciais, Comunicação e Direitos Humanos, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Além de Sodré, participaram os pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Rosane Borges e Dennis de Oliveira, que também falaram sobre o bárbaro crime, ressaltando a questão da terra como causa preponderante.
"É um crime anunciado. Mãe Bernadete já estava denunciando que estava sendo ameaçada por conta das suas ações em defesa dos direitos sociais, dos direitos humanos, direitos quilombola e da população negra. Vemos, numa situação como essa, um estado totalmente ineficiente na garantia da proteção", Dennis de Oliveira.
O professor chamou atenção de que o crime ocorreu quase no mesmo período em que chacinas na Bahia, Rio de Janeiro e em São Paulo vitimaram jovens negros das periferias.
"A população negra, pobre, da periferia ainda não vivencia plenamente a democracia. Vivemos um regime autoritário para esses sujeitos, em que crimes bárbaros como esse vem ocorrendo com frequência", apontou Dennis de Oliveira. Dennis é autor do livro "Racismo Estrutural, uma perspectiva histórico-crítica", que aprofunda o conceito apresentado no livro "Racismo Estrutural", do atual ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida.
Já Muniz Sodré contesta esse conceito, afirmando que o racismo é institucional e permanece graças a uma forma social escravista. "A forma precede a estrutura. A estrutura é uma etapa. Racismo é discriminação em curso, na prática. Não é uma estrutura", defendeu Muniz Sodré.
Apesar da divergência conceitual, os pesquisadores defendem a importância das posições antirracistas:
"Toda teoria, todo saber, deve ser uma caixa de ferramentas. O que o Dennis de Oliveira, o Silvio Almeida e o Muniz Sodré nos trazem é uma caixa de ferramentas. A pergunta que devemos fazer é se essa discussão sobre estrutura e forma é uma caixa de ferramentas capaz de enfrentar as múltiplas feições do racismo? Eu diria que sim, estão à altura do nosso cotidiano", defendeu Rosane Borges.
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