Andreza Matais

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Reportagem

Sob Lula, Itaipu repassou R$ 4,8 bilhões para convênios sem licitação

Nos dois primeiros anos do governo Lula, a Itaipu transferiu quase o dobro de recursos para projetos sem licitação em comparação com quatro anos da gestão Jair Bolsonaro. Entre 2023 e 2024, foram R$ 4,8 bilhões em convênios. De 2019 a 2022, a soma foi de R$ 2,6 bilhões.

Procurada, a Itaipu afirmou que "está comprometida com políticas de inclusão e com a melhoria da vida da população brasileira em busca de um país mais justo e, mesmo com os investimentos socioambientais."

Os dados foram atualizados pela binacional hoje (17/3). Houve também uma mudança de perfil nos repasses.

Enquanto na gestão Bolsonaro os convênios eram majoritariamente assinados com estados e municípios e direcionados, sobretudo, para segurança e agricultura; no governo Lula, a binacional priorizou ONGs e universidades públicas com enfoque em reforma agrária, direitos humanos e diversidade.

As contas da Itaipu não são fiscalizadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) ou pela CGU (Controladoria-Geral da União). Os dois órgãos entendem que, por tratar-se de uma empresa binacional (pertencente ao Brasil e ao Paraguai), não é possível fazer uma auditoria sem um acordo para que cada país analise sua parte - o que nunca ocorreu.

Os diretores são indicados pelos respectivos governos. Lula nomeou o petista Enio Verri como diretor-geral brasileiro de Itaipu. Verri foi deputado federal pelo partido de Lula.

Os dados dos convênios foram levantados pela assessoria de orçamento da Câmara a pedido da deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e serão usados de base para uma série de medidas legislativas.

Uma delas propõe ao TCU auditoria nos convênios, a partir dos beneficiários com o objetivo de verificar se houve direcionamento político na escollha das entidades. O gabinete da parlamentar identificou convênios sem qualquer relação com a atividade da binacional.

A parlamentar também irá protocolar nesta semana uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que permite a fiscalização das contas da Itaipu sem a necessidade de tratado prévio entre os dois países até que o acordo seja assinado.

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Itaipu se transformou em um caixa-preta bilionária usada para bancar interesses políticos do governo, sem qualquer fiscalização. Recursos que deveriam ser usados para energia e infraestrutura estão financiando festas, eventos e militância. É inaceitável que bilhões de reais sejam desviados da sua finalidade enquanto o país enfrenta tantos desafios.

Adriana Ventura (Novo-SP), deputada

Construção de hotel

O maior valor entre os convênios assinados no governo Lula foi destinado a ações relacionadas à COP-30, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que ocorrerá em Belém (PA), em novembro deste ano.

A Itaipu irá financiar até mesmo a construção de um complexo hoteleiro na cidade com R$ 200 milhões. No total, a binacional repassou R$ 1,84 bilhão para ações envolvendo a COP.

Em outra frente, a binacional repassou R$ 25 milhões para a ONG Instituto Athos desenvolver o projeto "Bio Favela", coordenado pela CUFA (Central Única das Favelas).

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A Itaipu ainda firmou convênio com a Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) no valor de R$ 817,7 milhões para a construção da sede e a "territorialização" em Foz do Iguaçu. A instituição foi criada no governo Lula II, e a obra estava parada por irregularidades na execução.

Os convênios funcionam assim: A Itaipu repassa o valor para a entidade, que contrata uma empresa para realizar a obra sem licitação. E nada é fiscalizado.

Outro convênio sem conexão com o objeto da Itaipu repassou R$ 16,6 bilhões para dar "suporte técnico ao Observatório Nacional de Direitos Humanos" desenvolver uma "plataforma de promoção de ações de comunicação social e em direitos humanos".

Em nota à coluna, a empresa justificou que o projeto irá "funcionar como uma rede para identificar, avaliar informações e criar indicadores que permitam planejar e aprimorar as políticas públicas de direitos humanos no Brasil...como foco em melhorar o acesso a dados que deem suporte aos mecanismos de avaliação de políticas públicas e também de proteção à democracia". A nota não esclarece qual a relação disso com a atividade fim da Itaipu.

Patrocínios

Além dos convênios, a binacional também aumentou o volume de patrocínios nos dois últimos anos. Nos dois primeiros anos do governo Lula, foram R$ 63 milhões, ante R$ 15,2 milhões nos quatro anos do governo Bolsonaro.

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O maior valor foi repassado para o evento que ficou conhecido como "Janja Pallooza": R$ 15 milhões. A primeira-dama protagonizou o Festival Aliança Global, um evento paralelo ao G20, com shows de artistas apoiadores do governo Lula. Foi nessa ocasião que Janja disse "fuck you" para o bilionário Elon Musk, dono da rede social X.

A Itaipu também patrocinou a festa de 15 anos do Instituto de Desenvolvimento dos Direitos Humanos, com R$ 228 mil.

O que diz a Itaipu

"Entre 2019 e 2022 foram mais de R$ 2,5 bilhões em projetos e convênios. Destes, mais de R$ 1,5 bilhão em obras viárias no Paraná sob responsabilidade do Governo Estadual. Hoje, os recursos são destinados para iniciativas estruturantes que impactam diretamente a qualidade de vida da população e garantem a sustentabilidade do reservatório. Os projetos incluem saneamento ambiental, uma das principais carências do Brasil, e o incentivo ao uso de energias renováveis, como a instalação de painéis solares em hospitais sem fins lucrativos, escolas e órgãos públicos, além de biodigestores."

A empresa contesta a falta de fiscalização dos contratos.

"Diferentemente do que foi afirmado, todas as parcerias firmadas por Itaipu seguem estritamente sua missão empresarial, que é gerar energia de qualidade, acessível e promover o desenvolvimento sustentável no Brasil e no Paraguai. Essas iniciativas estão alinhadas com os objetivos estratégicos da empresa e passam por um rigoroso processo de planejamento, execução e prestação de contas. Todas as contratações, convênios e patrocínios firmados pela Itaipu são submetidos a um rigoroso processo de fiscalização, que inclui acompanhamento por órgãos internos de controle, auditorias externas independentes e conformidade com a Lei Sarbanes-Oxley (SOX). Além disso, os projetos são monitorados por meio de relatórios técnicos e financeiros detalhados."

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"Além disso, diferentemente do que foi afirmado, todas as parcerias firmadas por Itaipu seguem estritamente sua missão empresarial, que é gerar energia de qualidade, acessível e promover o desenvolvimento sustentável no Brasil e no Paraguai. Essas iniciativas estão alinhadas com os objetivos estratégicos da empresa e passam por um rigoroso processo de planejamento, execução e prestação de contas."

A reportagem informou, contudo, que não há fiscalização da CGU, do TCU ou do Congresso.

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