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Augusto de Arruda Botelho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Deltan e os 15 bilhões

Equipe da Polícia Federal durante fase da Operação Lava Jato  - Divulgação
Equipe da Polícia Federal durante fase da Operação Lava Jato Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

07/01/2022 04h00

Para fechar 2021 com chave de ouro, pouco antes do Natal, travei uma discussão com o Procurador da República Deltan Dallagnol no Twitter. Somos, por assim dizer, velhos conhecidos, já que atuei na defesa de vários acusados e réus na Operação Lava Jato.

Para surpresa de alguns, provavelmente aqueles que não têm por hábito acompanhar meus posicionamentos, afirmei que os tais R$ 15 bilhões recuperados pela Lava Jato eram fruto da corrupção. Pois bem, esse dinheiro caiu do céu? Esse dinheiro foi voluntariamente oferecido por bons moços? A resposta me parece óbvia: é claro que não. Consultando o site do próprio Ministério Público Federal, essa cifra fica melhor detalhada: a 13ª Vara de Curitiba estima recuperar com a Operação Lava Jato R$ 14,7 bilhões, um valor astronômico. Parte desse valor decorreu de dinheiro encontrado nas contas? Muitas delas ilegais ? de réus que, ao optarem por acordos de colaboração, devolveram valores ou, após terem sido condenados com penas de multa, as pagaram. Outra parte, a mais significativa delas, cerca de R$ 12 bilhões, vem de acordos feitos por pessoas físicas e empresas investigadas no âmbito da Operação. Em tais acordos há a confissão de uma série de crimes: corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, dentre outros.

Ou seja: é evidente que a Lava Jato descortinou um gigantesco esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, esquema esse que perdurou por vários governos.

Exatamente por quais pessoas e em que governos esses crimes foram praticados? Jamais teremos absoluta certeza, já que a condução do processo que investigou esses crimes foi feita por um juiz incompetente, suspeito e que, em conluio com uma das partes dessa ação, subverteu completamente a dialética processual, desrespeitou incontáveis princípios constitucionais e julgou uma causa com evidente parcialidade. Não saberemos ao certo quem é culpado ou inocente, porque o processo foi viciado, julgado por um juiz que tinha lado. E aqui nem se diga que outras instâncias confirmaram essa decisão, porque a análise primária e a produção da prova também foram feitas por esse mesmo juiz. Em outras palavras: tudo o que os tribunais superiores avaliaram e em alguns casos validaram teve no seu núcleo o vício da parcialidade de Moro. Condenações em primeira instância, confirmadas por outros tribunais, carregaram dentro de si a essência podre da condução de tais processos por um juiz que em hipótese alguma poderia conduzi-los.

Outro ponto muitas vezes esquecido merece atenção: pessoas cometem crimes e não empresas. Salvo a única exceção legal, de acusações de crime ambiental, uma pessoa jurídica não pode cometer um crime. Portanto, os crimes investigados pela Lava Jato são os praticados pelos funcionários, diretores, executivos e acionistas das empresas, não as pessoas jurídicas. Elas muitas vezes na sua história carregam a função de gerar emprego e renda para milhões de brasileiros. As grandes empreiteiras envolvidas no escândalo da Lava Jato são também aquelas que, durante décadas, alimentaram milhões de pessoas e os responsáveis pela condução da Operação não tiveram o mínimo cuidado de se preocupar com esse legado. É plenamente possível - e a experiência internacional e até dentro do Brasil mostra isso - investigar e punir crimes praticados no contexto empresarial e ainda assim, manter intacta a saúde financeira dessas empresas. A Lava Jato fez o contrário: com o seu descuido quebrou muitas empresas que não tiveram outra opção a não ser demitir milhares de pessoas. Há números bastante confiáveis que demonstram o impacto disso na economia brasileira e, se comparados a esses R$ 15 bilhões supostamente recuperados, tal valor não passa nem perto de equacionar as perdas.

Minha diferença como advogado criminalista que por tanto tempo atuou no âmbito da Lava Jato para o Procurador da República responsável por essa operação é que eu, apesar de ter críticas veementes (e sempre as tive) sobre os abusos e os métodos ilegais nela utilizados, sou capaz de reconhecer seus méritos. Deltan, por outro lado, com sua fantasia messiânica de quem pretende salvar o mundo, jamais, em nenhum momento, foi capaz de reconhecer os abusos que ele e seus colegas do MPF em conluio com o ex-Juiz Sergio Moro cometeram. Mais ainda: não teve a coragem de sequer reconhecer que as espúrias e criminosas conversas que ele, outros Procuradores e o então Juiz tiveram e que foram tornadas públicas com o episódio da "Vaza Jato" são verdadeiras.

Moro por diversas vezes afirmou: "Quem não deve não teme". Em outros momentos o MPF pediu e teve sucesso em decretos de prisão feitos à margem da lei, justamente se utilizando de suposições e elementos extremamente frágeis, como, por exemplo, inexistentes obstruções de justiça ou fraudes processuais, essas sim evidentes nos diálogos travados entre uma das partes de um processo e ele, o juiz que julgaria a causa. Em outras palavras: pelo raciocínio de Deltan e Moro, suas próprias prisões preventivas poderiam há muito ter sido decretadas pelos mesmos argumentos de que eles se utilizaram durante toda a operação para prender pessoas e posteriormente forçá-las a delatar.

Portanto, sim, os bilhões que a Lava Jato já recuperou e os que ainda vai recuperar são produto de crimes e resultado do trabalho de uma operação que poderia ser motivo apenas de elogios em vez de ter se transformado no maior escândalo da história do Poder Judiciário brasileiro.

Hoje temos certeza: a verdadeira razão de tanto desrespeito à lei e à Constituição foi que, para Deltan, Moro e seu grupo, nunca, jamais, foi apenas sobre o importante e necessário combate à corrupção. Para satisfazer seus desejos pessoais e políticos hoje conhecidos, valia tudo.