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Balaio do Kotscho

Bolsonaro ou Mandetta? Sem saber a quem obedecer, o povo volta às ruas

Colunista do UOL

07/04/2020 14h05Atualizada em 07/04/2020 19h55

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Enquanto discutem se Mandetta sai ou fica, se a cloroquina vai ou não fazer milagres, se é para ficar em casa ou voltar às ruas e reabrir o comércio, como quer Bolsonaro, chegam notícias de todo o país que esta semana cada vez mais gente está rompendo o isolamento social contra a Covid-19.

Voltamos a ver na televisão os congestionamentos nas grandes cidades e praças apinhadas de jovens atletas correndo e aposentados conversando calmamente, filas nos bancos e lojas de todo tipo voltando a funcionar.

Virou a festa do caqui, um bumba meu boi danado. Quando já não se sabe mais quem manda no governo, cada um faz o que quer e melhor lhe convier. Dane-se o resto.

O problema é que o resto somos todos nós, que continuamos respeitando a quarentena e vemos nossas vidas cada vez mais ameaçadas, com o aumento diário do número de mortos e de infetados, antes da doença atingir o pico previsto pelos cientistas.

Pesquisa do Datafolha publicada hoje informa que 28% dos brasileiros já não cumprem o isolamento, ou seja, quase um terço da população está dando uma banana para a Covid-19.

O governo de São Paulo prorrogou a quarentena por mais 15 dias e agora ameaça usar a polícia para evitar aglomerações, como já fazem Itália, França e Espanha.

Mesmo com distanciamento social, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, calcula que São Paulo poderá registrar mais 1.250 mortes por coronavírus nos próximos sete dias (até ontem, eram 304).

Caso a quarentena não seja cumprida, esse número poderá chegar a 5.000 óbitos até o próximo dia 13.

"Se não houvesse nenhum tipo de medida, teríamos 277 mil mortos em 180 dias. Com as medidas, vamos reduzir esse número em 166 mil mortes", prevê Dimas Covas.

Nem esses números assustadores convencem boa parte da população a respeitar o isolamento.

Ou simplesmente as pessoas deixaram de ler jornal e ver televisão para não se aborrecer, ou a irresponsabilidade demonstrada pelo presidente Bolsonaro em seus discursos está fazendo efeito contrário às medidas recomendadas pelo Ministério da Saúde.

Assim, tanto faz se Mandetta fica ou não no cargo, já que o presidente continua defendendo o fim do confinamento para salvar a economia e joga todas as suas fichas nos milagres de um remédio que ainda não foi aprovado pelo Ministério da Saúde.

Em sua entrevista coletiva depois da reunião de Bolsonaro com os ministros, na segunda-feira, em que balançou no cargo, Mandetta contou que no final foi levado para uma saleta do Palácio do Planalto, onde dois médicos indicados pelo presidente queriam convencê-lo a baixar um decreto aprovando o tratamento com cloroquina.

Sem citar Bolsonaro, o ministro da Saúde fez mais uma pequena provocação em seu discurso à noite, que poucos perceberam.

"Agradeço a Jorge e Mateus, a Xand do Avião, por terem veiculado nas suas lives a mensagem de que o show não pode parar, mas a aglomeração, essa tem que parar", disse Mandetta.

Jorge e Mateus é uma dupla sertaneja de muito sucesso que, sem querer, provocou a ira do presidente contra Mandetta, no final da tarde do domingo de jejum e orações, quando ele falou que alguns ministros viraram "estrelas" e iria usar sua "caneta" para acabar com a festa deles.

De fato, Mandetta fez muito sucesso na live de Jorge e Mateus, que bateu recordes de audiência e doações, e causou a ciumeira de Bolsonaro, um fã da música sertaneja que não foi convidado para o show.

Pois é nesse cenário de ciumeiras e disputas de poder, de olho já em 2022, que o país se prepara para entrar na fase mais aguda da pandemia, com cada autoridade atirando para um lado diferente.

No meio desse tiroteio, o vírus se espalha sem enfrentar resistências de quem não acredita na ciência nem nos médicos e prefere seguir os conselhos do capitão.

Quando a morte bater à porta de suas casas, não adiantará gritar "Mito!"

Estão brincando com nossas vidas.

Vida que segue.