As mudanças no Brasil virão das mulheres, dos negros e do Nordeste
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Recolhidos os destroços, detritos e escombros da era Bolsonaro, tenho o pressentimento de que um novo, mais justo e solidário Brasil poderá renascer das cinzas no período pós-pandemia.
Quem sobreviver, verá.
Tive uns sonhos bons esta noite e acordei mais otimista, depois de completar 120 dias de total confinamento, cercado de notícias ruins por todo lado, amigos morrendo, desgraças mil acontecendo aqui e no mundo.
Não sei se já está provado cientificamente, mas estou cada vez mais convencido de que a raiva gera tristeza, e a tristeza, mata.
Fazer cara feia não melhora a vida de ninguém e ficar xingando as trevas não faz o dia amanhecer mais cedo.
E de onde vem esse meu repentino otimismo, que pode até surpreender os leitores, já cansados de ler todo dia as mesmas coisas, na minha coluna e nas dos outros?
Fui ligando alguns fatos nos últimos tempos, pequenos registros que ainda aparecem aqui e ali no noticiário dominado pelas pandemias virais e políticas.
Noto que aumenta a presença de negros, mulheres e líderes do Nordeste, com novos discursos e propostas, nas páginas dos jornais e nas entrevistas na televisão, nos debates políticos e nas discussões em lives sobre o futuro do país.
Penso que é deles que virão as mudanças previstas para depois que as pandemias forem embora.
As pessoas e o país precisam se reinventar, deixando para trás velhos dogmas e rancores, mitos e mentiras, ousar novos caminhos, sair da mesmice e da desesperança crônica.
É fazer do limão uma limonada, buscar aliados na luta pela soberania e libertação do país, deixar de olhar no retrovisor e encarar sem medo o futuro.
Um bom exemplo vem dos governadores do Nordeste, boicotados pelo governo federal, que foram à luta, sem reclamar da vida.
Uniram-se num consórcio para tocar projetos comuns, foram buscar lá fora os recursos que lhes faltam para enfrentar a pandemia e a pobreza secular.
Por exemplo: foram buscar Miguel Nicolellis, um dos mais respeitados cientistas brasileiros no exterior, para coordenar o conselho de combate à pandemia no Nordeste, enquanto o governo federal tem a nos oferecer um general chucro de tudo como interino permanente no MInistério da Saúde.
Estados do Nordeste, como o Ceará e o Piauí, apresentam alguns dos melhores índices em educação no país, ganhando campeonatos de matemática por anos seguidos com alunos de colégios públicos.
Algo me diz que é desse conjunto de governadores, da Bahia ao Maranhão, que sairá o candidato das oposições nas eleições de 2022, se chegarmos vivos até lá.
Nas pequenas cidades nordestinas, cada vez mais mulheres comandam as prefeituras.
Nas periferias das grandes cidades, são jovens lideranças negras que tomam a frente dos movimentos em defesa da vida, da cultura e da solidariedade.
O povo está aprendendo a se virar sozinho, sem esperar nada do governo, além do auxílio emergencial, que só vai durar mais dois meses. E depois?
Vamos descobrir que existe vida nova e generosa fora dos gabinetes poluídos do eixo São Paulo-Rio-Brasília, dos plenários políticos e jurídicos que cheiram a mofo. Prestem atenção nisso.
Estamos fechando um ciclo de dominação da elite branca machista, xenófoba e racista, que domina todos os poderes e não gosta do Brasil. Prefere Miami.
Como agora resolvi encarar a vida com mais esperança, deixando as amarguras de lado, me cobrem daqui a 10 ou 20 anos para ver se eu não tinha razão.
Se estava errado, paciência, mas pelo menos tentei mudar o astral para poder sobreviver em meio a tanta iniquidade, ignorância e má-fé dos eternos donos do poder, que resultaram no que está aí.
Eu não vou embora daqui, não desisto, embora às vezes tenha sentido vergonha de ser brasileiro.
A única coisa que quero, depois de tudo isso passar, e um dia vai passar, é pegar alguns dias para ficar sem fazer nada em alguma praia nordestina com muito sol e alegria, só comendo caranguejo, tomando uma cervejinha e alguns goles de cachaça da terra, batendo papo com desconhecidos, de bermuda e chinelo, ao som choroso de uma viola tocando "Asa Branca", do Gonzagão.
Em vez de descer do norte para o sul, podemos inverter essa migração, do sul para o norte, onde o Brasil resiste, pulsa e nos anima.
Quero de novo ter orgulho de dizer que nasci aqui porque no mundo não tem lugar melhor para se viver, apesar de tudo.
Vida que segue.
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