Brasil 2020: as notícias enguiçadas em meio à pandemia
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Lá estão elas, todos os dias, em todos os jornais, portais e comentários na TV: são as notícias enguiçadas.
A expressão, justiça se lhe faça, foi criada pelo Alfredo Ribeiro, o Tutty Vasques, que reuniu no site "No Mínimo" o melhor do fantástico time do Jornal do Brasil, nos primórdios das redes sociais.
O site e o jornal acabaram, mas as notícias enguiçadas continuam firmes e fortes, em todas as mídias e plataformas.
Não sei se vocês já repararam, mas entra dia, sai dia, as pautas são quase sempre as mesmas, no noticiário, blogs e colunas, nestes tempos de pandemia e balbúrdia bolsonarista.
Eu mesmo não consigo fugir dessa camisa de força imposta pela tragédia do coronavírus e as barbaridades diárias que nos assolam.
Confinado há mais de quatro meses e sem poder ver de perto o que acontece lá fora na vida real, fica difícil mesmo mudar de assunto.
Durante a semana, resolvi listar as notícias enguiçadas mais recorrentes, que nos dão a impressão de rodarmos em círculo, sem sair do lugar, cada vez mais submetidos à mediocridade reinante. Vejam se não tenho razão:
* Reformas _ É um clássico da notícia enguiçada. Sempre que as coisas vão mal, lá vem ela de novo. O Brasil parece igreja de interior: está sempre em reformas. A bola da vez é a reforma tributária, a nova salvação da lavoura, depois da trabalhista e da previdenciária. Paulo Guedes, o czar da economia, só fala nisso desde o ano passado, quando prometia enviar o seu projeto de reforma tributária à Câmara na semana que vem. Não mandou até hoje. Quem sabe, na semana que vem.
* CPMF _ Roda, roda, roda, e o Posto Ipiranga tenta mais uma vez ressuscitar a sigla mágica, agora disfarçada com outro nome. Mas, seja qual for, porque a cada dia Guedes fala uma coisa diferente, trata-se de um novo imposto para aumentar a arrecadação do governo, que está quebrado. Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não querem nem ouvir falar nisso, mas o repertório de mágicas do ministro se esgotou, não tem nada de novo a oferecer. Nem Maia tem: já relançou a campanha "Xô CPMF".
* Impeachment _ Já não é mais nem notícia, tantos são os pedidos que se acumulam sobre a mesa de Rodrigo Maia. Enguiçou de vez, depois que o presidente adquiriu o apoio desinteressado do Centrão. Impeachment só permanece no noticiário porque a oposição também não tem outro assunto.
* Flexibilização _ No abre e fecha do comércio, essa notícia enguiçada não sai de cena, ao lado dos mapas com recordes diários de mortes e contaminados pelo coronavírus, o prato de resistência dos telejornais há mais de quatro meses.
* Capitão Cloroquina _ O remédio milagroso oferecido em suas lives é o único assunto do presidente depois que ele também contraiu um misterioso coronavírus sem nenhum sintoma.
* Volta às aulas _ Autoridades, donos de escolas, professores e pais de alunos discutem há semanas se e quando os estudantes poderão voltar às aulas, mas só o Ministério da Educação não se manifestou até agora sobre o assunto. O debate continuará por um bom tempo.
* Desemprego _ Com 716 mil empresas fechadas durante a pandemia, sem conseguirem receber os empréstimos bancários oferecidos pelo governo, mais 1,5 milhão de brasileiros ficaram sem trabalho e o número total de desempregados pode chegar a 15 milhões no próximo trimestre. Se depender do governo, essa notícia continuará enguiçada ainda por muito tempo. A única novidade é que o Bolsa Família será rebatizado como Renda Brasil.
* Violência policial _ São tantos os casos de vítimas de violência policial, cometidos a cada dia pelas Polícias Militares empoderadas, que já fazem parte da rotina do noticiário e não abalam mais ninguém. Notícia vai ser no dia em que esses policiais forem enquadrados e punidos pelos governadores que perderam o controle sobre as tropas.
* Desigualdade social _ Essa notícia enguiçada já tem séculos, mas só agora o Brasil descobriu que tem mais de 30 milhões de cidadãos "invisíveis", sem lenço nem documento, sem trabalho e sem renda, vivendo em condições sub-humanas nas periferias das cidades e nos grotões do interior.
* Amazônia queimando _ Trata-se de notícia enguiçada no mundo inteiro, mas que agora ganhou as manchetes, depois que Ricardo Salles resolveu "passar a boiada" e a Amazônia bate recordes de desmatamento e queimadas. Assim como fizeram na ocupação do Ministério da Saúde pelo general Pazuello, estão mandando para lá tropas do Exército, sob o comando do novo vice-rei da Amazônia, general Mourão, para resolver o problema militarmente. E as populações indígenas estão morrendo de Covid-19, sem água potável e comida, vetadas pelo presidente.
* Novo normal _ Ninguém sabe dizer ao certo do que se trata, mas é tema de muitos debates na televisão para discutir o mundo pós-pandemia. É mais ou menos como a "nova política". Vai ser um velho normal piorado, com mais desigualdade, desemprego e miséria, mais concentração de renda e menos direitos trabalhistas.
* AI-5 _ Voltou ao noticiário, com as manifestações antidemocráticas bolsonaristas, que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo, mas o general da Saúde disse em entrevista à Veja desta semana que nem sabe do que se trata. Deve ter faltado às aulas de História do Brasil nas escolas militares. Ou isso já não faz parte do currículo.
A lista é grande e eu só dei alguns exemplos. Se o Tutty Vasques ler esta crônica em sua homenagem, talvez ele possa lembrar outras notícias enguiçadas desde os bons tempos do Jornal do Brasil e do "NoMínimo", em que não podia faltar bom humor, mesmo nos assuntos mais sérios.
Em vez de me xingar e perguntar "e o PT?", os internautas também poderiam colaborar com outras notícias enguiçadas que me escaparam.
Bom final de semana.
Vida que segue
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.