No jogral do Alvorada, réquiem para um governo que acabou antes de começar
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De ternos escuros e usando máscaras, aqueles senhores poderosos marcham entre as sombras das colunas de Niemeyer, rumo ao espelho d´água do Alvorada para fazer um pronunciamento à nação.
Num bem ensaiado jogral, que durou apenas sete minutos, eles fazem juras de amor ao defunto teto de gastos e prometem progresso, desenvolvimento e paz neste país dos mais de 100 mil mortos e mais de 3 milhões de infectados na pandemia, com 25 milhões de brasileiros sem trabalho, e a economia em ruínas.
A assustadora foto de Pedro Ladeira, na Folha desta quinta-feira, é a imagem do réquiem de um governo que acabou antes de começar.
Após uma reunião de emergência com ministros e líderes do governo para discutir a debandada no Ministério da Economia, que deixou Paulo Guedes com a brocha na mão e o mercado em polvorosa, Bolsonaro, Maia e Alcolumbre, nesta ordem, revezaram-se nos microfones para dizer que está tudo bem.
Mas a expressão crispada dos personagens desse teatro do poder revelava exatamente o contrário.
Há uma guerra aberta entre os grupos dos generais comandados por Braga Netto, chefe da Casa Civil, que querem reviver o Brasil Grande de Médici, e o de Paulo Guedes, com o apoio de Maia, que ainda investem nas "reformas estruturais" para controlar os gastos públicos.
Ambos têm o mesmo objetivo: garantir a reeleição de Bolsonaro em 2022, a única preocupação do presidente no momento, além de blindar os filhos.
Quem deu a pista do que havia sido foi discutido na reunião, foi Rodrigo Maia, que ainda não viu nenhum crime de responsabilidade nos mais de 50 pedidos de impeachment sobre os quais sentou:
"E eu acho que, de fato, reafirmando o teto de gastos e a regulamentação dos seus gatilhos, propostas que existem hoje no Senado e na Câmara, vão nos dar as condições de melhor administrar o orçamento".
O segredo da conciliação entre os interesses dos dois grupos está nos tais "gatilhos", que ele não explicou quais são, mas o Centrão sabe: são os atalhos para botar a mão no cofre de Guedes, dando a volta na lei do teto de gastos, sem ninguém perceber, tirando dinheiro dos ministérios e dos fundos públicos.
Só do Ministério da Educação já vão tirar R$ 4,2 bilhões, o que vai inviabilizar o funcionamento das universidades federais, mas ninguém ali está preocupado com isso, nem com as queimadas na Amazônia e no Pantanal.
"Quebramos o Banespa, mas elegemos o Fleury", comemorou o governador paulista Orestes Quércia, um ícone da "velha política", referindo-se ao banco estatal que depois foi privatizado e ao seu sucessor no governo.
É mais ou menos o mesmo que pretendem fazer agora no país, não para eleger o sucessor, mas para reeleger Bolsonaro, que só pensa em viajar pelo país para inaugurar obras que não são do seu governo.
Hoje mesmo, o presidente está em Belém, no Pará, na companhia do ministro Rogério Marinho, agora o maior inimigo de Paulo Guedes, para inaugurar o Porto do Futuro, uma obra em andamento desde 2017, quando Michel Temer era o presidente e o atual governador, Helder Barbalho, o seu ministro da Integração Nacional.
Com a administração do governo entregue nas mãos de Braga Netto e Paulo Guedes, enquanto eles brigam o presidente agora só quer saber de viajar pelo país para visitar e inaugurar obras, correr para os abraços e tirar selfies até em porta de hospital, como fez ontem em São Paulo, ao visitar uma paciente.
Antes de chegar à metade do mandato, sem ter feito nada até agora, além de provocar conflitos, liberar armas e munições, acabar com os radares nas estradas e governar pelo Twitter, o presidente entrou de cabeça na campanha da reeleição.
Sérgio Rodrigues, em sua coluna de hoje na Folha, dá a isso o nome de "caquistocracia" e explica: "É raro um governo sintetizar a podridão de uma sociedade, mas acontece".
Amanhã, Bolsonaro estará no Rio para uma agenda de dois dias, onde participará de eventos militares. Como a sua casa no condomínio Vivendas da Barra já foi desmontada, pernoitará num hotel exclusivo para oficiais do Exército, no Forte de Copacabana.
Desse jeito, não sobra mesmo tempo para governar. De evento em evento, em unidades militares e policiais, ou em igrejas evangélicas, que tomam boa parte da sua agenda, prorrogando o auxílio emergencial e entregando a alma ao Centrão no Congresso, Bolsonaro vai esticando a corda, sem encontrar nenhuma reação da sociedade.
Sobram estoques de cloroquina, mas faltam remédios para intubação em 22 estados, e o que ele tem a ver com isso? O general da Saúde que resolva, não é problema dele.
No "novo governo" Bolsonaro, na versão paz e amor, só a patente não basta, O major Vitor Hugo, por exemplo, foi defenestrado da liderança do governo na Câmara, para dar lugar a Ricardo Barros, do PP (sigla do Partido Progressista!) fundado por Paulo Maluf, onde Bolsonaro passou boa parte da sua vida parlamentar, no baixo clero da Câmara, que agora chegou ao poder.
Esqueçam essa história toda de combate à corrupção e à velha política, liberal na economia e conservador nos costumes, da campanha eleitoral de 2018.
O papo agora é outro. O superministro Sergio Moro agora virou inimigo, o superministro Paulo Guedes tornou-se uma figura decorativa e os generais se subordinaram ao capitão
Esse governo, que acabou antes de começar, agora só tem um projeto: é Bolsonaro 2022. Para quê?
Vida que segue.
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