Contra Doria e a China, Bolsonaro quer reeditar a "Revolta da Vacina"?
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Em seu esforço para fazer o relógio da história girar ao contrário e levar o Brasil de volta ao início do século passado, o capitão Jair Bolsonaro encontrou um novo inimigo: a vacina obrigatória contra a covid-19, defendida por mais de 70% da população, segundo o Datafolha.
Com isso, ele resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só: o governador paulista João Doria, possível concorrente em 2022, e a "vacina comunista" desenvolvida pela China, em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.
Sem outros problemas para se preocupar no momento, parece que ele resolveu reeditar a "Revolta da Vacina", desencadeada contra Oswaldo Cruz, encarregado pelo presidente Rodrigue Alves de erradicar a varíola, a peste bubônica e a febre amarela, doenças que assolavam o Rio de Janeiro, em 1904.
Ao tornar obrigatória a vacinação contra a varíola, o grande sanitarista brasileiro provocou uma revolta popular que, em quatro dias de novembro daquele ano, virou a cidade de pernas para o ar, e deixou um saldo de 30 mortos, 110 feridos, 945 presos e 461 deportados para o Acre.
Como costuma acontecer no Brasil em momentos de crise, um grupo de militares, apoiado por civis, contrariados com a reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira Passos, tentou aproveitar o furdunço para dar um golpe de Estado, o que levou o governo a decretar estado de sítio.
Um diz uma coisa, o outro, outra coisa
"O meu ministro da Saúde já disse claramente que não será obrigatória esta vacina, e ponto final", proclamou Bolsonaro na segunda-feira, dando o assunto por encerrado.
Em São Paulo, como o governador anunciou que a vacinação será obrigatória no estado, de acordo com o artigo 268 do Código Penal, ficamos sem saber a quem obedecer, como aconteceu no distanciamento social da quarentena decretada no início da pandemia.
"Tem que ter comprovação científica. O país que está oferecendo essa vacina tem que primeiro vacinar em massa os seus, depois oferecer para outros países", justificou o presidente.
Muito curioso. O mesmo Bolsonaro que receitou cloroquina para todos como o melhor remédio para combater o coronavírus, mesmo sem comprovação científica, agora quer que a China vacine 1,4 bilhão de habitantes antes de autorizar o seu uso no Brasil.
Vermífugo contra o "terror"
Disposto a combater a vacinação por todos os meios, para defender "a vida do próximo", em discursos no Palácio do Planalto e mensagens nas redes sociais, o presidente agora recomenda um vermífugo para combater o vírus e mira no governador Doria, sem citar o seu nome:
"Não quero acusar ninguém de nada, mas essa pessoa está se arvorando e levando terror perante a população. Ninguém pode, em hipótese alguma, obrigá-las a tomar essa vacina".
Mais de um século atrás, a campanha de Oswaldo Cruz exigia comprovantes de vacinação e previa a aplicação de multas para quem se recusasse a tomá-las, o que deflagrou os protestos contra os serviços públicos e a polícia.
A diferença é que, naquele tempo, quem defendia a vacinação obrigatória era o governo federal, que agora é contra, e não temos mais nenhum Oswaldo Cruz para defendê-la. .
Desta vez, Bolsonaro está na contramão até de Donald Trump, que quer aprovar uma vacina a toque de caixa, qualquer uma, para interromper a sangria nas pesquisas, que anunciam a sua derrota em 3 de novembro. Faltam apenas duas semanas para as eleições nos Estados Unidos. Aqui, ainda faltam dois anos.
Vida que segue.
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