Oito meses entre quatro paredes: vida de repórter vista pela tela da TV
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Em março, na semana do meu aniversário, quando as filhas me deram ordens para não sair de casa (sou do grupo de alto risco), imaginei que a quarentena duraria umas duas semanas. Me preparei para isso.
Mas já se passaram oito meses, e continuo aqui confinado, saindo só para ir ao médico ou ao dentista.
Para quem passou a vida inteira viajando pelo Brasil e pelo mundo, caçando boas histórias para as minhas reportagens, a agonia de não poder sair às ruas só foi aumentando, sem nenhuma previsão de acabar tão cedo.
Sei que não sou o único repórter nesta situação, mas no meu caso é mais doloroso não poder ir lá onde as coisas acontecem, para ver tudo de perto, olhar em volta, descobrir personagens e voltar para a redação com uma história viva na cabeça.
Fiz isso a vida inteira, sempre acompanhado de um fotógrafo como testemunha ocular, porque não sei fazer matérias por telefone. Tenho receio de estar sendo enganado por receber informações de segunda mão, sem ter como checar a veracidade.
Além disso, com o tempo, fui ficando mais surdo e não ouço direito o que os entrevistados estão a me falar. É um perigo para mim — e para eles.
Prisão domiciliar sem tornozeleira
Acompanho agora a vida pela janela da televisão e da internet, o que é muito frustrante, porque não vejo nada a mais do que meus leitores para contar uma novidade a eles.
Jornalismo para mim é contar alguma novidade, algo que os outros não viram, mas nessa minha prisão domiciliar (sem tornozeleira) em que me encontro, como vou poder surpreender o leitor?
"Não me diga...", eles poderão reclamar, ao ler o que escrevo diariamente neste blog, de domingo a domingo, já que todos têm acesso às mesmas informações online, 24 horas por dia em todas as plataformas.
Posso, no máximo, dar a minha versão das coisas, não muito diferente de outros colunistas na mesma situação, dependendo do ponto de vista de cada um.
Eleição fantasma
Vejam, por exemplo, a cobertura das últimas eleições municipais.
Dá a impressão de que todos ganharam e todos perderam. Bolsonaro festejou a vitória dos conservadores e a derrota da esquerda, e Lula comemorou a derrota do bolsonarismo, sem admitir a retumbante derrocada do PT nas maiores cidades do país.
Números e estatísticas podem ser manipulados à vontade por políticos e analistas nesta eleição em que o grande ausente nas reportagens, foi sua excelência, o leitor/eleitor.
Reduzida às redes sociais, com poucos debates e quase sem povo nas ruas, a campanha deste ano parecia uma eleição fantasma, muito por conta da pandemia, é claro, mas senti falta de poder acompanhar de perto o que o eleitorado estava pensando e sentindo sobre as andanças e propostas dos candidatos.
A lambança da apuração pelo TSE, com os ataques das milícias digitais bolsonaristas, fizeram desta eleição a mais triste e desalentada desde a redemocratização, juntando a pandemia sanitária com a política.
Ninguém ganhou. Todos nós perdemos.
Até quando vai durar esse pesadelo?
Vida que segue.
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