Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Polícia paulista vai investigar milícia que atacou protesto na Consolação?
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O grupo era pequeno, não tinha mais do que dez trogloditas, mas era bem organizado e parecia obedecer a um comando numa ação típica de milicianos.
De repente, eles surgiram do nada e começaram a quebrar tudo e botar fogo no que viam pela frente, no final da pacífica e alegre manifestação do movimento "Fora Bolsonaro" na avenida Paulista, que seguiu rumo à rua da Consolação, no começo da noite deste sábado.
Até aquele momento, o que se via eram muitos jovens, negros e mulheres, dançando e cantando músicas de protesto, famílias inteiras, inclusive a minha, em mais um ato pelo impeachment do presidente acusado de genocídio e corrupção. Deixou de ser uma disputa entre direita e esquerda, mas entre civilização e barbárie, grande parte da população se sente sufocada como George Floyd, que desencadeou os protestos do "Black Lives Matter", o estopim da derrota de Donald Trump.
Mais de 600 fardados da Polícia Militar acompanhavam toda a manifestação, desde as três horas da tarde, mas até o momento em que escrevo não há notícia de que algum desses milicianos a soldo no quebra-quebra tenha sido preso.
A PM do governador João Doria (será que ainda é dele?), foi rápida para anunciar que havia apenas 5.500 pessoas naquela grande multidão que ocupou sete quarteirões da avenida Paulista, a maior manifestação nestes tempos de pandemia. Como eles chegaram a essa conta tão minimalista?
Tão rápido quanto a polícia paulista em minimizar a dimensão do protesto, o presidente Jair Bolsonaro publicou imediatamente em suas redes sociais quatro imagens de bancos e pontos de ônibus quebrados e um policial caído no chão, com um texto que ironizava como seria a cobertura da "imprensa lixo" no dia seguinte:
"Nenhum genocídio será apontado. Nenhuma escalada autoritária ou ato antidemocrático será citado. Nenhuma ameaça à democracia será alertada. Nenhuma busca e apreensão será feita. Nenhum sigilo será quebrado. Lembrem-se: nunca foi por saúde ou democracia, sempre foi pelo poder!".
Sim, até que a polícia paulista poderia fazer busca e apreensão e quebrar os sigilos destes criminosos que colocaram em risco a segurança de quem só pedia democracia e vacinas. Mas, antes, teria que descobrir quem são eles e prendê-los.
Desta vez, como os canais de notícias entraram no ar durante todo o dia, com imagens dos protestos promovidos em mais de 340 cidades brasileiras e no exterior, Bolsonaro mudou de estratégia: em vez de minimizar os atos, resolveu resumir tudo ao vandalismo, que só aconteceu em São Paulo, quando a manifestação já estava acabando. Antes disso, a única violência registrada até agora, nos três atos de protesto contra Bolsonaro desde maio, tinha acontecido no Recife, em junho, quando a PM avançou sobre a multidão com balas de borracha e feriu dois homens nos olhos. O comandante da PM, após rápida investigação, foi demitido.
Estranho. Antes que os jornais, que tinham equipes de repórteres e fotógrafos na rua, pudessem preparar as suas edições, Bolsonaro já publicava fotos sobre o que tinha acabado de acontecer e antecipando o que eles não escreveriam sobre os atos de violência, que fizeram lembrar os "Black Blocs" das jornadas de junho de 2013, quando eles também atacavam no final das manifestações, que acabaram murchando.
Quem ameaça a democracia não são as multidões que estão nas ruas contra Bolsonaro, que só querem defendê-la, mas os que agem no escurinho dos palácios e dos gabinetes de ódio, na produção de fake news que alimentam essas milícias virtuais e também reais.
Que tal, da próxima vez, a polícia paulista ficar atenta a quem se infiltra nas manifestações, protegendo vidraças de lojas, pontos de ônibus e estações de metrô para evitar novas depredações?
Criar o caos só interessa a Bolsonaro, não a quem protesta pacificamente contra os desmandos do governo no enfrentamento da pandemia, e agora também é acusado de grossa corrupção civil e militar na compra de vacinas.
Em sua campanha para virar a mesa se perder as eleições, Bolsonaro voltou a atacar a imprensa e as oposições: "Esse tipo de gente quer voltar ao poder por um sistema eleitoral não auditável, ou seja na fraude. Para a grande mídia, tudo normal".
Não, não está tudo normal num país onde o presidente da República coloca em dúvida até a lisura do sistema eleitoral em que foi vitorioso em 2018.
Tem razão meu colega Bernardo Mello Franco que, em sua coluna de hoje no Globo, escreveu sobre a ameaça de golpe se Bolsonaro for derrotado nas urnas, como indicam todas as pesquisas, ao afirmar que "teremos problemas na eleição do ano que vem".
O colunista escreve que "Bolsonaro não consegue disfarçar o medo da cadeia".
De fato, esse medo deve ter aumentado depois de quinta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal abriu novo inquérito para investigar uma "organização criminosa ligada a ataques à democracia", em que são citados os seus três filhos políticos.
Na mesma noite, ele lembrou o exemplo de Janine Añez, que assumiu o poder na Bolívia após a derrubada de Evo Morales. "A presidente que estava lá no mandato-tampão está presa, acusada de atos antidemocráticos. Estão sentindo alguma semelhança com o Brasil?", perguntou Bolsonaro a seus apoiadores no cercadinho do Alvorada, sem esperar resposta. Estranho.
A reeleição agora está significando para Bolsonaro um salvo-conduto para ele e a família. Por isso, está jogando tudo nesse projeto, o único do seu governo.
Como o presidente já avisou, agora vale tudo. Até afrontar, mais uma vez, o STF. O que aconteceu sábado em São Paulo pode ser o primeiro sinal desta nova estratégia.
Se ainda tiver algum poder sobre a sua polícia, o governador João Doria deveria ter o maior interesse em cobrar uma rápida investigação para descobrir quem são esses novos "Black Blocs" milicianos, de onde saíram e a serviço de quem estão operando. O Brasil democrático agradece.
Vida que segue.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.