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Facada 2: Brasil sem presidente entra em recesso com Carluxo no comando

Carlos e Jair Bolsonaro - Reprodução/Instagram
Carlos e Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

15/07/2021 14h12Atualizada em 17/07/2021 14h55

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"Desejo ao presidente que se recupere rápida e plenamente para que possa, enfim, ser responsabilizado pelo governo da morte que preside".

(Thiago Amparo, na Folha, resumindo o sentimento de milhões de brasileiros).

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A primeira viagem do homem à Lua foi um acontecimento inesquecível para quem viveu aquela época. Da segunda, ninguém lembra.

Com o capitão Bolsonaro no hospital para tratar de uma prisão de ventre, o popular "nó nas tripas", o vice general Mourão em viagem a Angola e as instituições entrando em obsequioso recesso de inverno até o final do mês, quem assumiu o comando do Brasil acéfalo foi o filho 02, mais conhecido por Carluxo, que governa as redes sociais da família.

Assim que o presidente deu entrada no Hospital das Forças Armadas em Brasília, na quarta-feira, Carluxo cuidou de preparar o remake do célebre atentado da facada em Juiz de Fora, que deu a vitória a seu pai em 2018, após a prisão de Lula, publicando no Instagram a foto de Bolsonaro estatelado numa maca, com fios espalhados pelo torso nu e cicatrizes na barriga, a mesma imagem que comoveu o país naquela época. Não faltou nem a mão caridosa de um religioso dando a benção, com a mão sobre o seu ombro e um crucifixo no peito.

Na legenda, um aviso: "Estaremos de volta em breve, se Deus quiser. O Brasil é nosso".

Como se fosse o Cristo em seu martírio na cruz, a foto do sofrimento do "Mito" inundou as redes sociais e foi para a capa dos portais e jornais, ganhando todas as manchetes, no momento em que Bolsonaro se via encurralado pela CPI do Senado, com a popularidade na sarjeta, atormentado por uma crise de soluços e de insônia, sem conseguir esboçar qualquer reação. A internação hospitalar caiu do céu e Carluxo não perdeu tempo.

Em seu estilo inconfundível de ghostwriter dos ódios do pai, logo o 02 fez do limão uma limonada e transformou o caso médico em instrumento da luta eleitoral nesta mensagem assinada por Jair Bolsonaro:

"Mais um desafio, consequência da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros, que queriam mudanças para o Brasil. Um atentado cruel não só contra mim, mas contra a nossa democracia".

A operação de guerra que se montou para a transferência do presidente de Brasília para um hospital em São Paulo foi acompanhada ao vivo pela televisão durante horas, dando maior dramaticidade ao remake da facada, que virou a segunda viagem do homem à Lua. Os trajetos nas ambulâncias foram acompanhados por helicópteros das emissoras de notícias.

A anunciada "cirurgia de emergência" foi logo descartada, após os primeiros exames, e substituída por um "tratamento clínico conservador", que poderia muito bem ser feito em Brasília, sem todo o alvoroço que se criou com o translado para o Vila Nova Star, o hospital paulista "seis estrelas" que mais parece um hotel de luxo.

Carluxo, não por acaso, foi o único filho que acompanhou o presidente na viagem, enquanto os outros davam entrevistas em Brasília sobre diferentes graus de gravidade da doença. Flávio achava o quadro preocupante, mas Eduardo atribuiu o mal-estar do pai a um caqui que comeu no jantar da véspera.

Quem melhor resumiu o quadro foi o repórter Igor Gielow, em análise publicada na Folha: "Doente, presidente se vende como mártir - Crise ocorre em momento de pressão aguda, que inclui temor de prisão do filho e Lula líder de pesquisas para 2022".

O filho citado por Gielow, também não por acaso, é o 02 das milícias digitais: "Bolsonaro temia que ele (Alexandre Moraes, ministro do STF) estivesse prestes a decretar a prisão de Carlos Bolsonaro no inquérito das fake news".

Em se tratando dos Bolsonaros, nunca se sabe o que é real, fantasia ou mania de perseguição, mas é conhecido o pavor que todos têm da Justiça. Afinal, eles sabem bem o que fizeram nos verões passados para chegar ao poder, no comando da fantástica fábrica de notícias falsas sobre inimigos reais ou imaginários, investigada pelo ministro Moraes.

Por uma dessas ironias da vida, Olavo de Carvalho, o guru da família, que lhe deu régua e compasso, também está internado num hospital em São Paulo, onde é atendido pelo SUS, o sistema público de saúde tão combatido por esses "liberais".

Um dia a conta sempre chega.

Vida que segue.