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Exército investe em "kit manicure" e brindes para o gabinete do comandante

Comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira: compra de mimos para as visitas custará R$ 580 mil - Reprodução/Youtube/Exército
Comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira: compra de mimos para as visitas custará R$ 580 mil Imagem: Reprodução/Youtube/Exército

Colunista do UOL

17/01/2022 16h02

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Para melhorar a imagem da instituição, que anda meio abalada, depois de três anos de divisão do poder com Bolsonaro, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, resolveu investir na compra de brindes para distribuir a quem o visita em seu gabinete.

Ninguém mais vai sair de mãos abanando do gabinete, após a Operação Relações Públicas, que vai custar R$ 580 mil ao Tesouro Nacional, o que é quase nada, convenhamos, perto do orçamento secreto e do fundo partidário para agradar parlamentares.

Quem trouxe essa novidade a público foi o jornalista Robson Bonin, da bem informada coluna Radar, da revista Veja.

Tudo foi pensado nos mínimos detalhes na licitação para a compra dos mimos, como relata a matéria:

* A lista inclui 50 "kits manicure" com nove peças e estojo de couro sintético preto, com parte interna de veludo, ao preço total de 2.744 reais, o que daria para comprar apenas duas picanhas para os churrascos no Alvorada.

* Entre os presentes mais caros estão caixas de chá em madeira laqueada, que sairão por 600 reais cada. A compra poderá chegar a dez caixas, a um custo total de 6 mil reais, o que corresponde ao pagamento do Auxílio Brasil para 15 famílias passarem o mês.

* O comandante pediu também estojos com taças de vinho e compartimento para garrafa de 750ml. Não se informou a marca e o preço do vinho.

* O brinde mais valioso entre todos será um "troféu estandarte" do comandante do Exército, que sairá por R$ 710 cada um. A compra inclui até 20 desses troféus, no valor total de 14.200 reais, o equivalente a 35 cotas de Auxilio Brasil, a nova marca do Bolsa Família.

* Da lista constam ainda medalhas (como eles gostam de medalhas!), bolsas, mouses e conjuntos de xícaras.

No edital para a compra, o Exército informou que se trata de "material de apoio e divulgação institucional, para atender necessidades do Gabinete do Comandante do Exército". Ficamos felizes em saber.

Toda vez que leio uma notícia dessas sobre as despesas militares, lembro-me logo do escândalo que foi a publicação de uma série de reportagens sobre as "mordomias" dos ministros e outras altas autoridades federais, que coordenei para o Estadão, nos anos 1970, durante o governo Geisel. O Brasil, até então sob censura prévia, não tinha ideia dos privilégios concedidos à casta dos "superfuncionários" civis e militares do governo que fizeram de Brasília uma ilha da fantasia.

"Mordomias" era a rubrica do Diário Oficial dedicada às compras de comes e bebes para as despensas de casas de autoridades, quartéis e gabinetes, que só gostavam de coisas finas, como acontece até hoje, tudo por nossa conta (a reportagem completa está no arquivo eletrônico do jornal).

De lá para cá, tivemos outro governo militar, aquele do inesquecível general João Figueiredo, que saiu pelos fundos do Palácio do Planalto para não passar a faixa presidencial a José Sarney, o primeiro presidente civil após a ditadura, mas essa farra nunca foi contida. Tem vida própria, virou coisa nossa, como o Carnaval.

No momento em que o país vive a mais grave crise econômica e social da sua história recente, o mais triste dessas denúncias, que vira e mexe pipocam na imprensa, com toneladas de filé, picanha, salmão e camarão, além de hectolitros de cerveja e uísque, já não provocam nenhuma reação no Congresso e na sociedade, ao contrário do que aconteceu com as "mordomias", em 1976, que me levaram a deixar o país por algum tempo.

Fico pensando no que aconteceria hoje se tivéssemos um novo "Caso Herzog", em que um jornalista, o Vlado, foi assassinado sob tortura no DOI-Codi do coronel Brilhante Ustra, o herói dos militares que voltaram ao poder com Bolsonaro. Aconteceria nada, lamento dizer.

Não temos mais um cardeal como D. Paulo Evaristo Arns, um jornalista como Audálio Dantas, um reverendo como Jaime Wright, um rabino como Henry Sobel, que se uniram corajosamente diante das tropas, num ato ecumênico na Catedral da Sé, para dar um basta às torturas e às mortes, um divisor de águas que acabou levando o Brasil de volta à democracia, muitos anos depois.

Claro que essas compras de brindes para o gabinete do general Paulo Sergio são uma bobagem perto da tragédia que vivemos hoje no país, com a pandemia do vírus, da fome e de um governo desatinado, mas tudo faz parte da mesma pungente história de um país em que alguns poucos mandam, e podem tudo, e os outros obedecem, sem direito à cidadania.

Vida que recomeça, mas tem que esperar até outubro, pelo menos.

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