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Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Hiago é só mais um jovem negro morto pela polícia na Pátria Armada, Brasil

Hiago Bastos, de 21 anos, foi baleado nesta segunda-feira em Niterói (RJ) quando vendia doces na estação das barcas - Arquivo Pessoal
Hiago Bastos, de 21 anos, foi baleado nesta segunda-feira em Niterói (RJ) quando vendia doces na estação das barcas Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista do UOL

15/02/2022 16h21

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Nesta de terra de ninguém, sem lei e sem governo, em que se transformou o Brasil da Pátria Armada do bolsonarismo, cenas de barbárie tornaram-se rotina diária, já nem merecem capa de jornal.

No meio de uma confusão em frente à estação das barcas, no centro de Niterói, no começo da tarde desta segunda-feira, um policial decidiu resolver o problema a bala, sem pedir documentos.

Como de costume, o alvo só poderia ser um jovem negro, pobre e favelado, que vendia doces em frente à estação, de manhã à noite, para juntar o dinheiro que precisava para bancar a festa de dois anos da filha, no fim da semana.

Hiago Macedo de Oliveira Bastos, 22 anos, que estava desarmado, nem sabe por que morreu. Foi apenas mais uma vítima desta guerra sem fim que não era dele, por reclamar da forma como o policial abordou um outro vendedor. Escreveu, não leu, leva bala, com direito a "excludente de ilicitude", é claro.

O autor do disparo, segundo testemunhas, foi um policial militar, que não estava em serviço, e seria segurança do Plaza Shopping.

No conflagrado estado do Rio, já não dá para saber quem é policial, segurança ou miliciano, está tudo junto e misturado, com a livre circulação de armas e munições, agora com o bangue-bangue oficializado pelo governo.

O atirador teve sua arma apreendida e foi levado para a Delegacia de Homicídios, identificado como sargento PM Carlos Arnaud da Silva Júnior. Vão agora instaurar um "rigoroso inquérito", que se juntará à pilha de outros crimes cujas vítimas quase sempre são negros em busca da sobrevivência, 134 anos após o fim da escravidão, que nunca acabou.

Logo a Polícia Militar já daria sua versão: o policial assassino teria reagido a uma tentativa de furto na praça Arariboia e "levou um susto" quando foi interpelado pelo jovem negro, sumariamente condenado à morte.

A defesa certamente vai alegar que o criminoso agiu "sob forte emoção, em legítima defesa", embora só ele estivesse armado. E tudo será logo esquecido.

Mas desta vez houve uma forte reação popular, com familiares e colegas de Hiago, e passageiros das barcas, armando um protesto contra a violência policial. Na sequência, chegou a tropa da Guarda Municipal de Niterói para jogar spray de pimenta contra os manifestantes, que atingiu uma criança de colo.

"Todo dia uma pessoa é morta no estado do Rio por ser preta. Durval, Moïse, Kathlen, João Pedro, Ágatha. Não é mais possível continuar vivendo sob essa tragédia do racismo", escreveu a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ).

E ainda tem gente defendendo a tese de que não existe racismo estrutural no Brasil, pois os brancos inocentes apenas reagem à violência dos negros malvados.

Só falta agora revogar a Lei Áurea.

Por falar nisso, quem mandou matar Marielle?

Vida que segue.