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OPINIÃO

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Armas para todos: o tiro de Milton Ribeiro mostra perigos que nós corremos

Porte de arma de Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação, que deu tiro acidental em aeroporto - Reprodução
Porte de arma de Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação, que deu tiro acidental em aeroporto Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

27/04/2022 14h41Atualizada em 29/04/2022 12h44

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Com mais jeito de inspetor de alunos, daqueles velhos gibis de Walt Disney, calvo, de óculos e bigodinho, o pastor Milton Ribeiro poderia ter voltado para o anonimato, de onde nunca deveria ter saído, após sua desastrosa passagem como quarto ministro da Educação do governo Bolsonaro (teve um que só durou cinco dias e nem chegou a ser empossado), se um fato imprevisto não o levasse de novo às manchetes esta semana.

Ao abrir sua pasta, no balcão do check-in do aeroporto, o pastor deixou aparecer uma pistola carregada e foi instado pela atendente a desmuniciá-lo, o que deveria ter feito antes, no posto da Polícia Federal. Mas autoridade é autoridade.

Ao manusear a arma dentro da pasta, ouviu-se o barulho de um tiro, que deixou duas pessoas feridas levemente com estilhaços de vidro.

A Polícia Federal registrou assim a ocorrência: "O declarante, com medo de expor sua arma de fogo publicamente no balcão, tentou desmuniciá-la dentro da pasta, ocasião em que ocorreu o disparo acidental". Medo de quê? De passar vergonha?

Até então, não havia nos 2,4 milhões de resultados com o nome Milton Ribeiro no Google nenhuma referência ao seu gosto por armas. Apresentado na internet como pastor presbiteriano, teólogo, advogado e professor brasileiro, antes de virar ministro da Educação, Ribeiro foi vice-reitor da Universidade Mackenzie e membro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, um cidadão acima de qualquer suspeita.

Foi defenestrado do cargo por seu envolvimento com um misterioso "gabinete paralelo" formado por pastores indicados pelo presidente da República, para a distribuição de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE), que tiveram seus nomes envolvidos em denúncias de corrupção.

Se não fosse o tiro acidental no aeroporto, nunca ficaríamos sabendo que o nobre pastor andava armado desde 2020, quando assumiu o ministério da Educação". Por qual motivo? Sofria ameaças?

Como escreveu Josias de Souza, meu vizinho aqui no UOL, em sua coluna: "Ou Milton Ribeiro prova que é o que ninguém suspeitava ou o país está diante de uma fraude que fez de um evangélico descuidado um atirador precário, capaz de disparar uma pistola Glock 9 mm no saguão de um aeroporto".

Acho a segunda hipótese mais provável, e me pergunto: quantos outros pastores e bolsonaristas armados não estarão neste momento circulando por aí livremente, sem a gente saber? Pode ser um pacato passageiro sentado a teu lado no metrô, um professor ou aluno em sala de aula, o porteiro do teu prédio, o lanterninha do cinema, a vizinha de apartamento que tem três cachorros ou o elegante executivo que vai embarcar na tua frente no avião. Nunca se sabe.

O que se sabe é que todo essa munição nas mãos da população civil, com a série de decretos e portarias do governo liberando o uso e porte de armas para o "povo não ser escravizado", coloca em risco a vida de todos nós. Só falta o ex-ministro vir a público para esclarecer este episódio.

O objetivo parece ser esse mesmo: desencadear uma guerra de todos contra todos, um bangue-bangue generalizado, e instalar o caos, para entrarem em ação os eternos salvadores da pátria de sempre, encarregados de restabelecer a democracia, a ordem e o progresso, salve, salve.

Em tempo: por falar nisso, fiquei sabendo pela Folha/UOL que o condenado e perdoado deputado Daniel Silveira, aquele mesmo, acaba de ser nomeado vice-presidente da Comissão de Segurança da Câmara, em mais uma afronta ao Supremo Tribunal Federal. Estamos bem.

O que falta ainda? Dá para levar esse país a sério?

Vida que segue.