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OPINIÃO

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O golpe já foi dado, e faz tempo

O presidente do STF, ministro Luiz Fux (à esq.), e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, em reunião no STF - Nelson Jr./SCO/STF
O presidente do STF, ministro Luiz Fux (à esq.), e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, em reunião no STF Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Colunista do UOL

04/05/2022 14h28

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"Vai ter golpe", profetiza Mariliz Pereira Jorge, em sua coluna de hoje na Folha, um desabafo lírico e pungente sobre a grande tragédia brasileira, na qual até o amanhã querem cancelar, como você escreveu no final.

Lamento informar, minha cara colega Mariliz, mas o golpe na democracia já foi dado, e faz tempo.

Lentamente, um pouco mais a cada dia, desde a sua posse, sem precisar de tanques e canhões, mas apenas ameaçando colocar a tropa na rua e se cercando de generais, o capitão presidente Jair Bolsonaro foi destruindo por dentro uma a uma as instituições brasileiras, colocando sob seu controle os órgãos de controle encarregados de zelar pela Constituição e pelo Estado Democrático de Direito.

Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Advocacia Geral da União, presidentes da Câmara e do Senado, etc: tudo agora faz parte do governo para defender o presidente, sua família e seus aliados, tornando-os inimputáveis, com o único objetivo de garantir a reeleição do presidente. Danem-se as leis que regem o processo eleitoral.

Se isso não for possível no voto, então que seja na marra, e se cancele ou anule a eleição. É essa a síntese das últimas manifestações do capitão e seus generais, colocando novamente em dúvida a segurança das urnas eletrônicas, como vimos nos protestos bolsonaristas de 1º de Maio.

Só faltava controlar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, que são os próximos territórios a ser conquistados, com o apoio das Forças Armadas e do Centrão, o novo eixo do poder em Brasília.

Mas isso já está acontecendo após a nomeação de ministros terrivelmente bolsonaristas para o STF, como mostra o colunista Bruno Boghossian, na mesma edição da Folha. São só dois até agora, mas eles podem travar indefinidamente as votações do tribunal, pedindo vistas nos processos, como já estão fazendo. Um terceiro ministro deverá ser nomeado proximamente para o TSE.

Se alguém ainda tiver alguma dúvida sobre a escalada do governo contra o Judiciário e a democracia, leia esta reportagem de Weslley Galzo, no Estadão desta quarta-feira: "Militares fazem 88 questionamentos ao TSE e repetem discurso de Bolsonaro".

"A maioria das perguntas reproduz o discurso eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, que tem colocado em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e mantido a própria atuação da Corte sob suspeita", informa o jornal.

Antes de prosseguir, eu gostaria de perguntar: em que outro país civilizado as Forças Armadas são tutoras do processo eleitoral?

O absurdo chega a tal ponto que o próprio presidente revelou, no último dia 27, um dos absurdos contidos nos "questionamentos" dos militares: a montagem de uma sala de apuração paralela que possa ser monitorada pelas Forças Armadas. Bolsonaro defendeu a instalação de "um computador paralelo das Forças Armadas, para contar os votos no Brasil".

Que beleeeza!", como diria o Milton Leite. Quer dizer que agora, ao anunciar o resultado da eleição, o presidente do TSE precisará ter a seu lado o general de Divisão do Exército Heber Garcia Portella, indicado para a Comissão de Transparência do tribunal por outro general, Braga Netto, que era ministro da Defesa, e agora é cotado para ser o vice do capitão na chapa oficial.

Ficaremos, portanto, aguardando o "aprovo" do general Portella para saber quem será aclamado o próximo presidente da República na noite do dia 2 de outubro? E se ele não aprovar o resultado?

Tudo isso agora é noticiado com a maior naturalidade, sem nenhuma contestação da mídia e dos chamados poderes constituídos, com raras exceções.

Onde mais, no mundo democrático, fora da época de guerra, o ministro da Defesa é chamado para participar de reuniões com os presidentes do Judiciário e do Legislativo para discutir o papel das Forças Armadas nas eleições?

Fica cada vez mais claro que Bolsonaro está disposto a dilapidar o Tesouro Nacional para comprar a reeleição no voto, deixando a conta para o próximo presidente, com a doce complacência do ministro Paulo Guedes, mas se não for ele o eleito, já tem preparado seu plano B: melar o jogo, criando cada vez mais insegurança em torno das urnas eletrônicas, apesar de jamais nunca terem sido constatadas fraudes no sistema de votação, desde que foram implantadas, nos anos 90 do século passado.

O objetivo declarado é só criar mais confusão, para não encarar os problemas reais do país na campanha eleitoral.

Me perdoem, mas isso não é normal.

Por isso, repito: o golpe já foi dado. Bolsonaro sonha em ser um novo Putin, controlando os Três Poderes.

O lema dele é: vencer ou vencer.

"Brasil acorda, vamos continuar nessa?", pergunta o leitor Carlos Telles, na área de comentários da Folha.

Favor enviar respostas para ele nesta coluna.

Vida que segue.