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OPINIÃO

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11 de Agosto une gerações, revive Diretas Já e será o novo divisor de águas

11.ago.2022 - Milhares de pessoas se concentram diante do prédio da Faculdade de Direito da USP, centro de São Paulo, durante o ato em defesa da democracia - Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo
11.ago.2022 - Milhares de pessoas se concentram diante do prédio da Faculdade de Direito da USP, centro de São Paulo, durante o ato em defesa da democracia Imagem: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

11/08/2022 15h15Atualizada em 11/08/2022 18h27

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"Hoje é um outro momento, um momento grandioso, eu diria talvez inédito, em que capital e trabalho se juntam em defesa da democracia. Acho que nós estamos celebrando aqui, com alegria, com entusiasmo, com esperança e com certeza, o hino à democracia", disse o jurista José Carlos Dias, 83 anos, um dos signatários da Carta aos Brasileiros contra a ditadura militar, de 1977, ao iniciar a leitura da nova carta em defesa da democracia e do Estado de Direito, no mesmo local, a lendária Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Foi um dia histórico. Assim como em 1977 e 1984, a sociedade civil brasileira ficou novamente de pé nesta quinta-feira, 11 de agosto de 2022, unindo classes sociais e gerações, para dar um basta ao golpismo bolsonarista, sem citar o nome do capitão presidente, pois não precisava. Só ao final da leitura das cartas por várias vozes, antes da execução do Hino Nacional, ecoou o coro gritando em uníssino "Fora, Bolsonaro!", dentro e fora das Arcadas, onde milhares de pessoas acompanharam a celebração da democracia em telões.

Não estive lá 45 anos atrás, porque vivia fora do país, como tantos brasileiros, nem hoje, devido a dificuldades de locomoção, por causa da idade, mas é como se estivesse, graças à bela cobertura ao vivo da GloboNews, algo que não tivemos nas Diretas Já, quando a maior parte da imprensa tentou esconder as grandes manifestações populares até quase o final.

Além da transmissão pela TV a cabo e, em parte, também pela Globo, o emocionante ato da São Francisco pode ser visto em dezenas de universidades pelo país afora, que retransmitiram o sinal cedido pela Faculdade de Direito da USP, cada uma fazendo suas próprias manifestações em favor do Estado de Direito (o UOL também fez essa transmissão ao vivo na íntegra).

TV a cabo e internet não existiam naquela época, mas uma coisa não mudou: a extensa cobertura da Folha, que ficou conhecida como o "jornal das Diretas", em 1984) e hoje dedicou um caderno inteiro às "Cartas pela Democracia".

Quem também não mudou foi o incansável José Carlos Dias, que em entrevista ao jornal definiu o significado desta data e foi direto ao ponto: "Estamos na boca das eleições. O Brasil tem que tomar um rumo. Ou vamos ter a ditadura pelo voto, se vier a reeleição, ou vamos ter o exercício da democracia pela oposição".

Assim como a campanha das Diretas Já foi um divisor de águas entre a ditadura e a democracia para a minha geração, este 11 de Agosto também poderá ser visto no futuro pela geração dos meus netos como o dia em que o Brasil avisou ao capitão e seus generais que este país tem dono, o povo brasileiro, e não será nunca mais uma terra de ninguém, onde impera apenas a lei do mais forte.

Mais do que lembranças dos velhos amigos que revi pela televisão, o que mais me emocionou foram os discursos de duas jovens negras, Bruna Brelaz, do Amazonas, presidente da União Nacional dos Estudantes (a UNE velha de guerra), e Manuela Moraes, presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, um dos organizadores do ato.

As duas, filhas das cotas raciais que promoveram a inclusão de novos setores sociais nas faculdades, antes ocupadas majoritariamente por jovens brancos e ricos, cobraram a defesa da democracia real, que não se limita às eleições e às urnas eletrônicas, mas exige o combate permanente à profunda desigualdade social, para democratizar também as oportunidades de emprego e renda, e ao preconceito contra as minorias, estimulado pelo atual governo.

Bolsonaro vai passar, mas o bolsonarismo sobreviverá a ele, para manter o país no atraso e promover o retrocesso institucional, seja qual for o novo governante.

Como vários oradores falaram, o país precisa se manter em vigília cívica, antes e depois das eleições de outubro, para defender nossas conquistas civilizatórias ora ameaçadas.

Pela reação escalafobética de Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil e líder do Centrão, o governo acusou o golpe (sem trocadilho), mas não se dará por vencido. Ao contrário, vai dobrar a aposta na radicalização da campanha eleitoral. Por isso, foram tão importantes as manifestações desta quinta-feira, que mostraram uma sociedade civil, desarmada mas coesa, disposta a resistir aos ataques autoritários.

Vida que segue.

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