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OPINIÃO

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Bancada ruralista mostra a sua força ao encurralar o governo no Congresso

Previsto para julgamento no STF, em junho, marco temporal das áreas indígenas é de especial interesse da bancada ruralista, que já derrotou o governo esta semana. - Foto: Guilherme Mendes/Congresso em Foco
Previsto para julgamento no STF, em junho, marco temporal das áreas indígenas é de especial interesse da bancada ruralista, que já derrotou o governo esta semana. Imagem: Foto: Guilherme Mendes/Congresso em Foco

Colunista do UOL

27/05/2023 18h24

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Com 251 deputados federais e 31 senadores, praticamente a metade dos parlamentares com cadeiras no Congresso Nacional, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também chamada de bancada ruralista ou do boi, deu mais uma demonstração de força esta semana, ao derrubar na Comissão Especial Mista a Medida Provisória do governo Lula que reformula a estrutura da Esplanada, com a criação de novos ministérios, e aprovar o texto substitutivo do relator Isnaldo Bulhões Junior (MDB-AL).

O principal objetivo da comissão foi desmontar as políticas ambientais e indígenas prometidas pelo novo governo, ainda durante a campanha, para combater o desmatamento e promover a demarcação de terras dos povos originários ameaçados de extinção no governo anterior. Os ministérios mais atingidos com as mudanças no texto original foram os do Meio Ambiente, de Marina Silva, e o dos Povos Indígenas, de Sonia Guajajara, que colocam obstáculos ao desmatamento na Amazônia para a abertura de novas frentes agrícolas e combatem a invasão das terras indígenas por várias frentes do crime organizado, alvo de cobiça dos ruralistas e garimpeiros. .

Inspirada na União Democrática Ruralista (UDR), entidade de extrema-direita comandada por Ronaldo Caiado, atual governador de Goiás, a ideia da formação de uma bancada ruralista surgiu durante a Assembleia Nacional Constituinte para barrar as propostas de reforma agrária, até hoje sua principal finalidade. O Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra, por isso mesmo, passou a ser seu principal inimigo.

Donos de terra, gado e gente sempre tiveram forte poder no parlamento brasileiro desde o Império, mesmo com a progressiva industrialização e urbanização do país após a Segunda Guerra. Correndo em raia própria ou aliados às bancadas da Biblia, do boi e da bala, os chamados ruralistas estão sempre na linha de frente do ataque aos direitos sociombientais em geral, e aos avanços civilizatórios, o que explica por que o país tem ainda mais de 1 milhão de trabalhadores em regime análogo à escravidão e o Brasil nunca conseguiu fazer uma reforma agrária para valer.

Márcio Santilli, fundador do Instituto Socioambiental, constata que "a bancada ruralista foi muito fortalecida durante o governo Bolsonaro, seja através da destinação de recursos vultuosos às suas bases, com o chamado orçamento secreto, seja pelo controle assumido sobre vários órgãos públicos - Incra, Ibama, ICMBIO, Funai, etc - por meio da indicação de seus dirigentes nacionais e representantes regionais. Participa ativamente das iniciativas de desmonte das políticas e restrição de recursos destinados à área socioambiental".

Na lista oficial de parlamentares integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, destacam-se nomes como o de Arthur Lira, presidente da Câmara e principal líder do Centrão, Aécio Neves, ex-governador de Minas e deputado, os bolsonaristas do PL Bia Kicis, Carla Zambelli, Caroline de Toni e até o cassado e condenado Daniel Silveira, entre delegados, pastores e militares e policiais de diferentes patentes (general, coronel, major, capitão e até subtenente), Não encontrei na lista o nome de nenhum parlamentar que seja líder ou representante declarado do chamado agronegócio moderno

Filiados a 12 partidos na Câmara e a 6 no Senado, esses parlamentares têm os mais variados perfis, não necessariamente ligados à agropecuária, do ator Alexandre Frota ao líder do PT, Zeca Dirceu, partido frequentemente atacado pelo presidente da FNA. Pedro Lupion, que esta semana qualificou o presidente Lula como "muito agressivo com o agronegócio".

Entre eles, como não podia deixar de ser, está o deputado Isnaldo Bulhões Junior (MDB-AL), 46 anos, um advogado herdeiro de tradicional família política de Alagoas, eleito deputado federal em 2018 na onda bolsonarista. Quem é ele?

Um ano antes de ir para a Câmara, ainda como deputado estadual, Isnaldo Bulhões Junior foi condenado com outras cinco pessoas por improbidade administrativa pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, no âmbito da Operação Taturana, que investigava desvio de dinheiro público na Assembleia Legislativa de Alagoas. Os condenados foram acusados de pagar empréstimos pessoais milionários com recursos da Assembleia, gerando prejuízo ao patrimônio público de R$ 729.923, 31. À época, o deputado Bulhões Junior afirmou-se inocente e que recorreria da decisão.

Nas eleições de 2018 e 2022, o então candidato a deputado federal declarou não possuir bens à Justiça Eleitoral. Em 2014, data da última prestação de contas, declarou possuir R$ 45 mil em bens. Atualmente, ele é investigado pelo Tribunal de Justiça de Alagoas pelos crimes de falsidade ideológica e enriquecimento ilícito.

Embora os dirigentes ruralistas repitam sempre em sua defesa que é o campo que sustenta o Brasil, no ano passado, a agropecuária teve uma participação de 24,8% no PIB, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq/USP, índice quase igual ao da indústria (23,9%), mostrando que também na economia, como na política, o Brasil está rachado ao meio entre o país agrícola, que nunca deixamos de ser, e o industrial em franco declínio.

Ficamos assim, então: quem manda chover e fazer sol no Congresso é o Centrão de Arhur Lira. E quem domina o Centrão? São as bancadas ruralista, evangélica e da bala, principal base de apoio do bolsonarismo, que deu um susto no governo esta semana e que está longe de morrer. Lula que se cuide.

Vida que segue.