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Tem corpo até 5 metros abaixo do barro, conta bombeiro enviado a Petrópolis
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Na manhã do sábado (19), o tenente-coronel Roberto Wanderley, do Corpo de Bombeiros de Alagoas, viajou para Petrópolis (RJ) com mais três militares e dois cães treinados para ajudar nas buscas de vítimas da tragédia na cidade serrana do Rio de Janeiro. Até a noite de ontem, a cidade tinha contabilizado mais 190 mortos e 60 desaparecidos.
Em 20 anos de carreira, o militar conta que participou de várias ações de resgate, como a das enchentes de Alagoas em 2010, que deixaram 70 mil desabrigados. Mas nunca tinha visto uma destruição parecida ao que está vendo agora, no Rio.
Em uma tragédia dessa dimensão é a primeira vez que atuo. Foi muito barro, têm pessoas a uma distância de 3 a 5 metros debaixo dele
Roberto Wanderlei, bombeiro de Alagoas
Os militares que viajaram são cinotécnicos (atuam no comando de cães treinados para operações especiais). São eles que tomam conta do cão Rex e da cadela Rory, dois cães de resgate treinados para localizar pessoas —vivas ou mortas. "O pedido feito aos corpos de bombeiros do país foi por cães para ajudar nessas buscas, e nós estamos aqui dando esse suporte", diz.
Divisão por áreas
Desde o início do trabalho, no domingo pela manhã, a jornada diária dos militares dura em torno de 12 horas. "A gente fica pronto às 6h e começa o trabalho umas 6h40 e fica até 19h. Não é ininterrupto porque paramos para comer, e o cachorro não pode trabalhar direto, precisa de pausa e aí tem esse revezamento", conta o militar.
Segundo Roberto, para as buscas, o Corpo de Bombeiros do Rio dividiu Petrópolis em quatro áreas, cada uma com subáreas identificadas por letras do alfabeto grego. Como a região dos deslizamentos é muito grande, os militares estão realizando buscas em locais apontados por amigos ou familiares como o último local onde as pessoas desaparecidas foram vistas.
Estamos indo no ponto focal das vítimas reclamadas. Por exemplo: quando alguém dá por falta de uma pessoa, elas entram em contato e pontuam a informação onde a vítima estava. Aí vai uma equipe lá, pega essas informações da testemunha --que normalmente converge com o que vamos achar. Fazemos um croqui e começamos a imaginar como foi o deslizamento e onde a vítima poderia estar. Fazemos isso porque são áreas gigantes, para não cavar em vão
Roberto Wanderlei, bombeiro de Alagoas
Cães são fundamentais para resgate
É nesse momento que Rex e Rory entram em ação e começam a farejar o local. "Quando eles sentem algo, sinalizam. Isso ajuda porque reduz muito o trabalho manual. Com a informação, a gente vai direto no local onde o cachorro sinalizou", diz.
No primeiro dia das buscas, diz o tenente-coronel, os cães de Alagoas localizaram uma vítima. Mas a missão deles está sendo mais difícil do que o esperado. Além da extensão da área, Petrópolis ainda tem muitos momentos de chuva, que fazem as equipes paralisarem as operações por risco das áreas terem novos deslizamentos.
Além disso, o tempo fez com que muitas áreas ficassem como petrificadas. "Com o passar dos dias, o terreno vai ficando mais rígido. Tanto o concreto, como o barro, eles selam toda a passagem de ar. E para os cães sentirem o odor, eles precisam de uma passagem de ar", conta.
Para ajudar, os militares fazem alguns furos com varetas para que o cão possa indicar algum vestígio. "Muitas vezes ele sente um cheiro distante, fica em dúvida e não late, mas muda de comportamento. Aí o cachorreiro [como é chamado militar que acompanha o cão] percebe e sabe que pode ter algo ali. Então é demarcada aquela área para buscas", conta.
Há ainda desafios próprios da operação. Por exemplo: tem pontos em que há somente uma vítima e a área de busca é imensa. "É como procurar uma agulha no palheiro. O cachorro muitas vezes não consegue sinalizar exatamente, porque são corpos com 4, 5 metros de barro em cima dela. Nesses casos, o cão acaba não sendo tão eficiente", completa.
Nesse caso de corpos mais profundos, o trabalho passa a ser feito com ajuda uma retroescavadeira e um caminhão. "Mas é um trabalho que tem de ir devagar, e se achar um corpo, não pode mais passar a máquina para não danificar", explica.
Por conta da força da lama que desceu as encostas, ele diz que alguns corpos estão sendo encontrados dilacerados. Além disso, pelo passar dos dias, há um estado de putrefação avançado, que ajuda a decompor ainda mais os corpos.
A quantidade de barro que caiu foi muito grande, têm corpos que tiveram braço, perna amputados. E os corpos estão em estágio de putrefação alto. O cheiro é forte. Quando o cão desconfia, a gente vai cavando e já sobe o cheiro que a gente percebe. Já faz uma semana, é muito tempo
Roberto Wanderlei, bombeiro de Alagoas
O tamanho do estrago causado pelas chuvas foi tão grande que o militar acredita que os trabalhos de busca devem durar até pelo menos maio. "É negócio para dois ou três meses, até porque está chovendo quase todo dia quase e à noite há dificuldades de iluminação", diz. Segundo o Corpo de Bombeiros do Rio, choveu 258,6 milímetros em apenas 3 horas, mais que o esperado para todo o mês de fevereiro.
População ajuda
Uma das coisas que mais emociona as equipes, diz Roberto, é o apoio da população aos militares. Segundo ele, as pessoas têm ajudado não só com informações, mas com apoio e levando água e café a todo instante para quem está trabalhando.
"A gente está almoçando no local, e é a população que leva a comida. Impressionante, são pessoas muito solidárias, a cidade se uniu em torno da causa. Sem contar que tem aqueles voluntários para ajudar. Nesse caso, a gente permite essa ajuda em uma zona segura. E elas ajudam mesmo, passando balde para retirar barro", informa.
Nesse período, um dos moradores emocionou o tenente-coronel.
"Tinha um homem ali querendo ajudar, e cheguei perto e perguntei quem estava no local para ele estar ali. Ele disse 'minha esposa grávida e meus dois filhos'. Ele estava com os olhos mareados, meio que em estado de choque. A gente percebeu isso e pediu para ele ficar lá sentado. Foi um momento marcante. São pessoas que a gente sabe que vão precisar de apoio psicológico
Roberto Wanderlei, bombeiro de Alagoas
Um dos cuidados dos bombeiros é evitar que pessoas tirem fotos de corpos encontrados. "São corpos muitas vezes já destruídos, não seria legal chegar a imagem a uma família. Como seria para esse homem ver a foto do filho dele morto circulando em WhatsApp? Estamos atuando preocupados com isso, tendo todo cuidado, e as pessoas estão entendendo", completa.
A equipe da qual o tenente-coronel faz parte tem data para voltar: o próximo domingo. Ao todo serão sete dias de operações dos alagoanos em terras cariocas. "Com certeza deixará um legado em nossas vidas e muito aprendizado", finaliza.
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