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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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"Foi rápido e assustador", diz mãe de filha transplantada do fígado em PE

Hospital Oswaldo Cruz, no Recife, onde Iasmim passou por transplante - Divulgação
Hospital Oswaldo Cruz, no Recife, onde Iasmim passou por transplante Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

21/05/2022 11h54

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A mãe da adolescente de 14 anos que precisou passar por um transplante hepático por causa de uma hepatite aguda de origem misteriosa conta que levou um susto, há 15 dias, quando viu os olhos amarelados da filha.

Ao ver a situação da filha, que apresentava também episódios de dor abdominal e dor de cabeça, Lucineide da Conceição e o pai levaram Maria Iasmim a uma unidade de saúde em Arcoverde, próxima ao município de Ibimirim (a 338 km do Recife, no sertão pernambucano), onde moram no sítio Bruaca.

No sábado, dia 7, em Arcoverde, teve início a investigação. "O médico aconselhou levar a uma unidade melhor para fazer exames, porque lá não tinha o que fazer. Ela ficou nervosa, chorou e pediu para não levar. No dia ela não tinha dor de barriga, não tinha diarreia, não tinha vômito, então a levamos para casa", diz.

No caso, ela passou a ouvir pessoas próximas e tentou tratamentos caseiros para melhorar a icterícia —que é um dos sintomas característicos da hepatite de origem ainda desconhecida. Também estava com a urina escura.

"Dei bastante água de coco, melancia. Demos remédios caseiros Mas quando foi na sexta da outra semana ela passou muito mal. À meia-noite, estava com muita fome, sendo que ela tinha jantado bem à noite", lembra.

Eu sabia que não era ela com fome, era a doença. Ela é saudável, não tem hábito de comer à noite E ela estava com muita sonolência, fraqueza e foi piorando."
Lucineide da Conceição

No dia seguinte, Iasmim —uma menina que era extremamente saudável e faz o 9º ano do ensino fundamental— vomitou muito. "Depois disso, amanheceu o dia e a gente foi para Caruaru saber o que era que estava ocorrendo", lembra.

Lá, eles precisaram passar por duas unidades de saúde até que fossem a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), em que um médico indicou que o caso era grave e a encaminhou para o Hospital Mestre Vitalino, referência para atendimento desses casos no agreste pernambucano.

"No Mestre Vitalino foi uma benção, ela já foi direto para os exames. Colheram sangue, e o diretor da unidade acompanhou de perto o caso e, após a ressonância, ele disse iria encaminhar a menina para o Recife, porque trata-se de um transplante", diz.

A partir dali foi tudo muito rápido. Na quarta-feira, ao chegar no Hospital Escola Oswaldo Cruz, os médicos hepatologistas Américo Gusmão e Cláudio Lacerda já a encaminharam para a lista prioritária de transplante diante da gravidade do quadro e falência do órgão.

"Eu estava meio que dopada [com a notícia do transplante], na mão de Deus", conta Lucineide.

Américo Gusmão e Cláudio Lacerda  - Marília Falcão/HUOC - Marília Falcão/HUOC
Américo Gusmão e Cláudio Lacerda coordenaram o transplante nessa tarde
Imagem: Marília Falcão/HUOC

O transplante

Ontem, Iasmim passou pelo transplante de fígado hoje no Hospital Oswaldo Cruz. A menina recebeu um fígado captado no estado do Paraná e transportado pela FAB (Força Aérea Brasileira) até o Recife.

A paciente passou pelo transplante com uma equipe composta por 20 especialistas da unidade. Segundo o hospital, a cirurgia foi bem-sucedida.

Em boletim médico divulgado hoje, o Hospital Oswaldo Cruz informou que Iasmim encontra-se internada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e apresenta quadro clínico estável, com boa evolução.

"Está acordando. Não precisa de medicamento para manter a pressão arterial. Lembrando que a paciente foi transplantada em estado de coma. Continua entubada (procedimento normal). Seus exames laboratoriais mostram que o fígado, assim como os demais órgãos, já funcionam adequadamente", diz o boletim.

Ainda segundo a nota, a equipe está otimista na expectativa de que possa tirar a paciente da intubação até amanhã e que ela retome completamente a consciência. Ainda não há previsão de alta da UTI.

Vírus da Hepatite C - BSIP/Colaborador Getty Images - BSIP/Colaborador Getty Images
Imagem: BSIP/Colaborador Getty Images

Casos só crescem

Os casos da doença começaram a surgir em abril no Reino Unido e rapidamente se espalharam pela Europa. Ainda no mês passado, EUA e Israel relataram casos, que já estão hoje espalhados pelo mundo.

Até ontem, o Brasil registrou 73 casos suspeitos da hepatite misteriosa em 13 estados. No mundo, esse número já chega a 429. Em Pernambuco, são seis casos registrados da doença, cinco que ainda seguem em investigação e um descartado.

A nova manifestação da hepatite elevou a gravidade das hepatites já conhecidas. Na Europa, as crianças têm necessidade de transplante de fígado em um a cada dez casos, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde).

"Temos [nos vírus já conhecidos de hepatite] um caso entre mil e 10 mil que pode evoluir para forma fulminante. Esse percentual de um a cada 10 é grande, indica uma doença bem mais grave que a que vemos hoje", afirma o professor e hepatologista do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará) José Milton de Castro Lima.

A nova hepatite aguda tem causado em crianças sintomas gastrointestinais, incluindo dor abdominal, diarreia e vômitos e aumento dos níveis de enzimas hepáticas, além de icterícia e ausência de febre.

O mistério da hepatite ocorre porque os vírus comuns que causam hepatite viral aguda (A, B, C, D e E) não foram detectados em nenhum dos casos.

De acordo com as investigações no Reino Unido, o adenovírus pode estar associado à transmissão. "Entre 163 casos do Reino Unido, 126 foram testados para adenovírus, dos quais 91 tiveram adenovírus detectado [72%]. Entre casos, o adenovírus foi detectado principalmente no sangue", afirma documento da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.

Uma das hipóteses estudadas é que o adenovírus tenha adquirido uma mudança de patogenicidade em crianças que tenham tido contato com o novo coronavírus. Entretanto, estudos estão em andamento para definir.

No caso de Iasmim, a mãe afirma que nem ela nem as pessoas da casa dela tiveram covid-19.