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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Homem morto pela polícia em SE perguntou 'por que isso?', diz sobrinho

Colunista do UOL

26/05/2022 12h51Atualizada em 26/05/2022 13h33

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O sobrinho de Genivaldo de Jesus Santos, o homem negro de 38 anos morto asfixiado no porta-malas de uma viatura ontem por agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal), em Umbaúba (SE), afirmou que familiares tentaram a todo instante informar que a vítima tinha problemas cardíacos e mentais e que ela apenas perguntava "por que estão fazendo isso?" aos policiais.

O caso gerou uma comoção na cidade, que realizou hoje um protesto contra a violência. Um inquérito foi aberto hoje pela Polícia Federal para investigar a ação policial.

Wallison de Jesus Santos disse à coluna que acompanhou de perto toda a ação da PRF. "Presenciei toda a cena, estava a dez metros do lugar que aconteceu", relata.

Ele deu detalhes sobre a abordagem e dos momentos anteriores à colocação de seu tio no porta-malas do carro, onde ele foi morto asfixiado por um gás (ainda não identificado pela perícia).

Genivaldo foi colocado no porta-malas da viatura junto com uma granada de gás, segundo testemunhas - Reprodução - Reprodução
Genivaldo foi colocado no porta-malas da viatura junto com uma granada de gás, segundo testemunhas
Imagem: Reprodução

O sobrinho contou que os policiais deram ordem para Genivaldo parar com a moto quando ele estava na BR-101 —o que, segundo ele, foi prontamente obedecida pela vítima. "Ele parou, colocou a moto no tripé e atendeu todos os comandos", disse.

Wallison contou que os policiais então pediram para que ele levantasse a camisa, o que também foi feito pela vítima. "Aí ele falou ao policial que estava com os remédios [para o transtorno mental] no bolso e tinha a receita médica para indicar que tinha problemas mentais", afirma.

Nesse momento, ao ver o início de uma truculência, afirmou o sobrinho, foi feito um primeiro alerta dele aos policiais de que Genivaldo tinha problemas mentais.

Policiais imobilizam Genivaldo na BR 101, em Umbaúba (SE) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Policiais imobilizam Genivaldo na BR 101, em Umbaúba (SE)
Imagem: Arquivo pessoal

"A gente pediu para pegar leve, que ele ia atender o que eles pedissem. Mas o policial chamou reforço no microfone, e chegaram mais dois policiais em seguida", lembra.

Quando os dois policiais chegaram, Wallison afirma que começou uma série de agressões, mesmo com seu tio já rendido e imobilizado. "Pegaram os braços deles, começaram a chutar as pernas e ele só perguntando: 'por que isso?' 'Por que estão fazendo isso comigo?", conta.

Ao ver a atuação, segundo o sobrinha, testemunhas voltaram a alertar os policiais que Genivaldo tinha problemas mentais e também cardíacos. "O policial só pedia para gente se afastar, e aí começou uma sessão de tortura. Quiseram colocar algema nele, e não coube. Pegaram então uma fita lá dentro e amarraram as pernas dele. Começaram a pisar na cabeça e nas pernas dele", afirma.

Toda a ação policial foi gravada por ele e por testemunhas. Apesar dos alertas e comoção da população —que se aglomerava para ver as cenas de truculência—, os policiais decidiram colocar a vítima na viatura.

"Foi aí que eles pegaram uma granada de gás, estouraram e seguraram a tampa lá com ele dentro. Informamos o tempo todo que ele tinha problemas de coração e mentais. Mas eles continuaram a tortura, mandando todo mundo se afastar", diz.

Minha mãe chegou ao local, se apresentou com os documentos dele, e eles seguiram com meu tio [dentro da mala], na maior maçada. Foi então que engataram o reboque e saíram em cortejo com meu tio na pista, bem devagarzinho.
Wallison de Jesus Santos

A família, ao ver a detenção, foi até a delegacia da cidade esperar que chegassem, mas percebeu que algo estava errado quando a viatura passou direto e foi até a unidade de saúde próxima.

"A gente foi ver o que estava ocorrendo com ele, e a porta do consultório onde ele estaria estava fechada. Não deixaram a gente entrar. A mulher dele então chegou nervosa, forçou a porta e, quando abriu, vimos que tinha um policial fazendo massagem cardíaca. Ou seja, ele já estava sem vida lá dentro", conta.

Policiais realizam ação truculenta na frente de populares - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Policiais realizam ação truculenta na frente de populares
Imagem: Arquivo pessoal

Laudo aponta asfixia

O laudo preliminar do IML (Instituto Médico Legal) aponta que a morte tem sinais de asfixia. "Foi identificado de forma preliminar que a vítima teve como causa mortis insuficiência aguda secundária a asfixia", diz o instituto, em comunicado.

"A asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões. Essa obstrução pode se dar através de diversos fatores e nesse primeiro momento não foi possível estabelecer a causa imediata da asfixia, nem como ela ocorreu", acrescenta o IML.

O instituto não explica o que poderia ter causado e no que consiste a "insuficiência aguda secundária" citada na nota.

O MPF (Ministério Público Federal) de Sergipe informou que instaurou procedimento para acompanhar as investigações. "Inicialmente, requisitou informações à Delegacia de Polícia Civil de Umbaúba. Solicitou à Polícia Federal que instaure inquérito e também solicitou à PRF informações sobre processo administrativo instaurado para fins de apuração da abordagem policial. O prazo para os órgãos enviarem resposta ao MPF é de 48 horas", diz nota.

A prefeitura de Umbaúba repudiou a ação da PRF e a morte de Genivaldo e publicou nota oficial.

Técnicas e instrumentos para "agressividade"

Por meio de nota oficial encaminhada à imprensa, a PRF de Sergipe diz lamentar o fato e informa que foi aberto procedimento disciplinar para averiguar a conduta dos policiais envolvidos.

A equipe também registrou a ocorrência junto à Polícia Judiciária, que irá apurar o caso. Segundo a nota, durante uma ação policial realizada na BR-101, em Umbaúba (SE), um homem de 38 anos "resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe da PRF".

A corporação afirmou que, em razão de sua "agressividade", foram empregadas "técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à delegacia da polícia civil da cidade".

A PRF, porém, não explica quais seriam essas técnicas e instrumentos. Ainda de acordo com a nota oficial, durante o deslocamento até a delegacia "o abordado veio a passar mal e foi socorrido de imediato ao Hospital José Nailson Moura, onde foi posteriormente atendido e constatado o óbito".