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Carlos Madeiro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nem tragédias unem mais rivais na política e o que isso diz sobre o Brasil

Prefeito Mano Medeiros (PL), de Jaboatão dos Guararapes (PL), o único bolsonarista da Grande Recife - Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes
Prefeito Mano Medeiros (PL), de Jaboatão dos Guararapes (PL), o único bolsonarista da Grande Recife Imagem: Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

Colunista do UOL

02/06/2022 04h00Atualizada em 02/06/2022 06h55

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Foi-se o tempo em que as tragédias faziam políticos rivais darem uma pausa na disputa em prol de um bem comum: ajudar da forma mais organizada possível as pessoas atingidas por um desastre.

As recentes tragédias das chuvas em Alagoas e Pernambuco revelam que, na "nova política", a união parece um sonho distante. Agora, é a disputa de "quem faz mais" que se sobrepõe à ideia de que uma mão ajuda a outra.

Descoordenados, os dois estados caminham como entes separados. No caso de Pernambuco, a Presidência da República está em descompasso com o governo estadual. Em Alagoas, a briga dos grupos políticos liderados pelo senador Renan Calheiros (MDB) e pelo deputado federal Arthur Lira (PP) contaminou as relações entre o estado e a Prefeitura de Maceió, que não dialogam mais.

Na última segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou o Recife e fez um sobrevoo a algumas das áreas atingidas pelas chuvas. Tanto no voo como na coletiva, foi notada a ausência do governador Paulo Câmara e do prefeito João Campos (PSB).

O governo do estado informou que não foi chamado nem Câmara recebeu um telefonema do presidente para se solidarizar após a tragédia que matou mais de cem pessoas.

Em sua fala, Bolsonaro retrucou e disse que não era preciso convite e que o governador não foi porque não quis. "Ele preferiu ficar em casa", chegou a dizer.

Ainda na coletiva, um fato chamou a atenção: Bolsonaro anunciou que o primeiro município contemplado com verba federal foi Jaboatão dos Guararapes, justamente a única prefeitura que tem o prefeito alinhado ao bolsonarismo. O argumento oficial foi que o prefeito Mano Medeiros (PL) foi o primeiro a pedir. Ele também foi o único a ir ao encontro do presidente.

Em Pernambuco, o PSB governa o estado há 15 anos com apoio ao PT, e Bolsonaro tenta emplacar seu candidato na eleição de outubro: justamente o ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes até março, Anderson Ferreira (PL).

Já do lado PSB-PT, Danilo Cabral (PSB) será candidato ao governo para manter a hegemonia socialista, com a petista e deputada estadual Tereza Leitão (PT) disputando o Senado.

Lula, ladeado por Paulo Câmara e Danilo Cabral - RICARDO STUCKERT      - RICARDO STUCKERT
Lula, ladeado por Paulo Câmara e Danilo Cabral
Imagem: RICARDO STUCKERT

Racha alagoano tem comando de Brasília

Em Alagoas, o racha é local, mas não impediu que os governantes atuassem de maneira isolada e tentassem ligar a aliados a ajuda às mais de 18 mil pessoas que ficaram desabrigadas e desalojadas.

O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o JHC (PSB), correu para Brasília. Graças à "viabilidade" do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), se reuniu com o ministro do Desenvolvimento Regional, Daniel Ferreira. Fez questão de citar isso nas suas redes sociais e marcar o presidente da Câmara e a sua mãe, a senadora em exercício Eudócia Caldas (PSB).

Também tem circulado na cidade visitando o abrigo público e locais atingidos com senador licenciado Rodrigo Cunha (União), que será candidato ao governo com seu apoio.

Na outra cadeira, do Executivo estadual, o governador Paulo Dantas (MDB) montou um gabinete que atua de forma quase paralela, sem diálogo com o chefe do Executivo da capital. Ele, então, fez sobrevoo e visitou cidades do interior —especialmente as comandadas por prefeitos aliados.

Paulo Dantas fala a Feliz Deserto em live promovida por prefeitura aliada - Reprodução - Reprodução
Paulo Dantas fala a Feliz Deserto em live promovida por prefeitura aliada
Imagem: Reprodução

Em Feliz Deserto, por exemplo, teve direito a uma live junto com a prefeita Rosiana Beltrão (MDB) para falar das ações do governo sobre as consequências das chuvas.

Em nenhum momento até aqui, JHC e Dantas se encontraram ou conversaram sobre os estragos das chuvas na capital, onde mais de 500 pessoas foram desalojadas ou desabrigadas.

O prefeito de Maceió não foi nem às reuniões com os prefeitos de cidades atingidas promovidas pelo governo do estado.

Segundo apurou a coluna, o governador chegou a ligar para JHC, mas ele não atendeu nem respondeu as mensagens. A coluna também não obteve a informação do lado municipal.

"Moda" nova

Mas nem sempre essa reação às tragédias foi assim. Siameses em rios e problemas gerados pelas chuvas, Alagoas e Pernambuco passaram juntos por pelo menos três momentos de tragédia na década passada, em governos federais diferentes.

Nas chuvas que causaram estragos em 2010, 2011 e 2017, houve união de Poderes, mesmo em momentos de divergência, para ajudar a população.

Lula e Teotonio Vilela (de camisa branca, primeiro à esquerda) visitam Rio Largo em 2010  - Ricardo Stuckert/Governo Federal - Ricardo Stuckert/Governo Federal
Lula e Teotonio Vilela (de camisa branca, primeiro à esquerda) visitam Rio Largo em 2010
Imagem: Ricardo Stuckert/Governo Federal

No caso de 2010, quando Alagoas e Pernambuco viveram a maior enchente do século, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva veio aos dois estados e se reuniu com prefeitos e governadores de ambos.

À época, ressalte-se, Alagoas era governada pelo PSDB, que fazia oposição ao PT e tinha lançado o nome de José Serra para concorrer à Presidência.

Em 2011, já com Dilma Rousseff, uma nova enchente nas mesmas regiões também causou prejuízos, e houve conversas com os governadores, que alinharam obras a serem feitas.

No caso de 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) também veio aos dois estados e se reuniu com prefeitos e governadores dos dois estados.

No caso de Alagoas, os então prefeito de Maceió, Rui Palmeira (PSD), e o governador Renan Filho (MDB) eram ferrenhos adversários políticos e nem se falavam. Porém, deixaram as divergências de lado, foram ao encontro do presidente e reuniram esforços para atender os desabrigados.

À época, o pai do governador, o senador Renan Calheiros, era um dos maiores opositores de Temer —o que não o impediu de vir.

28.mai.2017 - O presidente Michel Temer viajou neste domingo (28) a Maceió para tratar da situação de enchente em Alagoas. À direita de Temer, estão Rui Palmeira, prefeito de Maceió, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Ao lado esquerdo do presidente, Eunício Oliveira, presidente do Senado, Torquato Jardim, ministro da Justiça. Em frente ao presidente, Renan Filho, governo de Alagoas, ao lado de Maurício Quintela, ministro dos Transportes  - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
28.mai.2017 - Temer e, à direita, Rui Palmeira, ex-prefeito de Maceió; e Rodrigo Maia, presidente da Câmara. À esquerda, Eunício Oliveira, ex-presidente do Senado; Torquato Jardim, ex-ministro da Justiça e Renan Filho
Imagem: Beto Macário/UOL

"Espera-se maturidade"

"Não era para ser assim, mas não surpreende. Isso reflete bem o clima político do momento", diz o cientista político Arthur Leandro Alves da Silva, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Ele diz que nem mesmo no auge da pandemia, quando o país chegou a superar as 3.000 mortes por dia, o presidente reduziu o discurso agressivo e procurou apaziguar ânimos com os governos —que, segundo ele, "teimavam" em tomar medidas baseadas nas recomendações da saúde.

"Bolsonaro tem o jeito de fazer política e tem uma grande contribuição a essa dificuldade de articulação nesse momento da tragédia", cita.

O presidente está nesse seu mandato sem articulações com governadores, e a maior parte do tempo em rota de colisão. Não houve melhoria do presidente com os governos regionais, a linguagem sempre foi de confronto."
Arthur Leandro Alves da Silva, da UFPE

Presidente Jair Bolsonaro: estilo de governar sem dálogo - Pedro Ladeira - 31.mar.22/Folhapress - Pedro Ladeira - 31.mar.22/Folhapress
Presidente Jair Bolsonaro: estilo de governar sem diálogo
Imagem: Pedro Ladeira - 31.mar.22/Folhapress

Sobre o cenário pernambucano, o cientista diz que há um interesse político por trás da vinda dele a Pernambuco e dos ataques ao governo de Paulo Câmara.

"Estamos em uma campanha, e os atos refletem as alianças e movimentações políticas para eleição. O presidente tem interesse em Pernambuco e tenta desqualificar a ação do governo na tragédia. Ele tem os nomes ligados a ele interessados nisso também", destaca.

Na visita ao Recife, Bolsonaro disse que faltou iniciativa ao governador.

A cientista política e professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) Luciana Santana diz que em um momento como esse é inadmissível colocar divergências acima do povo.

"Independentemente das disputas políticas, é esperado que os governantes tenham maturidade para lidar com problemas que estão no cotidiano da população e que precisa de resoluções emergenciais", afirma.

No caso de Alagoas, ela concorda que, por trás das atuações solo, está o interesse em obter ganhos eleitorais.

"Por trás dessa estratégia, está colocar o jogo político na frente dos interesses das pessoas. São as vaidades nesse xadrez político, em embates claros do grupo do Arthur Lira —que está com JHC e com Rodrigo— com o de Renan Calheiros —que está com o governador", afirma.

Isso não deveria acontecer, deveria ser resolvido da melhor maneira possível para que a população não fosse penalizada com a situação."
Luciana Santana, da Ufal