Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Nem tragédias unem mais rivais na política e o que isso diz sobre o Brasil
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Foi-se o tempo em que as tragédias faziam políticos rivais darem uma pausa na disputa em prol de um bem comum: ajudar da forma mais organizada possível as pessoas atingidas por um desastre.
As recentes tragédias das chuvas em Alagoas e Pernambuco revelam que, na "nova política", a união parece um sonho distante. Agora, é a disputa de "quem faz mais" que se sobrepõe à ideia de que uma mão ajuda a outra.
Descoordenados, os dois estados caminham como entes separados. No caso de Pernambuco, a Presidência da República está em descompasso com o governo estadual. Em Alagoas, a briga dos grupos políticos liderados pelo senador Renan Calheiros (MDB) e pelo deputado federal Arthur Lira (PP) contaminou as relações entre o estado e a Prefeitura de Maceió, que não dialogam mais.
Na última segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou o Recife e fez um sobrevoo a algumas das áreas atingidas pelas chuvas. Tanto no voo como na coletiva, foi notada a ausência do governador Paulo Câmara e do prefeito João Campos (PSB).
O governo do estado informou que não foi chamado nem Câmara recebeu um telefonema do presidente para se solidarizar após a tragédia que matou mais de cem pessoas.
Em sua fala, Bolsonaro retrucou e disse que não era preciso convite e que o governador não foi porque não quis. "Ele preferiu ficar em casa", chegou a dizer.
Ainda na coletiva, um fato chamou a atenção: Bolsonaro anunciou que o primeiro município contemplado com verba federal foi Jaboatão dos Guararapes, justamente a única prefeitura que tem o prefeito alinhado ao bolsonarismo. O argumento oficial foi que o prefeito Mano Medeiros (PL) foi o primeiro a pedir. Ele também foi o único a ir ao encontro do presidente.
Em Pernambuco, o PSB governa o estado há 15 anos com apoio ao PT, e Bolsonaro tenta emplacar seu candidato na eleição de outubro: justamente o ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes até março, Anderson Ferreira (PL).
Já do lado PSB-PT, Danilo Cabral (PSB) será candidato ao governo para manter a hegemonia socialista, com a petista e deputada estadual Tereza Leitão (PT) disputando o Senado.
Racha alagoano tem comando de Brasília
Em Alagoas, o racha é local, mas não impediu que os governantes atuassem de maneira isolada e tentassem ligar a aliados a ajuda às mais de 18 mil pessoas que ficaram desabrigadas e desalojadas.
O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o JHC (PSB), correu para Brasília. Graças à "viabilidade" do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), se reuniu com o ministro do Desenvolvimento Regional, Daniel Ferreira. Fez questão de citar isso nas suas redes sociais e marcar o presidente da Câmara e a sua mãe, a senadora em exercício Eudócia Caldas (PSB).
Também tem circulado na cidade visitando o abrigo público e locais atingidos com senador licenciado Rodrigo Cunha (União), que será candidato ao governo com seu apoio.
Na outra cadeira, do Executivo estadual, o governador Paulo Dantas (MDB) montou um gabinete que atua de forma quase paralela, sem diálogo com o chefe do Executivo da capital. Ele, então, fez sobrevoo e visitou cidades do interior —especialmente as comandadas por prefeitos aliados.
Em Feliz Deserto, por exemplo, teve direito a uma live junto com a prefeita Rosiana Beltrão (MDB) para falar das ações do governo sobre as consequências das chuvas.
Em nenhum momento até aqui, JHC e Dantas se encontraram ou conversaram sobre os estragos das chuvas na capital, onde mais de 500 pessoas foram desalojadas ou desabrigadas.
O prefeito de Maceió não foi nem às reuniões com os prefeitos de cidades atingidas promovidas pelo governo do estado.
Segundo apurou a coluna, o governador chegou a ligar para JHC, mas ele não atendeu nem respondeu as mensagens. A coluna também não obteve a informação do lado municipal.
"Moda" nova
Mas nem sempre essa reação às tragédias foi assim. Siameses em rios e problemas gerados pelas chuvas, Alagoas e Pernambuco passaram juntos por pelo menos três momentos de tragédia na década passada, em governos federais diferentes.
Nas chuvas que causaram estragos em 2010, 2011 e 2017, houve união de Poderes, mesmo em momentos de divergência, para ajudar a população.
No caso de 2010, quando Alagoas e Pernambuco viveram a maior enchente do século, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva veio aos dois estados e se reuniu com prefeitos e governadores de ambos.
À época, ressalte-se, Alagoas era governada pelo PSDB, que fazia oposição ao PT e tinha lançado o nome de José Serra para concorrer à Presidência.
Em 2011, já com Dilma Rousseff, uma nova enchente nas mesmas regiões também causou prejuízos, e houve conversas com os governadores, que alinharam obras a serem feitas.
No caso de 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) também veio aos dois estados e se reuniu com prefeitos e governadores dos dois estados.
No caso de Alagoas, os então prefeito de Maceió, Rui Palmeira (PSD), e o governador Renan Filho (MDB) eram ferrenhos adversários políticos e nem se falavam. Porém, deixaram as divergências de lado, foram ao encontro do presidente e reuniram esforços para atender os desabrigados.
À época, o pai do governador, o senador Renan Calheiros, era um dos maiores opositores de Temer —o que não o impediu de vir.
"Espera-se maturidade"
"Não era para ser assim, mas não surpreende. Isso reflete bem o clima político do momento", diz o cientista político Arthur Leandro Alves da Silva, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Ele diz que nem mesmo no auge da pandemia, quando o país chegou a superar as 3.000 mortes por dia, o presidente reduziu o discurso agressivo e procurou apaziguar ânimos com os governos —que, segundo ele, "teimavam" em tomar medidas baseadas nas recomendações da saúde.
"Bolsonaro tem o jeito de fazer política e tem uma grande contribuição a essa dificuldade de articulação nesse momento da tragédia", cita.
O presidente está nesse seu mandato sem articulações com governadores, e a maior parte do tempo em rota de colisão. Não houve melhoria do presidente com os governos regionais, a linguagem sempre foi de confronto."
Arthur Leandro Alves da Silva, da UFPE
Sobre o cenário pernambucano, o cientista diz que há um interesse político por trás da vinda dele a Pernambuco e dos ataques ao governo de Paulo Câmara.
"Estamos em uma campanha, e os atos refletem as alianças e movimentações políticas para eleição. O presidente tem interesse em Pernambuco e tenta desqualificar a ação do governo na tragédia. Ele tem os nomes ligados a ele interessados nisso também", destaca.
Na visita ao Recife, Bolsonaro disse que faltou iniciativa ao governador.
A cientista política e professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) Luciana Santana diz que em um momento como esse é inadmissível colocar divergências acima do povo.
"Independentemente das disputas políticas, é esperado que os governantes tenham maturidade para lidar com problemas que estão no cotidiano da população e que precisa de resoluções emergenciais", afirma.
No caso de Alagoas, ela concorda que, por trás das atuações solo, está o interesse em obter ganhos eleitorais.
"Por trás dessa estratégia, está colocar o jogo político na frente dos interesses das pessoas. São as vaidades nesse xadrez político, em embates claros do grupo do Arthur Lira —que está com JHC e com Rodrigo— com o de Renan Calheiros —que está com o governador", afirma.
Isso não deveria acontecer, deveria ser resolvido da melhor maneira possível para que a população não fosse penalizada com a situação."
Luciana Santana, da Ufal
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.