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'Todo ano é um não': a luta por verba à ciência dentro do governo Bolsonaro
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Os principais chefes federais da ciência e das agências de fomento e pesquisa do país afirmam que estão travando uma luta —até certo ponto inglória— para tentar sensibilizar a área econômica do governo de Jair Bolsonaro (PL) a colocar mais recursos no setor, suprindo assim as carências e reajustando valores das bolsas.
Professores, pesquisadores e representantes de entidades científicas nacionais receberam os responsáveis do governo federal na segunda-feira (25), primeiro dia da reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) —que congrega 170 das maiores entidades acadêmicas e científicas do país. O evento ocorre até sábado na UnB (Universidade de Brasília).
O primeiro a participar do evento, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Paulo Alvim, reconheceu que a pasta tem lutado, mas encontra dificuldades em conseguir mais recursos federais para a ciência.
"Nosso maior desafio é capital humano. Há quatro anos, a gente pede abertura de concurso para o ministério [da Economia], e todo ano recebe um não", diz.
"A gente precisa de mais pesquisadores, e temos desafios —no caso do governo federal— do valor das bolsas. Esse é um esforço que estamos conduzindo", completa.
Hoje no país, o valor de uma bolsa de mestrado é de R$ 1.500 ao mês, e de doutorado, R$ 2.200. O valor não é reajustado desde 2013 (de lá para cá a inflação alcançou 78%, segundo dados do IPCA).
"É inegável. Nove anos sem recomposição de valor de bolsa chega ao absurdo", disse Alvim, para uma plateia de professores, pesquisadores e alunos de todo o país que participam do evento.
Alvim cita que já foi feito um estudo pela pasta para propor um aumento do valor da bolsa —sem informar quanto. "No orçamento do ministério nós alocamos mais recursos para bolsas do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. Em paralelo, encaminhamos um pedido de extrateto com portfólio de justificativas", diz, ainda sem saber se será atendido.
Para formular o orçamento do ano que vem, afirma, a pasta fez algo diferente. "Descobrimos que podemos utilizar a figura do temporário."
Mas é preciso ter orçamento. "Para a LOA [Lei Orçamentária Anual] de 2023, aumentamos o orçamento das nossas unidades de pesquisa para que elas possam fazer contratações temporárias como forma de recompor. São contratos de oito anos, e com isso vamos recompor em parte as equipes", diz, citando que o governo vai ampliar recursos em infraestrutura.
"Estamos prevendo mais recursos, com um novo patamar do FNDTC [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] de R$ 1 bilhão por ano para infraestrutura", conta.
Um outro ponto citado por ele foi o desemprego de cientistas brasileiros. "Preocupa-nos muito o esforço que o país faz para formar formar mestre e doutores, e a estatística que temos é que 25% estão desempregados Para isso, a bolsa do programa RHAE [Recursos Humanos em Áreas Estratégica] vai ajudar a resolver", conta.
A bolsa citada é destinada a apoiar a inserção de pesquisadores em empresas inovadoras e startups.
Além disso, dados obtidos pelo UOL revelaram queda de 17,5% no número de bolsistas contemplados pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e de 16,2% pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Alvim, porém, negou cortes de bolsas do CNPq. "Quando fazemos ajuste no orçamento, fazemos corte na carne, privilegiando os recursos finalísticos das unidades de pesquisa e preservando as bolsas do CNPq", afirmou.
Retrocessos e cortes
Não bastasse tudo isso, ele cita os bloqueios executados no fundo. "A gente executou R$ 2 bilhões do FNDTC neste ano [de um total de R$ 4,5 bilhões previstos], quando formos surpreendidos com o bloqueio temporário", afirma.
Alvim alega que está conversando com o setor econômico e diz que tem avançado.
Esse recurso não pode ser bloqueado. Posso adiantar que paulatinamente receberemos esses recursos e conseguiremos cumprir a programação aprovada e que está sendo executada pelas agências."
Paulo Alvim, ministro
A presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao MEC, Claudia Mansani Toledo, também participou de uma mesa-redonda e disse que tem tentado atuar pelo órgão para cobrar mais recursos.
"Temos que proibir o retrocesso e pensar na imposição vinculante de aperfeiçoamento", afirma.
Ela também citou o estudo para dar reajuste de bolsas e criticou a falta de reajustes. "Tivemos uma reunião conjunta hoje [segunda-feira], e falamos que é ultrajante esse valor de bolsas de mestrado e doutorado. Perfilamos o mesmo entendimento [de necessidade de reajuste], e estuda-se até em extra teto", afirma.
Evaldo Ferreira Vilela, diretor do CNPq, falou que o país tem tido dificuldades historicamente, "desde o Império", para definir um projeto de Brasil na área de ciência e que é preciso mudar isso.
"Eu não fui eleito pelo povo para dizer o que é importante para o Brasil; eu digo como cientista. Quem tem de dizer o que é são aqueles que são eleitos por nós: o Congresso e o governo em si", diz.
Essa questão passa por termos uma ciência valorizada no nosso país. Isso é uma questão estratégica, e temos de ter a ligação da ciência com o mercado, com a sociedade, com a produção e com a soberania."
Evaldo Ferreira Vilela, diretor do CNPq
Ciência critica política nacional
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, reconheceu os esforços mas se mostrou cético em relação às promessas de avanço. "Nenhum de nós acha que o ministério é responsável por isso. Ficamos contentes com dinheiro do FNDCT, mas nossa preocupação é se esse dinheiro vai surgir", afirma, citando o bloqueio do governo ao fundo.
Sem dinheiro e sem reajuste das bolsas, Janine diz que o Brasil tem convivido com um êxodo de cientistas. "O êxodo de cérebros nunca foi tradição no nosso país. O nosso pessoal faz de tudo para ficar, mas não podemos ter um doutor com publicações que viva com uma bolsa de pós-doutorado [entre R$ 4,1 e 4,4 mil], sem direito a contar para aposentadoria", afirma.
A presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), Helena Nader, reconheceu o esforço de quem comanda os órgãos, mas citou que não há vontade política em alterar o cenário.
"Está faltando na mesa quem verdadeiramente manda, que é o Ministério da Economia", diz.
Ela ainda relata que a situação tende a piorar porque os cortes do MEC impedem o universitário pobre de seguir na universidade.
"Eles não vão chegar lá na frente, cortaram os auxílios de permanência de jovens carentes, negros e indígenas. Temos vagas hoje porque, sem o recurso para manutenção, eles não conseguem ficar. Acabou aquela mobilidade linda, de estudantes do Sul que iam para o Norte."
O Brasil continua achando que ciência e tecnologia são gastos, enquanto o resto do mundo chama de investimento. Aqui a gente cita a Bolsa de Valores como investimento."
Helena Nader, presidente da ABC
Procurado pela coluna, o Ministério da Economia disse que não tinha informações sobre a ideia de reajuste da bolsas no país citada pelos integrantes do governo.
Sobre as negativas a concurso no MCTI, informou que as solicitações de autorização são "analisadas individualmente pelo Ministério da Economia, considerando, entre outros, o orçamento disponível, as prioridades governamentais e o atendimento aos requisitos legais".
Sobre o bloqueio de R$ 2,5 bilhões no MCTI, a pasta afirmou que o valor foi concentrado no FNDCT. "Com a não aprovação de parte do PLN 17, esse valor terá de ser desbloqueado."
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