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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Ação acusa grupo Collor de comprar votos de credores para evitar falência

Protesto do Sindicato dos Jornalistas contra Collor na orla de Maceió no início de julho - Sindicato dos Jornalistas de Alagoas/Divulgação
Protesto do Sindicato dos Jornalistas contra Collor na orla de Maceió no início de julho Imagem: Sindicato dos Jornalistas de Alagoas/Divulgação

Colunista do UOL

02/08/2022 04h00

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Ex-trabalhadores da OAM (Organização Arnon de Mello), pertencente à família Collor em Alagoas, entraram com uma ação judicial para anular a assembleia geral de credores que aprovou o plano de recuperação judicial e livrou, ao menos por enquanto, a empresa da falência. Na ação, eles argumentam que houve compra de votos na assembleia.

Pelo plano votado no dia 13 de julho, o pagamento aos ex-trabalhadores foi limitado a um máximo de dez salários mínimos a cada um (ou R$ 12.120). Como há casos de débitos superiores a R$ 1,1 milhão, haverá credores com redução de até 99% do valor devido pela empresa.

A ação judicial diz que um advogado que atua para a OAM foi responsável por 118 dos 122 votos favoráveis ao plano apresentado aos credores trabalhistas. Ele votou por meio de procurações de trabalhadores que receberam parte dos valores devidos antes da assembleia —o que seria ilegal.

Sem esses votos, o plano teria sido rejeitado quase que unanimemente pelos demais credores. Ao todo, houve outros 78 votos contrários.

O MP (Ministério Público) de Alagoas vai analisar o caso antes de ir a julgamento, o que ainda não tem data para acontecer. Caso a Justiça entenda que houve irregularidade, a votação pode ser anulada ou os votos dados pelo advogado serem desconsiderados. Se isso ocorrer, os credores pedem que um plano alternativo de recuperação fiscal seja apresentado.

A coluna conversou com alguns desses ex-funcionários, que confirmam ter assinado a procuração após serem chamados pela OAM para negociar a antecipação de créditos.

A OAM fez uma proposta aparentemente comum a todos para fechar o acordo: aceitar metade do valor devido em duas parcelas. A primeira delas foi paga à vista, com 80% do montante; a segunda, de 20%, ficou condicionada à aprovação do plano de recuperação.

Segundo os entrevistados, na proposta, a empresa ainda impôs a assinatura de uma procuração dando poderes para que o advogado Felipe Nobre votasse a favor do plano durante a assembleia.

A coluna procurou Felipe Nobre, mas ele não quis conceder entrevista. Apenas disse que prestou serviço para a OAM há cerca de oito anos. A OAM não respondeu até a última atualização deste texto.

Na ação, os advogados Marcelo Andreatta, Marcelo Alves Chaul e Rodrigo Botelho afirmam que a atitude da OAM é ilegal e se configura como uma compra de votos, já que os credores que assinaram as procurações não poderiam receber dinheiro antes dos demais.

Os advogados pedem à Justiça a nulidade da assembleia e que sejam excluídos os votos de Felipe Nobre da decisão sobre o plano.

Sede da OAM, em Maceió, que reúne maioria das empresas de comunicação do grupo - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Sede da OAM, em Maceió, que reúne maioria das empresas de comunicação do grupo
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Advogado defende empresa em várias ações

Nobre é representante legal da OAM em várias ações (algumas ainda ativas) e chegou a ser notificado para responder por empresas do grupo Collor ainda neste ano.

"O procurador trabalhou como advogado nomeado pelas RECUPERANDAS em diversas ações. Resta evidenciado o conflito de interesses instaurado entre o representante dr. Felipe Nobre e os credores que representou, o que comprova que houve sim vinculação do exercício do direito de voto à realização dos acordos na esfera trabalhista e na mediação instaurada nestes autos", afirma a ação.

Na lista de despesas apresentada pela OAM na Justiça, consta que o advogado tinha a receber, em junho de 2022, um montante de R$ 356.169,19. A empresa não explica a referência do valor.

Credor explica cooptação

Sob condição de anonimato, um credor contou à coluna que foi procurado pela OAM e chegou a assinar a procuração em favor de Felipe Nobre, mas depois voltou atrás.

"Quem me procurou foi outro advogado, não foi o Felipe. Ele disse que a Justiça tinha autorizado eles a negociarem 50% do valor total da dívida. Destes, adiantariam 80% e o restante após assembleia. Era a garantia de que eles iam votar por mim", diz.

Segundo ele, foram pedidas pela empresa a sua documentação e a assinatura da procuração para o voto na assembleia.

"Naquele momento eu precisava bastante de dinheiro, era uma situação financeira muito apertada. Mas, quando falaram comigo dizendo que podia reverter, eu aceitei na hora e fiz outra procuração", conta.

Advogados e credores dizem que denunciaram a votação irregular ainda durante a assembleia geral, mas afirmam terem sido ignorados. Por conta disso, eles também pedem na ação o afastamento do administrador da recuperação judicial, José Luiz Lindoso.

Em resposta à coluna, ele negou qualquer irregularidade e disse que a votação ocorreu de forma legal (veja mais abaixo a resposta completa).

Ação aponta outros problemas no plano

O plano aprovado tem outras ilegalidades, dizem os advogados. Uma delas é sobre os empréstimos feitos pelo grupo de comunicação aos sócios durante o período da recuperação judicial.

Como sócios são proibidos de fazer qualquer retirada de valores durante a recuperação, os advogados entendem que os empréstimos foram uma distribuição disfarçada de lucros.

Antes da assembleia, a coluna revelou que os sócios haviam retirado, até julho de 2019, R$ 125 milhões que não haviam sido pagos. Esse valor, segundo novo balanço da empresa, chegou a R$ 131 milhões —ou seja, mais R$ 6 milhões.

Balanço da TV Gazeta aponta que sócios devem R$ 131 milhões à empresa - Repodução - Repodução
Balanço da TV Gazeta aponta que sócios devem R$ 131 milhões à empresa
Imagem: Repodução

A forma de retirada também chamou atenção, porque eram saques feitos quase todos os meses, sempre entre R$ 125 mil e R$ 131 mil.

"Os empréstimos efetuados aos sócios correspondem a SEIS VEZES o que devem a seus credores trabalhistas", diz a ação.

Outra alegação é a de que a empresa não incluiu no plano de recuperação judicial um fluxo de caixa suficiente para cumprir com as obrigações fiscais. Para isso, pediu que a Fazenda Pública seja chamada a se manifestar.

Segundo apurou a coluna, as empresas do grupo devem hoje ao Fisco da União R$ 389 milhões.

Ainda de acordo com os advogados, houve um "tratamento ilegal diferenciado a credores financeiros, previsto no último aditivo ao plano de recuperação judicial, com nítido endereçamento ao BNDES, de forma a obter sua aprovação".

No caso, o BNDES deu o voto determinante para a aprovação do plano na votação das grandes empresas, já que mais de 50% dos valores devidos a esse grupo era ao banco.

Durante a suspensão das assembleias, os credores estavam negociando com o banco a apresentação de uma proposta mais vantajosa aos credores, mas o BNDES saiu dessa negociação pouco mais de uma semana antes da assembleia geral.

Depois de votar a favor, o banco disse, em nota, que a aprovação do plano ocorreu porque o BNDES corria o risco de não receber qualquer valor se fosse decretada falência e que o acordo seria "preferível".

Fachada do BNDES no Rio de Janeiro - Bernard Martinez/Folhapress - Bernard Martinez/Folhapress
Fachada do BNDES no Rio de Janeiro
Imagem: Bernard Martinez/Folhapress

Administrador rechaça irregularidades

Em mensagem à coluna, o administrador afirma que apresentou "relatório mensal de atividades, contendo eventuais ressalvas, quando cabido". "Assim, os credores sempre tiveram acesso a tais informações e podem questionar quaisquer números para esclarecimento da empresa e, posteriormente, desta administradora, na qualidade de auxiliar do juízo."

Com relação às procurações, ele afirma que todas foram apresentadas e analisadas. "Todos os documentos são públicos e podem ser auditados também pelos credores. A princípio, não identificamos irregularidade nas informações prestadas pelos credores quando da habilitação. Contudo, caso tenha algum fato novo, apontado pelos credores, iremos analisar casuisticamente e apresentar nossa manifestação junto ao processo."

Sobre a questão de não terem direito à fala para questionar as procurações, Lindoso afirma que "durante a assembleia geral de credores foi assegurado o direito de voz e voto de todos os credores que assim quiseram exercer, sem qualquer ilegalidade".

"Ressaltamos ainda que o plano de recuperação judicial foi elaborado pela devedora, conforme determina a lei, e aprovado pela maioria dos credores presentes na assembleia", finaliza.