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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Seca e medo de Bolsonaro perder fazem Amazônia bater recordes de queimadas

30.ago.2022 - Queimadas e desmatamento na região de divisa entre os estados de Acre, Rondônia e Amazonas - Nilmar Lage / Greenpeace
30.ago.2022 - Queimadas e desmatamento na região de divisa entre os estados de Acre, Rondônia e Amazonas Imagem: Nilmar Lage / Greenpeace

Colunista do UOL

06/09/2022 04h00Atualizada em 06/09/2022 06h53

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Nos últimos três dias, a Amazônia registrou mais de 10 mil focos de queimadas, alcançando o maior ritmo de incêndios em pelo menos 15 anos.

Especialistas ouvidos pela coluna apontam que dois fatores são decisivos para essa explosão de casos, inédita há mais de uma década: o medo dos desmatadores de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) perca as eleições —sendo retomadas as ações de fiscalização no bioma— e a seca causada pela força do fenômeno La Niña em algumas regiões da Amazônia.

Somente ontem (5), foram 3.393 focos de calor medidos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o maior número desde 2007.

Antes disso, o recorde havia sido anotado em 22 de agosto, quando foram registrados 3.358 focos de queimadas. No primeiro semestre de 2020, a Amazônia já havia registrado uma alta de 17% nas queimadas.

Em comunicado divulgado ontem, o Greenpeace chama a atenção para o número de focos de fogo de ontem ser 43,4% superior ao episódio conhecido como "Dia do Fogo", em 11 de agosto de 2019, quando se totalizaram 2.366 focos na floresta amazônica.

Focos de incêndio por dia de setembro:

1º/9

  • 2021 - 153
  • 2022 - 2.076

2/9

  • 2021 - 383
  • 2022 - 3.333

3/9

  • 2021 - 207
  • 2022 - 3.331

4/9

  • 2021 - 966
  • 2022 - 3.393
Fogo consome região de Amazonas, Rondônia e Acre na Amazônia - Nilmar Lage/© Nilmar Lage / Greenpeace - Nilmar Lage/© Nilmar Lage / Greenpeace
Fogo consome região de Amazonas, Rondônia e Acre na Amazônia
Imagem: Nilmar Lage/© Nilmar Lage / Greenpeace

Para Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil, uma quantidade de área gigante queimada ao mesmo tempo não é fruto de um único fator, mas do que ela chama de uma "tempestade perfeita".

"Em algumas regiões, estamos com uma seca muito forte, e isso faz com que as queimadas se propaguem. Além disso, claro, pode ter esse fator das eleições. Não é algo isolado, o número neste ano está muito alto — e olha que o ano passado já tivemos um desmatamento grande. Em três dias, devemos bater o mesmo número de setembro de 2021 inteiro", afirma.

No caso, as queimadas na Amazônia são sempre ocasionadas pelo homem e fazem parte de um processo de limpeza da área. Ou seja: elas precedem o desmatamento como uma forma de destruir restos orgânicos e preparar o terreno para virar pastagem.

Quando vemos o mapa do desmatamento, os municípios batem com os que têm queimadas Ou seja, onde teve muito desmatamento em julho e agosto, é onde as áreas estão abertas e precisam ser 'limpas'."
Mariana Napolitano, do WWF-Brasil

A informação bate com dados divulgados no mês passado. Entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram derrubados 8.590,33 km² do bioma, área maior do que a da Grande São Paulo.

Outro ponto que ela cita é que, ao longo dos últimos anos, a floresta amazônica passou por um intenso processo de degradação. "Falamos muito do desmatamento, mas temos outros 17% que estão degradados, o que faz com que a mata fique mais suscetível ao fogo. Esse processo se intensificou nos últimos três ou quatro anos", explica.

Ainda segundo Mariana, a degradação pode ser classificada como o começo do processo de desmatamento. "É quando você não tem a perda da cobertura vegetal, mas se torna uma mata mais seca, onde já tiraram as espécies mais valiosas, ou que já queimou alguma vez, ou que está aberta e menos úmida. Em síntese: ela está começando a sentir os impactos de presença humana", finaliza.

Terra Indígena Mãe Maria, no estado do Pará, em chamas agora no mês de agosto - Aiteti Gavião WWF-Brasil - Aiteti Gavião WWF-Brasil
Terra Indígena Mãe Maria, no estado do Pará, em chamas agora no mês de agosto
Imagem: Aiteti Gavião WWF-Brasil

Impunidade e medo de derrota de Bolsonaro

O professor Aiala Colares, da UEPA (Universidade do Estado do Pará) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também acredita que o avanço do desmatamento e das queimadas neste ano tenha relação direta com o medo de que Jair Bolsonaro perca a Presidência.

"Há um temor do fortalecimento das políticas ambientais, com o aumento da fiscalização e leis mais severas em função de toda a pressão internacional que o Brasil vem sofrendo em relação à proteção da Amazônia. Óbvio que nesse cenário se considera a chance de Bolsonaro perder as eleições, porque a Amazônia é uma pauta política", diz.

Ele compara o mapa das queimadas com o de intenções de voto e diz que existe uma similaridade. "As áreas onde vêm ocorrendo essas queimadas são onde o bolsonarismo é muito forte. Há uma relação entre as pesquisas eleitorais e as áreas que parte de criminosos usam com interesse na expansão do pasto", afirma.

Imagens de satélite atuais e que fazem a medição da concentração de CO² na atmosfera mostram uma mancha gigante no sul da Amazônia, cobrindo boa parte dos estados de Pará, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Desses cinco estados, três tem Bolsonaro como líder nas pesquisas do Ipec.

Áreas com queimadas x Intenções de voto - Arte/UOL, App Wind e mais recentes pesquisas do Ipec - Arte/UOL, App Wind e mais recentes pesquisas do Ipec
Imagem: Arte/UOL, App Wind e mais recentes pesquisas do Ipec

Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do programa MapBiomas Fogo, afirma que a alta já era esperada, já que houve um desmonte das ações de fiscalização na região.

"Isso era esperado, pois esse período pré-eleição parece que a sensação é de tudo ou nada. Esses dados são reflexo da sensação de impunidade em que a Amazônia se encontra", diz.

Já João Paulo Capobianco, biólogo, vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, afirma que é comum, em anos eleitorais, haver um aumento de desmatamento e fogo.

"Essa consolidação de uma ação de desmatamento coincide também com o período eleitoral. É quando, historicamente via de regra, o poder público está menos atento. É um momento bastante ruim", cita.

Isso vem a consolidar o esforço feito pelos grileiros para ocupar essas áreas, alegando que eles as usam. Há uma corrida no sentido de consolidar o que foi desmatado, associado ao processo eleitoral. É um momento propício nesse sentido."
João Paulo Capobianco, biólogo

Desmatamento de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, Rondônia - Christian Braga/Greenpeace - Christian Braga/Greenpeace
Desmatamento de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, Rondônia
Imagem: Christian Braga/Greenpeace

La Niña diminui chuvas

Sobre o La Niña, o meteorologista e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Humberto Barbosa, explica que é o terceiro ano desse fenômeno na região, que faz com que ela fique cada vez mais seca.

Ele explica que o La Niña deixa os ventos um pouco mais intensos e causa altas temperaturas —dois fatores que facilitam a disseminação do fogo. Para piorar, ele cita que o fenômeno está afetando quase toda a região amazônica.

"Estamos entrando no terceiro verão com o La Niña, com maior área de atuação neste ano. A gente consegue perceber isso também pelas condições climáticas, porque tem chovido menos."

A pedido da coluna, ele produziu um mapa que mostra que as áreas mais secas são as que apresentam os maiores incêndios florestais.

Mapa mostra áreas mais secas da Amazônia  - Missão Copernicus do sistema Eumetcast/Lapis/Ufal - Missão Copernicus do sistema Eumetcast/Lapis/Ufal
Mapa mostra áreas mais secas da Amazônia
Imagem: Missão Copernicus do sistema Eumetcast/Lapis/Ufal

"Essa combinação de clima seco e uso do fogo nessas áreas mais degradadas tem tido um grande impacto. Os meses de agosto e setembro são historicamente os mais secos, e o aumento da temperatura na região nos últimos anos prejudica ainda mais", diz.

Essa condição faz com que quem usa o fogo tenha um melhor aproveitamento, ou seja, que alcance áreas maiores. Existem muitas pessoas que conhecem bem essa essas condições e se aproveitam para aumentar o número de incêndios e da área de pastagem."
Humberto Barbosa, da Ufal