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Bolsonaro distorce dados do desmatamento em comparação com Lula

01.set.2022 - Bolsonaro fez comparação distorcida em entrevista à Rede TV! - Arte/UOL sobre Reprodução RedeTV
01.set.2022 - Bolsonaro fez comparação distorcida em entrevista à Rede TV! Imagem: Arte/UOL sobre Reprodução RedeTV

Do UOL, em Brasília

02/09/2022 04h00Atualizada em 16/10/2022 21h52

Em sabatina à Rede TV! na noite de 1° de setembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) distorceu um dado sobre o desmatamento na Amazônia para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com quem disputa a corrida eleitoral. Ao ser questionado sobre meio ambiente, o chefe do Executivo afirmou que a área desmatada no bioma durante o governo do petista foi o dobro da registrada na gestão atual.

O assunto voltou à tona neste domingo (16), durante o primeiro debate entre o chefe do Executivo e o petista no segundo turno.

O dado bruto está correto: o desmatamento acumulado na região nos primeiros três anos sob Lula (2003-05) foi pouco mais que o dobro do que o ocorrido de 2019 a 2021. Bolsonaro omite, porém, que a taxa herdada pelo petista, ao assumir o governo, foi quase o triplo da que ele encontrou ao assumir o poder. No governo Lula, o índice começou a cair a partir de 2005, mas na atual gestão a taxa cresce a cada ano.

O que Bolsonaro alega? Desde o mês passado, o presidente tem rebatido críticas sobre o crescente desmatamento na Amazônia afirmando que os números sob o governo Lula eram piores.

Bolsonaro fez essa afirmação em conversa com jornalistas em julho, ao comentar a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, e novamente 10 dias depois, em resposta a uma publicação no Twitter do ator Leonardo Di Caprio que mostrava o desmatamento crescente na região desde 2019. Ontem, à Rede TV!, o presidente afirmou o seguinte:

O outro candidato aí [Lula] falou, um tempo atrás, que no governo dele houve quase zero desmatamento. Mandei fazer o levantamento, pegando três anos e meio do governo dele e três anos e meio do meu governo. Naquela outra época, você teve o dobro do desmatamento do que no meu governo
Presidente Jair Bolsonaro (PL), em entrevista à Rede TV!

Por que essa alegação é distorcida? Segundo dados do PRODES, o sistema de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a área total desmatada na Amazônia Legal de 2003 a 2005, primeiros três anos de Lula, foi de 72.128 km². Já nos primeiros três anos sob Bolsonaro, de 2019 a 2021, a perda acumulada de vegetação no bioma foi de 34.018 km², menos da metade.

Os momentos em que cada um assumiu o poder, no entanto, eram distintos. Em 2002, quando Lula foi eleito, o desmatamento na Amazônia foi de 21.650 km², área ligeiramente menor que o estado do Sergipe. Já em 2018, quando Bolsonaro se elegeu, a taxa foi de 7.536 km², quase três vezes menor.

Na época em que Lula chegou ao poder, a área desmatada anualmente vinha crescendo de forma quase ininterrupta desde 1997, com o estado do Mato Grosso responsável pela maior fatia da devastação. Em 2003, a taxa subiu para 25.396 km², e no ano seguinte, 2004, alcançou 27.772 km², área equivalente ao estado de Alagoas.

A partir de 2005, porém, o desmatamento no bioma começou a ser contido e registrou quedas sucessivas pelos anos seguintes. Quando Lula entregou o governo, em 2010, a taxa havia caído para um terço da registrada em 2002.

No último debate, porém, o ex-presidente também errou ao dizer que o recorde negativo da taxa foi sob seu governo: o menor índice histórico ocorreu em 2012, já na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff

E Bolsonaro? Enquanto o governo Lula passou a reduzir os índices a partir do terceiro ano de governo, a gestão bolsonarista vem registrando altas sucessivas desde o início, acelerando uma curva de crescimento que vinha desde 2017. O aumento acumulado do desmatamento sob Bolsonaro é de 73%.

Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, o panorama da proteção da Amazônia em 2002 era muito diferente do que havia em 2018. Por isso, segundo ele, não cabe comparar os números brutos entre os dois governos, como faz Bolsonaro.

"Os primeiros anos do governo Lula são os anos em que o país herdou aquele desmatamento e houve um esforço de controle desse desmatamento, que derrubou ele para baixo dos 7 mil quilômetros quadrados. Então essa comparação é completamente estapafúrdia. O fato é que o desmatamento caiu lá atrás, e caiu muito, e agora está aumentando muito", afirma Azevedo.

Como o desmatamento na Amazônia variou nas últimas décadas? Segundo o professor Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe que foi retirado do cargo no governo Bolsonaro, o alto desmatamento na Amazônia é uma herança da ditadura militar. Em 1988, primeiro ano em que houve monitoramento do órgão, a devastação foi de 21.050 km², taxa semelhante à que Lula encontraria 15 anos depois ao chegar ao poder.

A razão inicial para o aumento do desmatamento veio da política de ocupação da Amazônia instituída durante a ditadura militar, de 'avançar seguindo as patas do boi' Era necessário desmatar e ocupar a terra com gado para ter o título de sua posse. Por isso, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por grandes empreendimentos com alto impacto ambiental, como a Transamazônica, que abriu o caminho para o desmatamento e penetração na selva.
Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)

De acordo com Galvão, as variações da taxa ao longo das últimas décadas foram provocadas por uma série de melhoras e retrocessos no controle do Estado sobre a pecuária, a grilagem e crimes ambientais. Mais recentemente, segundo ele, o avanço da soja passou a ser um fator de peso, invadindo especialmente o sul da Amazônia.

Houve quedas temporárias na devastação após a criação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), em 1989, em meados da década de 1990, com a criação de parques nacionais e demarcação de terras indígenas, e a partir de 2004, quando o Inpe passou a ter alertas diários — e não mais anuais — para monitorar o bioma.

Em todos esses casos, contudo, o Estado não foi capaz de sustentar o baixo desmatamento da Amazônia ao longo dos anos, e as curvas voltaram a subir.

"A taxa de desmatamento da Amazônia sempre sofreu variações provocadas principalmente pelas investidas do comércio ilegal de madeira, da grilagem de terras públicas não destinadas e do garimpo ilegal, e a correspondente resposta do governo através de ações de fiscalização e indiciamento dos infratores, e de medidas para coibir as ações predatórias", resume Galvão.

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