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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Governo cria grupo para rever atos de Bolsonaro contra Comissão da Verdade

No governo Bolsonaro, 14 das 29 sugestões da Comissão Nacional da Verdade não foram cumpridas, e sete tiveram retrocesso - Adriano Machado/Reuters
No governo Bolsonaro, 14 das 29 sugestões da Comissão Nacional da Verdade não foram cumpridas, e sete tiveram retrocesso Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

03/05/2023 04h00

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O governo Lula criou uma comissão interministerial visando cumprir as recomendações do relatório final da CNV (Comissão Nacional da Verdade). Um dos objetivos é rever os atos de Jair Bolsonaro que impuseram retrocesso ao trabalho do grupo que investigou as graves violações de direitos humanos na ditadura militar (1964-1985).

Por que isso vai ocorrer

O relatório final da CNV apresentou 29 recomendações ao governo federal para evitar que o país vivesse novamente uma ditadura. Os trabalhos da Comissão da Verdade ocorreram entre 2012 e 2014.

No governo Bolsonaro, 14 das 29 sugestões não foram cumpridas, e sete tiveram retrocesso. Os números são de um levantamento do Instituto Vladimir Herzog e da Fundação Friedrich Ebert Brasil, publicado na semana passada.

Do total de sugestões, apenas duas foram integralmente cumpridas e seis foram parcialmente.

Uma das recomendações não cumpridas é para que as Forças Armadas reconheçam a responsabilidade pelas violações e rompimento democrático.

O que diz o ministério

O MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania) informou à coluna que a composição da comissão que vai apurar os pontos do relatório ainda será definida, e as nomeações serão feitas através de portaria.

O MDHC terá uma função articuladora, de acompanhamento em relação às recomendações."
Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em nota

Os autores do relatório estiveram em Brasília para conversas com representantes dos Três Poderes. O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Sílvio de Almeida, os recebeu.

Bolsonaro, na época em que era deputado federal, aponta para cartaz ironizando busca de restos mortais de vítimas da ditadura - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Bolsonaro, na época em que era deputado federal, aponta para cartaz ironizando busca de restos mortais de vítimas da ditadura
Imagem: Reprodução/Facebook

Recomendações da CNV em que houve retrocesso

"Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964". Bolsonaro e as Forças Armadas voltaram a comemorar a data de dia 31 de março em referência ao golpe militar. Criado em 1999, o Ministério da Defesa não celebrava a data oficialmente até 2019.

"Fortalecer a política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar". Bolsonaro dificultou esse acesso com várias medidas e o fim de comissões existentes.

"Prosseguir atividades de localização, identificação e entrega aos familiares dos restos mortais dos desaparecidos políticos". A comissão que investigava os casos foi desfeita em dezembro de 2022.

"Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de direitos humanos". O Projeto Clínicas do Testemunho, fomentado pela Comissão de Anistia de 2013 a 2017, foi descontinuado no governo Michel Temer (MDB).

"Promoção de valores democráticos e de direitos humanos na educação". Desde 2019, conceitos relacionados aos direitos humanos, sobretudo as questões de gênero e diversidade sexual, foram restringidas.

"Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura". Criado em 2015, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura passou por desarticulação e falta de recursos para missões.

"Apoiar instituição e funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos". Bolsonaro cancelou solenidades de entrega de atestados de óbito a familiares de vítimas e paralisou os trabalhos de construção do Memorial da Anistia, em Belo Horizonte.

Casarão em Belo Horizonte (MG) previsto para receber o Memorial da Anistia, que ainda não está pronto - Fernanda Odilla - 7.out.2014/Folhapress - Fernanda Odilla - 7.out.2014/Folhapress
Casarão em Belo Horizonte previsto para receber o Memorial da Anistia, que ainda não está pronto
Imagem: Fernanda Odilla - 7.out.2014/Folhapress

O que diz o diretor do Instituto Vladimir Herzog

Tenho expectativa muito positiva desse governo. Apresentamos o quadro da situação das recomendações da CNV, que é caótico pela porcentagem muito pequena atendida e pelos muitos retrocessos."
Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog

Todos os poderes estão cientes que o não cumprimento das recomendações coloca o país em risco à nossa democracia. O principal ponto é o enfrentamento da impunidade, e todos se comprometeram a ajudar."
Rogério Sottili

Um dos pontos que Sottili cita é o item 1 das recomendações da CNV, o pedido formal de desculpa das Forças Armadas pelo estabelecimento da ditadura. "Vai chegar o tempo em que os militares entenderão que o que eles fizeram foi um crime contra a democracia."

É importante entender que, até o governo Dilma, a geração que chegou ao generalato foi aquela formada pela ditadura, que não entendia as violações cometidas. Agora começa a chegar os filhos da democracia, e eles têm percepção do que deve ser o papel das Forças Armadas. Esse reconhecimento [e pedido de desculpas] vai acontecer em algum momento."
Rogério Sottili