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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Lula recriará comissão de reparação a famílias de mortos na ditadura

Cemitério de Perus, em São Paulo, onde foram encontradas ossadas de presos políticos da ditadura militar - Folhapress
Cemitério de Perus, em São Paulo, onde foram encontradas ossadas de presos políticos da ditadura militar Imagem: Folhapress

Colunista do UOL

23/01/2023 04h00

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A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi extinta em dezembro de 2022 pelo governo Jair Bolsonaro.

A recriação será um segundo passo do governo Lula para retomar trabalhos de reparação de casos de violência praticados pela ditadura militar. Na última terça-feira (17), novos membros para a Comissão da Anistia foram nomeados.

Com a comissão especial foi extinta oficialmente, deve demorar um pouco mais de tempo para funcionar do que a da Anistia.

O MDH (Ministério dos Direitos Humanos) informou à coluna que a situação da comissão já está sendo "tratada de perto pela nova gestão". "[A pasta] se debruça a entender e achar soluções jurídicas para o restabelecimento das atividades", informou.

A comissão especial de mortes e desaparecidos existia apenas no papel durante o governo Bolsonaro. "Não houve mais estudos de casos, e todos os pedidos feitos foram indeferidos", conta Diva Santana, que integrou a comissão representando familiares.

Ainda existem hoje 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar, apesar dos esforços de ativistas e familiares e descobertas de casos.

A comissão era presidida pela procuradora da República Eugênia Gonzaga, que foi demitida do cargo em agosto de 2019. À época, Bolsonaro justificou a mudança porque "agora é um governo de direita."

Com a comissão conseguimos um estatuto estabelecendo a forma de trâmite da busca de corpos e entrega dos atestados de óbito com a correção da causa mortis. Tivemos orçamento para a realização de centenas de exame de DNA, o que nunca tinha ocorrido."
Eugênia Gonzaga, procuradora da República

A partir dali, a pasta sob o comando da então ministra Damares Alves nomeou quatro novos nomes que cabiam ao governo (eram sete integrantes ao todo) e mudou os procedimentos para que os pedidos não prosperassem. Desde então apenas quatro reuniões foram feitas pela comissão, sem avançar em nenhum caso.

Em busca da reparação

Uma das famílias que têm direito de buscar a reparação é a do embaixador José Jobim, que foi morto em 1979. Somente em 2018 o assassinato foi descrito como morto pela ditadura —antes era morte sem causa definida.

Depois da certidão retificada, fizemos o pedido à comissão, que negou dizendo que ele era extemporâneo. Usaram para isso a lei que criou a comissão e disseram que teria de ter pedido até 1995. Mas como ia pedir se a certidão de óbito foi feita em 2018? Não tem qualquer lógica"
Lygia Jobim, advogada e filha de vítima da ditadura

Lygia com o pai José Jobim - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lygia com o pai José Jobim
Imagem: Arquivo pessoal

Para ela, a volta da Comissão da Anistia foi um passo importante na recuperação dos direitos humanos das vítimas da ditadura no Brasil.

A comissão tinha como missão analisar os casos e proceder, por exemplo, à retificação de atestados de óbito. Além disso, era ela quem dava direito também às indenizações pelos assassinatos aos familiares das vítimas.

O país ainda conta com 144 desaparecidos pelo regime militar. Estes desaparecidos são uma mancha de vergonha que nos acompanhará enquanto não se esgotarem todos os meios para encontrá-los. São famílias que carregam a dor de não poderem enterrar os seus mortos."
Lygia Jobim

O caso de Jobim é emblemático porque foi o primeiro que resultou em uma mudança da causa mortis na certidão de óbito.

Segundo Diva Santana, casos como o do embaixador são comuns já que, com a Comissão Nacional da Verdade e o fim do sigilo dos documentos do SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura, revelações surgiram e indicaram crimes praticados por mililtares.

"Com isso a gente conseguiu avançar em alguns casos e provar que as Forças Armadas mataram, o que os órgãos sempre negaram. Com isso, alguns casos estavam retornando, mas os pedidos todos feitos para a comissão para que avançassem os processos foram indeferidos", conta.