Topo

Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Governo Lula é cobrado a mudar área de projeto bilionário do Exército em PE

Colunista do UOL

30/05/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Um projeto bilionário para construção de uma escola do Exército dentro de uma APA (Área de Proteção Ambiental) no Grande Recife está sendo questionado por ambientalistas por causa do desmatamento previsto em área de mata atlântica.

Entidades têm pressionado o governo Lula a rever o local da futura Escola de Formação e Graduação de Sargentos de Carreira do Exército, escolhida ainda na gestão Bolsonaro.

Entenda a preocupação

Pernambuco concorreu com Paraná e Rio Grande do Sul pela escola. A pedra fundamental foi lançada em março de 2022 com a presença do então presidente Jair Bolsonaro.

Pelo projeto, a escola vai ficar na área do município de Abreu e Lima (região metropolitana do Recife), mas a APA abrange outros cinco municípios: Araçoiaba, Camaragibe, São Lourenço da Mata, Igarassu e Paudalho.

Haverá um desmate de 188 hectares, área equivalente a 174 campos de futebol, para a construção do local, dizem entidades ligadas ao meio ambiente. A APA seria justamente a mais preservada do estado.

O projeto está orçado em R$ 1,8 bilhão e tem conclusão prevista em 2034. Além disso, há mais R$ 110 milhões de contrapartida do governo de Pernambuco. As obras no local ainda não começaram.

O local escolhido pelo Exército já abriga o Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti, dentro na APA Beberibe/Aldeia e onde ficam cinco Unidades de Conservação de Proteção Integral.

Nós estamos falando da maior destruição ambiental do bioma no século 21 em Pernambuco, estado que se destaca por ter um dos menores residuais de mata atlântica no Brasil.
Herbert Tejo, presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia

Mapa - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Entidades produziram um dossiê e encaminharam, no último dia 19, à ministra Marina Silva (Meio Ambiente). Nele, ressaltam a troca de governo e solicitam que a pasta ajude na ideia de tentar mudar a área.

Em 2023, mudanças ocorreram no cenário político nacional, e esse projeto criado no passado, com premissas do passado, se revela na contramão de uma nova visão de país, onde as questões relativas ao meio ambiente e à proteção ambiental se inserem no projeto político de nação, conforme foi determinado pelo presidente Lula
Ofício enviado a Marina Silva

O Ministério do Meio Ambiente foi procurado durante a semana passada pela coluna, mas não retornou os pedidos de explicação sobre se vai ou não atuar pela causa.

Pernambuco analisa

Quem também está de olho na questão é o estado de Pernambuco. O governo Raquel Lyra (PSDB) criou um grupo de trabalho por 180 dias para avaliar os termos do acordo assinado na gestão passada.

Pernambuco quer o empreendimento, mas prefere entender melhor os impactos. Segundo a coluna apurou, o tema é tratado com cautela pelo governo, que vai analisar as promessas feitas pela gestão passada.

Procurado, o governo informou que o grupo irá "tratar todos os aspectos para melhor viabilizar o projeto de construção" da escola.

APA Aldeia/Beberibe, em Pernambuco - Fórum Socioambiental de Aldeia - Fórum Socioambiental de Aldeia
APA Aldeia/Beberibe, em Pernambuco
Imagem: Fórum Socioambiental de Aldeia

Exército defende projeto

Procurado para comentar o projeto, o Comando Militar do Nordeste informou que, desde o final de 2021, realiza estudos ambientais, que resultaram na identificação de áreas restritivas.

Incluem-se os cursos e reservatórios d'água e suas faixas lindeiras com 100 metros de largura em cada lado e as áreas que tenham importância na formação das recargas dos rios, quais sejam as cabeceiras, as reservas florestais, os talvegues com declividade acentuada (superior a 30%) e as bordas de tabuleiros."
Exército

O Exército diz ainda que realizou um inventário florestal, que constatou que os locais escolhidos para supressão "foram anteriormente áreas agrícolas destinadas principalmente a monoculturas de cana-de-açúcar e pequenos assentamentos humanos".

As áreas passíveis de supressão vegetal se caracterizam como vegetação secundária, ou em regeneração, e encontram-se em um estágio médio de regeneração. O Inventário Florestal também evidenciou que não há ocorrência de espécies consideradas imunes ao corte."
Exército

A corporação alega ainda que, junto a órgãos ambientais, tenta soluções de compensação ambiental que deixem "legado ambiental inédito" com uma "requalificação das bacias existentes, o desassoreamento dos rios da área, e a recomposição da cobertura vegetal no entorno da bacia da represa de Botafogo."

Além do respeito à legislação em vigor, a que está naturalmente submetido o projeto, o Exército tem o compromisso de entregar à Pernambuco e à sociedade um verdadeiro legado ambiental, verdadeiro exemplo para outros projetos da mesma magnitude."
Exército

Há outros locais

Há áreas alternativas para receber o empreendimento no estado, dizem entidades do Conselho Gestor da APA (Área de Proteção Ambiental).

Elas sugerem outra que também pertence ao Exército, com 200 hectares já desmatados em Araçoiaba, próxima ao local inicialmente planejado.

É possível construir a Escola de Sargentos de Armas em Pernambuco sem a necessidade de provocar os impactos ambientais irreversíveis.
Ofício enviado a Marina Silva

Área no entorno da Arena da Pernambuco segue sem uso - Google Maps - Google Maps
Área no entorno da Arena da Pernambuco segue sem uso
Imagem: Google Maps

Uma das maiores preocupações é que na APA está a bacia do rio Catucá, que abastece os mananciais do reservatório Botafogo. O sistema de abastecimento público que já está deficitário e leva água a um milhão de pessoas na região.

O impacto é monumental porque estamos falando de um bioma que restou muito pouco. Se fosse na Amazônia, seria pouco, mas aqui representa muito.
Herbert Tejo

As entidades também acionaram o MPF (Ministério Público Federal), que está com procedimento aberto apurando os eventuais danos ambientais do projeto. Em nota, o MPF diz que analisa a documentação enviada pelo Exército.