Deslizamentos ameaçam Morro do Careca, símbolo de Natal; MPF quer vistoria
Cartão-postal da cidade de Natal, o Morro do Careca está ameaçado pelo processo de erosão. Perdendo cada vez mais e recebendo cada vez menos areia, o local passou a ser um problema para poder público por causa do risco de deslizamentos.
O que aconteceu
O MPF (Ministério Público Federal) do Rio Grande do Norte solicitou ao SGB (Serviço Geológico do Brasil), ligado ao governo federal, uma vistoria na estrutura do Morro do Careca. O pedido foi enviado em 7 de julho.
O SGB informou que a vistoria está prevista só para o primeiro semestre de 2024, mas pode ser antecipada em caso de disponibilidade orçamentária e operacional.
A Prefeitura de Natal tenta tirar do papel os projetos de drenagem e engorda de 4 km da praia de Ponta Negra, que começaram a ser desenvolvidos em 2017. Não há previsão para o início dessas obras.
O prefeito Álvaro Dias publicou, no último dia 13, um vídeo mostrando areia caindo do morro e alegando que a engorda de Ponta Negra é "urgente e necessária".
O recado do prefeito tem um endereço certo: o Idema (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente), órgão do governo estadual. A gestão municipal alega que o órgão está a conceder a licença para início das obras. Álvaro faz parte do grupo de oposição.
O que diz a prefeitura
A prefeitura tem três intervenções de engenharia previstas para conter a erosão na praia e proteger o morro, segundo o secretário municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), Thiago Mesquita.
A primeira delas é a instalação de blocos de concreto na costa, chamada de enrocamento. O objetivo é proteger a região das dinâmicas do mar e dos ventos. Essa obra já está em andamento e 30% executada, afirma a gestão municipal.
Já as outras duas etapas têm de ser feitas juntas. São elas: drenagem e a engorda de 4 km da praia entre o morro até o início da Via Costeira. No caso da engorda, Mesquita explica que o projeto prevê a retirada de 1 milhão de m³ de areia a 8 km do continente e a distribuição por toda Ponta Negra.
O processo de engorda vai barrar a erosão da dinâmica do mar sobre o morro. Estamos esperando apenas a licença prévia para licitar a obra. A prefeitura já tem em conta R$ 75 milhões da Defesa Civil Nacional.
Thiago Mesquita, secretário municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
O que diz o Idema
O Idema afirma que autorizou a prefeitura a fazer o EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente). O documento foi entregue em 2022, mas o instituto solicitou complementação de estudos,.
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Quero receberA administração municipal entregou o documento em 10 de julho. O prazo para concluir a análise é 30 de julho.
Pela própria complexidade da obra e os impactos biológicos, sociais e ambientais que serão mais percebidos, a equipe tem tido cautela na análise, especialmente diante da ausência de algumas informações.
Leon Aguiar, diretor-geral do Idema
O que diz o MPF
A coluna teve acesso a documentos recebidos pelo MPF, que tem inquérito aberto desde o ano passado para apurar os problemas no Morro do Careca. Os despachos do MPF incluem informações de relatórios das secretarias municipais de Meio Ambiente e Urbanismo e de Segurança Pública e Defesa Social.
Um documento afirma que "blocos com volume que ultrapassam 2 m³ se desprenderam" da barreira que sustenta a duna" em 12 de março. O MPF anotou que "o evento não deixou feridos, contudo, aponta para o risco iminente advindo da celeridade erosiva da duna".
Outro documento cita duas vistorias feitas por técnicos da pasta de Segurança Pública na área em 4 e 30 de março. "É possível observar incisões basais, processos erosivos decorrentes do regime da maré e dinâmica das ondas que, ao alcançarem sempre a base da falésia durante a maré cheia, provocam trincas e rachaduras nessa base gerando instabilidades", diz o relatório.
Em alguns trechos essas incisões chegam a formar pequenas 'cavernas', demonstrando fragilidade e indicando risco de tombamentos ou rolamentos de blocos.
Relatório da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social
Os técnicos também notaram "vegetação curva, indicando movimentos de rastejo, mais um indício de risco de deslizamento" em uma área à esquerda do morro, onde banhistas se abrigam em busca de sombra.
Obras não resolvem 100% do problema
Os problemas de erosão no Morro do Careca já eram esperado, segundo especialistas ouvidos pelo UOL. Venerando Amaro, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), explica que Ponta Negra passou por processos de remoção de sedimentos e ocupação inadequada ao longo de muitos anos.
Com as mudanças na área, as ondas atingiram com mais força as falésias por baixo do morro, gerando instabilidade. Em 2013, a força do mar resultou na interdição do calçadão da praia.
Ali é um campo de dunas: uma parte é vegetação e outro, dunas móveis. As ondas alcançaram as falésias, e hoje promovem um erosão. Por isso as soluções precisam ser integradas.
Venerando Amaro, professor da UFRN
Amaro pontua que existem alternativas de engenharia possíveis, mas que elas, além de muito caras, seriam arriscadas do ponto de vista ambiental. A engorda, planejada pela prefeitura, protege apenas a parte frontal do morro. "É uma obra interessante, que a gente monitora, faz manutenção. Mas o que a gente tem ali é uma redução das areias que alimentam o morro", diz.
Eu acho que as pessoas devem se habituar com as alterações desses cenários. O morro e outras áreas vão mudar [de aspecto], mas é assim que funciona a natureza e sua dinâmica, principalmente quando você enfrenta mudanças climáticas.
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